Da esq. para a dir., de cima para baixo: JAIME LERNER, PEDRO ALEXANDRE SANCHES, OTÁVIO FRIAS FILHO, ALEXANDRE SANSÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E ROBERTO CAMPOS.
Quem tem diploma, vai a Roma. A Idade Mídia simboliza o Brasil das elites detentoras de poder decisório, uma nação tecnocrática, neoliberal, academicista e pragmatista, que não defende exatamente a qualidade de vida e o atendimento às necessidades aprofundadas da sociedade, mas tão somente o básico do básico, tão básico que se torna abaixo do realmente básico.
Desde 1974, após a decretação do AI-5 e o começo da crise da ditadura militar, que não conseguiu desenvolver o país com o chamado "milagre brasileiro", se ascendeu uma geração de tecnocratas, dotados de decisões e ideias nem sempre populares, aliás, quase sempre impopulares e contrárias ao interesse público, mas que passaram a ter o poder de decidir sobre tudo na sociedade.
Sem se identificarem com o interesse público, tentam se julgar seus representantes, impondo um ponto de vista ao mesmo tempo socialmente excludente e causador de muitos transtornos, que tais pessoas que desenvolvem a "cidadania de escritório" e o "urbanismo de maquetes" juram serem "males necessários" para "benefícios futuros e permanentes (sic)".
No Brasil marcado pela confusão entre sabedoria e sacerdotismo, em que se divinizam pessoas dotadas de poder econômico, político e técnico, os tecnocratas são considerados "deuses" pela sociedade que os teme e nunca age com firmeza contra seus desígnios.
Quanto muito, alguns descontentes só reclamam dos tecnocratas pelas costas, mas fora isso tudo reina na "paz social" que permite que eles cometam seus abusos e tragam prejuízos à sociedade, sempre sob a desculpa de serem "sacrifícios para algo melhor".
ARROCHO SALARIAL PARA O "DESENVOLVIMENTO" DO PAÍS
Tivemos de tudo, do poder abusivo dos tecnocratas. Desde há 50 anos atrás, quando o ministro do Planejamento, Roberto Campos e seu parceiro da pasta da Fazenda, Otávio Bulhões, sob o comando do presidente-general Castello Branco, um plano econômico que "estrangulou" o poder aquisitivo das classes trabalhadoras, com o arrocho salarial e o aumento dos preços.
Eram desculpas feitas como "males necessários" e "sacrifícios urgentes" para a construção do desenvolvimento nacional. O povo só passaria a comprar o "mínimo" para sua sobrevivência e pagar mais contas, vivendo apenas dentro das condições "básicas".
Só que essa desculpa de defender o "básico" acaba criando uma mania em que sucessivas medidas de manter o "básico" acabam fazendo com que tudo ficasse abaixo do básico. De tanto se preocupar com o básico e o mínimo, as coisas acabam ficando abaixo dos padrões básicos e mínimos. Se levarmos adiante, o sentido do básico e do mínimo acaba sendo o da mais absoluta miséria.
MOBILIDADE URBANA: PREJUÍZOS E TRANSTORNOS EM TROCA DO "DEUS" BRT
A tecnocracia se ampliou para outros setores. Na chamada "mobilidade urbana", temos o caso do urbanista paranaense Jaime Lerner, que vende uma imagem de "progressista" mas foi um político apadrinhado e treinado na ditadura militar e sua ascensão política ocorreu em função do "milagre brasileiro". É uma espécie de Roberto Campos do urbanismo e do transporte.
Político ultraconservador, Lerner lançou os padrões antipopulares de transporte coletivo: ônibus com pintura padronizada que desafiam as atenções dos passageiros e acobertam a corrupção político-empresarial, redução de frotas de ônibus em circulação num contexto que supervaloriza os automóveis nas ruas e as reduções de percursos em linhas de ônibus para forçar o uso de bilhetes eletrônicos (os chamados "bilhetes únicos") e causar transtornos para os passageiros.
A medida, que voltou à moda graças à iniciativa do Rio de Janeiro, com a administração impopular de Eduardo Paes e de seu pupilo dos Transportes, Alexandre Sansão - que passou o bastão para sucessores como Carlos Roberto Osório e Rafael Picciani - , causou uma séria crise no sistema de transportes do país, com a prevalência de um modelo caduco que insiste em dar continuidade.
Passageiros se confundem pegando ônibus sem saber que empresa está servindo uma linha - as empresas são proibidas de exibir suas respectivas identidades visuais, que facilitariam a atenção de pessoas comuns - , têm que pegar linhas "alimentadoras" para saltar nos terminais, pegar mais um ou dois ônibus que, com seus transtornos, causam atrasos na chegada ao trabalho ou aos ambientes de ensino.
A espera pela chegada do ônibus desejado, com a redução das frotas que tinham "ônibus demais", chega a uma hora e, com o excesso de automóveis devido ao status quo e à ilusão de comodidade, aumentam ainda mais os atrasos e a tão prometida "rapidez" de tecnocratas, que constroem vias exclusivas de BRT sem medir escrúpulos em demolir patrimônios históricos ou ambientais, se lhes achar necessário, não passa de conversa para boi dormir.
Aliás, o chamado BRT, ônibus articulado ou biarticulado, tornou-se a "moeda de troca" entre tantas para esse caduco sistema de transporte. Os passageiros passaram a sofrer mais pela promessa de um ônibus BRT, com ar condicionado, com motores de indústrias suecas, ou pelo menos com uma dessas qualidades. De que adianta, se esses ônibus acabam ficando sucateados e rodam superlotados?
O BRT (Bus Rapid Transit), nome dado tanto a esse projeto geral de mobilidade e transporte quanto ao tipo de ônibus articulado adotado, tornou-se uma "divindade" que passou a ser endeusada até por uma facção reacionária e agressiva de busólogos, já tomados de fundamentalismo urbanístico e desejo de ascensão política pessoal. Eles defendiam as ideias mais impopulares, tudo em prol do "deus" BRT, que, na prática, só está causando problemas à população.
TRABALHO SOBRECARREGADO
Aliás, o "admirável" projeto do "insuspeito" Jaime Lerner, reciclado pelo discípulo carioca Alexandre Sansão, também incluiu a dupla função do motorista-cobrador, responsável por muitos acidentes de trânsito aliados à tirania do tempo, em que os ônibus são obrigados a cumprir horário em cidades congestionadas.
Assim, quando o ônibus passa por ruas sem congestionamento, o motorista desconta o tempo parado nos engarrafamentos para disparar em alta velocidade, assustando os passageiros. A sobrecarga profissional ainda os faz ficarem doentes e sofrerem de mal súbito nessas condições. O risco de tragédia é potencialmente altíssimo.
A lógica neoliberal envolve essa ideia de sobrecarga profissional, sob a desculpa de promover eficácia e melhor desempenho. E isso se tornou uma norma cada vez mais constante quando o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, um político influente na mesma época em que Jaime Lerner se ascendeu, tornou-se presidente da República.
Ele simbolizou o apogeu de uma visão neoliberal da década de 1990 em que o chamado capitalismo selvagem se voltava às tecnologias de ponta de então. FHC, como era conhecido, passou a defender uma lógica profissional que fazia com que o trabalhador tivesse que sobrecarregar suas funções e suas aptidões sob a desculpa de ser um profissional "dinâmico", "atualizado" e "eficiente".
Essa visão, que obrigava os trabalhadores a aprenderem mais, aumentarem suas cargas horárias e sobrecarregarem seus desempenhos, ruiu quando, em 2001, a sobrecarga profissional fez com que houvesse um acidente na Plataforma P-36, da Petrobras, na Bacia de Campos dos Goitacazes, norte do Estado do Rio de Janeiro, gerando onze mortos.
IDIOTIZAÇÃO CULTURAL: POVO SUBMISSO
Como se não bastasse tudo isso, houve também a ascensão de uma intelectualidade cultural, composta de acadêmicos, cineastas e jornalistas, entre outros, que apostavam numa "nova visão" da cultura popular brasileira, baseada no "livre mercado" e fundamentada no poder midiático como transmissor de valores sócio-culturais e no poder do mercado como seu perpetuador.
Através de figuras como o historiador Paulo César Araújo, o antropólogo Hermano Vianna e o jornalista Pedro Alexandre Sanches - este pupilo de Otávio Frias Filho e discípulo (não-assumido) de Fernando Henrique Cardoso e Francis Fukuyama - , difundiu-se uma tese de que a "verdadeira cultura popular" se baseava na domesticação das classes populares e na promoção do consumismo das populações pobres em todo o país.
A visão foi difundida também como "progressista", mas o que ela fazia era promover a idiotização cultural, transformando as classes populares em caricaturas de si mesmas, com as pessoas transformadas em indivíduos ingênuos e patéticos, impulsionados ao consumismo, embora haja aquele papo intelectual de "autossuficiência das periferias", "benefícios da tecnologia para o povo pobre" e outras mentiras.
Durante muito tempo, essa visão tecnocrática da "cultura popular", que se valia pelo status quo dos intelectuais culturais envolvidos - uns porque tinham pós-graduação, outros porque tinham um belo currículo de entrevistas e reportagens e aqueles porque faziam documentários premiados - , foi considerada "unanimidade" e todo questionamento a ela era visto como "preconceito".
PRETENSAS "DIVINDADES"
Esse quadro é um sintoma de um Brasil que ainda atribui uma superioridade social, seja em que critério for, àqueles que são dotados de alguns privilégios econômicos, políticos, acadêmicos ou profissionais. A sociedade lhes atribui superioridade não pelo conteúdo de suas ideias, mas pelo diploma ou pela "experiência" adquirida, ou talvez por alguma ordem "superior".
Em muitos casos, as pessoas aceitam a superioridade dessas pessoas sem refletir como e por que elas atingiram o status que expressam. E atribuem genialidade a eles sem entender o que realmente eles estão querendo dizer e fazer com aquelas medidas e ideias que, numa análise cautelosa, são as mais desumanas e maléficas para a sociedade.
A opinião pública acaba se escravizando aos desígnios desses modernos fariseus, desses "sacerdotes da razão" divinizados pela posição meramente material e simbólica que exercem na sociedade, e que não está á altura de suas ideias excludentes, preconceituosas, antissociais e impopulares.
É perigoso um país em que a sociedade aceita tudo que vem "de cima", como se as "ordens superiores" dos procedimentos e abordagens cotidianos fossem similares a decisões divinas. Mas elas não são e, não obstante, elas são apenas formas sutis de crueldade e desumanidade, que criam prejuízos e impasses que nunca são resolvidos devidamente.
CHICO E DIVALDO SERIAM TECNOCRATAS?
No "movimento espírita", essa ilusão de superioridade envolve as figuras dos anti-médiuns Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, o que faz pensar se eles também não estariam inseridos no contexto de tecnocracia de que falamos acima.
Evidentemente, os dois não são associados a funções necessariamente tecnocratas, mas compartilham da ilusão de superioridade e sabedoria que os detentores de habilidades técnicas exercem sobre a sociedade.
Chico Xavier era um homem de origem pobre que tinha uma instrução modesta, longe da imagem exagerada e contrastante do "ignorante que se transformou em sábio pela luz da fé", com regular hábito de leitura de livros mas com incapacidade de ter uma visão de mundo abrangente e coerente e, sobretudo, além dos limites de sua estreita devoção religiosa e sua visão socialmente conservadora.
Divaldo Franco talvez se aproximasse dos critérios tecnocráticos, já que ele, funcionário público aposentado, é famoso pelo tom professoral que influi no seu vestuário e na retórica rebuscada de palavras cultas e oratória habilidosa, além da pretensão ilusória de aparentemente ter resposta para todas as questões da humanidade e do mundo.
Divaldo é um homem que mistura arremedos de pseudo-ciência com esoterismo e erudição discursiva, de uma forma um tanto diferente de Chico Xavier, que tinha um discurso de caipira interiorano e postura de católico devoto e praticante, mas era "indiretamente" empurrado para alegações "científicas", "proféticas" e "filosóficas" relacionadas aos livros que levavam sua autoria.
Portanto, Divaldo é mais direto no simulacro "intelectual" do que Chico Xavier, que só foi "intelectualizado" pela interpretação de terceiros, não raro cheia de fantasias e demais pretensões preciocistas.
Mas, de toda forma, eles também se beneficiam por essa ilusão de superioridade, que na verdade prejudicam a sociedade brasileira, na medida em que tudo que é decidido sob o manto do status quo e de relativos triunfos acadêmicos, profissionais e filantrópicos é tido como "superior" e "necessário", ainda que prejudicial e de eficácia nula ou inócua.
E os brasileiros são tomados por essa ilusão de aceitar tudo o que é decidido "lá do alto", baseado nas ilusões de superioridade que atribuem aos supostos "senhores da razão". E o povo vai pensando assim até que as fezes de pombos caiam sobre suas caras, o que talvez lhes possa ajudar a repensar sobre a validade de tudo que "vem de cima".
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