sábado, 23 de dezembro de 2017
Mercado editorial é refém do "movimento espírita"?
Está nas bancas, ultimamente, uma revista especial sobre o "médium" Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, publicada pela editora Auto Astral. A publicação é mais do mesmo diante da biografia oficial que segue a lógica ditada pela Federação "Espírita" Brasileira e moldada na "fase dúbia" do "movimento espírita", denominada oficialmente "kardecismo".
Só mesmo um país marcado pela desinformação, pelo deslumbramento fácil, pelo hábito precário de leitura e pelo jogo de interesses que faz com que prevaleça a "pós-verdade", para que o "espiritismo" esteja em boa conta no meio literário.
Todavia, prestando bem atenção, se observa que as obras "espíritas" são de uma mediocridade e de uma indigência intelectual sem tamanho. O próprio Chico Xavier tem uma literatura mediana. Como um Michael Jackson da religião, ele até tinha algum talento como poeta e escritor, mas se o "rei do pop" preferiu virar arremedo de roqueiro, o "médium" preferiu se passar por "porta-voz dos mortos", difundindo, no entanto, obras que destoam dos estilos originais dos mortos alegados.
Se desapegando de paixões religiosas e resistindo à fascinação obsessiva das paisagens celestiais ou floridas das obras "espíritas", constata-se que as mesmas, a partir do próprio exemplo de Chico Xavier, são obras pedantes, cheias de gravíssimos erros de História, enredos piegas, narrativas prolixas ou simplórias, lições de moralismo retrógrado.
Com tantas irregularidades, no entanto, o "espiritismo" parece ter poder no mercado literário. Tem espaço nobre nas bienais do livro, exerce um grande lobby entre os meios intelectuais e tem praticamente a imprensa em suas mãos, a ponto de Divaldo Franco sair "invisível" no escândalo da "farinata" de João Dória Jr.
O poder descomunal do "movimento espírita" pode surpreender a muita gente. Primeiro, porque, aparentemente, o "espiritismo" brasileiro não é a religião mais popular do país. Segundo, porque a fachada de suposta modéstia e pretensa humildade fazem muita gente não acreditar na prepotência dos "espíritas".
DANOS TERRÍVEIS
Os danos que isso causa na cultura brasileira podem até ser reparados, mas seus efeitos não são inofensivos. O caso Humberto de Campos sinaliza para o dano que a literatura supostamente mediúnica trouxe, a ponto de retirar do mercado os títulos originais do autor maranhense, cuja produção literária se situa, cronologicamente, entre o fim da vida de Machado de Assis e o começo da carreira de Jorge Amado.
O lobby do "movimento espírita" pressionou para que Humberto de Campos, cujos livros haviam sido publicados pela histórica editora José Olympio, permanecesse fora de catálogo. Enquanto isso, sobrevive no mercado a literatura fake que é tida como "produção paralela" supostamente do além-túmulo, que destoa grosseiramente do estilo original que marcou a carreira de Humberto.
O dano é grave, porque Humberto, que havia sido bastante popular em seu tempo, hoje praticamente é ignorado. A desculpa de que Humberto viveu em outra época e não faz sentido relançar suas obras originais não procede, porque há inúmeros exemplos de escritores antigos, como o próprio Machado de Assis, que permanecem no mercado até hoje.
Essa desculpa é feita para que se dificultem as leituras comparativas da obra original de Humberto e da obra supostamente mediúnica, processo no qual é fácil identificar irregularidades. A obra supostamente espiritual é a literatura fake de maior repercussão sob o rótulo "espírita", e por isso o Humberto de Campos original passa a ser deixado de lado, para proteger o mito Chico Xavier.
Outros autores que tiveram também obras fake supostamente mediúnicas, como Eça de Queiroz, têm situação diferente. No caso de Eça, o autor português tem grande repercussão nos países lusófonos, e mesmo que seja comercializado o livro fake intitulado Getúlio Vargas em Dois Mundos - cuja narrativa destoa da agilidade original do autor e mais parece um clone de Nosso Lar, com diversas passagens maçantes - , prevalece a obra original.
Isso porque as obras fake são lançadas por "médiuns" menos badalados - no caso de Getúlio Vargas em Dois Mundos, trata-se da quase desconhecida Wanda Canutti, já falecida - , os quais não contam com a blindagem que recebe Chico Xavier, em níveis que superam até mesmo a blindagem dos políticos do PSDB, como Aécio Neves, político que mostra muitas afinidades pessoais com o "médium" e com o qual expressaram admiração recíproca.
Chico Xavier, no entanto, apresentou indícios de que teria usurpado o nome de Humberto de Campos por revanche, por não ter gostado do artigo irônico que, dividido em duas partes, o autor maranhense escreveu sobre Parnaso de Além-Túmulo. Humberto pedia para que não houvesse "literatura do além" para competir com o "ganha-pão dos vivos".
Chico teria se vingado usurpando o nome de Humberto pra produzir suposta obra mediúnica, mudando todo o estilo do autor maranhense, para dar a impressão que era um padre, e não um membro da Academia Brasileira de Letras, que passou a escrever "obras do além".
O que ninguém estranha é que o primeiro livro de Chico Xavier, Parnaso de Além-Túmulo - que se comprovou ser obra de Chico, Wantuil de Freitas e editores da FEB - , usa como título a palavra "párnaso", em 1932, quando se sabe que o Parnasianismo foi um movimento literário já ultrapassado naquele tempo e que o movimento modernista de 1922, que o substituiu, já havia se consolidado naquele começo da década de 1930. O "espiritismo" se sustenta com a ignorância de muitos.
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