quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
"Espiritismo" faliu porque falhou o discurso da "Nova Era"
A falência do "espiritismo" brasileiro se deu porque seu discurso sobre a "entrada na Nova Era", que até hoje tenta ser veiculado com muita persistência, simplesmente falhou, mediante os inúmeros resultados negativos que a humanidade, não só brasileira, mas mundial, contraiu mediante diversos fatores.
O discurso de "Nova Era" não necessariamente foi criado pelos "espíritas" brasileiros, mas pegando carona em movimentos esotéricos de valor bastante duvidoso criados nos EUA que criavam pastiches de orientalismo religioso ou apostavam em profetismo místico, daí tendências que vão da Cientologia a movimentos de influência da Astrologia.
São movimentos que aproveitam, de maneira tendenciosa, o misticismo professado pelo movimento hippie e as perspectivas que a humanidade tinha de avanços humanos prometidos no final da década de 1980 e, depois, no triplo final da década de 1990, do século XX e do segundo milênio. A ideia da "sociedade de Aquário" e da "fraternidade do Terceiro Milênio" causou uma catarse emocional em milhões de pessoas.
O "espiritismo" brasileiro, que tinha problemas em assumir o legado deturpador do francês Jean-Baptiste Roustaing, resolveu suas crises usando o "jeitinho brasileiro". Sob o pretexto, que se revela cheio de falsidades, de equilibrar a atuação de "científicos" e "religiosos", duas facções em disputa no "movimento espírita", criou-se a "fase dúbia", que investe num "roustanguismo com Kardec".
A hipocrisia aumentou no "movimento espírita", mas de forma - o tal "jeitinho brasileiro" - que parecesse "equilibrada" e "coerente". Pratica-se igrejismo de base roustanguista sob a desculpa de "seguir as tradições religiosas brasileiras" e usa-se a "afinidade com os ensinamentos cristãos" como alegação para "catolicizar" o Espiritismo.
No entanto, esse processo, que consiste em deturpação e vai contra muitos ensinamentos espíritas originais, é feito sob a pretensão de "rigoroso respeito" e "fidelidade absoluta" a Allan Kardec, sem que se meçam escrúpulos em dizer uma coisa e depois dizer ou fazer outra coisa. Chega-se ao cúmulo de deturpadores do Espiritismo expuserem corretamente a Teoria Espírita em certos eventos, enquanto, em outros, professam o mais gosmento igrejismo.
Há tanta hipocrisia que muitos palestrantes e "médiuns" do "movimento espírita" chegam a se dizer "contra a vaticanização e a catolicização", e uns igrejeiros chegam ao ponto de, mesmo professando a tendência "religiosa", se autoproclamam "científicos" e fazem de tudo para manter as aparências: escrevem artigos pedantes sobre Física, Filosofia e Ciências Humanas nos periódicos "espíritas", bajulam Erasto e ilustram textos místicos com fotos de anatomia humana ou cenários cósmicos.
Aliás, são esses textos místicos que, combinando pedantismo científico com devaneios esotéricos e pretensa profecia, prometiam a "Nova Era" que, num contexto muitíssimo antiquado, era prenunciado em 1937-1938 por Francisco Cândido Xavier no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.
PATRIA DO EVANGELHO? OU A VOLTA DO CATOLICISMO MEDIEVAL?
O referido livro foi escrito a quatro mãos com Antônio Wantuil de Feritas, então presidente da FEB, apesar do crédito tendencioso do espírito do escritor maranhense Humberto de Campos, que nunca seria capaz de escrever um til desse livro (desconta-se o risível plágio que Chico e Wantuil fizeram com um capítulo do livro cômico de Humberto, O Brasil Anedótico).
Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho é constrangedor como livro pretensamente profético. Como livro de História do Brasil, ele se baseia nos livros medíocres e numa visão historiográfica preconceituosa, elitista e tendenciosa, como nos piores livros do gênero.
Como um pretenso documento de "previsão" de que o Brasil teria uma posição destacada no mundo, o livro apresenta equívocos, uns bastante perigosos. Primeiro, porque é uma patriotada literária própria de um interiorano que sonhava ver o Brasil dominando o mundo. Segundo, porque isso pressupõe uma volta tanto do Império Romano (supremacia política) quanto do Catolicismo medieval (sob o rótulo de "espiritismo"), através de uma "teocracia imperialista".
Isso é confirmado pelos indícios de que o "espiritismo" - que, no Brasil, reduziu-se a uma forma repaginada do Catolicismo jesuíta que dominou o país no período colonial - se tornaria a religião dominante do mundo e o Brasil iria "comandar os processos de transmissão dos ensinamentos cristãos" na humanidade planetária.
O discurso de "nação-líder", politicamente falando, resultou, nas décadas recentes, no imperialismo dos EUA e no projeto imperialista do nazismo de Adolf Hitler, revelando os males de uma nação dominante na humanidade da Terra.
Já o discurso religioso, da "pátria do Evangelho", o próprio caso do Catolicismo medieval confirma o perigo desse discurso, por mais que se fale no "desenvolvimento da fraternidade e da misericórdia", na "união em Cristo" e na "promoção da paz dentro da fé cristã". O problema não está na beleza dócil desse discurso, mas do "outro lado", pois crenças que não compartilharam dos "ideais cristãos" eram exterminadas de forma sangrenta e desumana.
O grande perigo é esse, porque os próprios "espíritas" têm uma visão punitivista do sofrimento humano, falando em "reajustes espirituais" e "resgates morais" e a acusação de que vítimas da violência e outras tragédias, feitas ao arrepio da Ciência Espírita e baseadas em julgamentos de valor, teriam sido "gauleses" em outras encarnações.
Chico Xavier e Divaldo Franco fizeram perversos juízos de valor. Em 1966, Chico Xavier acusou as humildes vítimas do incêndio do Gran Circo Norte-Americano, ocorrido em Niterói, em 17 de dezembro de 1961, de terem sido gauleses sanguinários. Para piorar, Chico Xavier jogou a culpa em Humberto de Campos, creditado sob o tendencioso pseudônimo "Irmão X". Em 2016, Divaldo acusou, com um discurso dócil, os pobres refugiados do Oriente Médio de terem sido colonizadores sanguinários e, levianamente, os acusou também de quererem recuperar os tesouros da Europa.
Dante disso, junta-se o perigo do discurso da Nova Era do "espiritismo", aliado à perspectiva do Brasil como "coração do mundo e pátria do Evangelho", o que nos faz concluir que o papo é cheio de contradições e que, por trás do suposto profetismo futurista, existe um discurso conservador de resgate de tempos medievais.
Os "espíritas" sinalizaram apoiar cenários políticos ultraconservadores. O "espiritismo" brasileiro apoiou o golpe político de 2016 e fez pregações elogiando o "atual momento político" e pedindo aos sofredores "se conformarem com as desgraças da vida". Se isso é a Nova Era que os "espíritas" tanto falaram, então a Nova Era, sinceramente... já era!
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