quarta-feira, 14 de junho de 2017

Crise política revela a crise do "topo da pirâmide"


A recente crise política que envolve os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de setores do empresariado, mostra que o chamado "topo da pirâmide", no qual a sociedade brasileira ainda atribui uma superioridade faraônica, está sofrendo o seu mais grave colapso.

O Brasil viveu um contexto em que o arrivismo, o clientelismo, a ambição e a dissimulação se tornaram as regras para se "vencer na vida", da parte de uma parcela de "iniciados". Nessa competição da vida, a maioria das pessoas é condenada ao sofrimento e à mediocridade, em nome do prestígio de uns poucos.

As denúncias da empresa JBS, revelando os escândalos que os irmãos Joesley e Wesley Batista fizeram com a classe política brasileira, e o pífio julgamento do Tribunal Superior Eleitoral sobre irregularidades da chapa eleitoral Dilma Rousseff-Michel Temer confirmam a crise de elites que eram associadas a qualidades administrativas, legislativas e por uma suposta visão objetiva do mundo.

Hoje o "topo da pirâmide" arde em chamas, num incêndio que tenta ser combatido com querosene. Os privilégios dos mais diversos, entre o porte de armas e o prestígio religioso e envolvendo o poder político, a grande mídia e o grande empresariado, estão sendo postos em xeque, e todos os esforços são feitos para, se não abafar a crise, minimizar ou neutralizar seus efeitos.

O "espiritismo" também não está fora desta crise e é a religião que está mais sofrendo por seus defeitos. Hoje está sendo cobrada a conta da "vaticanização" e das dissimulações que os igrejeiros da doutrina brasileira fazem para fingir "rigoroso respeito" a Allan Kardec, enquanto praticam a "vaticanização" que tanto criticam e reprovam no discurso.

A recente erosão doutrinária que reduz a prática "espírita" se reduzir a um receituário moralista e a um simulacro de filantropia sinaliza o quanto o "movimento espírita" fez uma verdadeira farra com os postulados kardecianos e o "espiritismo" virou a religião da mediocridade, em que desde físicos frustrados até romancistas ruins viram "dedicados intelectuais" da doutrina.

Os próprios "médiuns", como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, mostram também que o "espiritismo" brasileiro também se situa no alto da pirâmide social. A doutrina igrejeira virou uma fogueira de vaidades que deturpou o sentido de "caridade" para ações de menor expressividade que serviam mais para a promoção pessoal dos "filantropos", que festejam mais e ajudam menos.

A própria função de "médium" virou uma grande aberração. Deixou a função intermediária e quase anônima para adotar o culto à personalidade e a idolatria religiosa. A situação chega ao ponto mais vergonhoso se compararmos que os discretos médiuns que colaboraram com Kardec eram aristocratas e, no entanto, tinham um senso de humildade muito maior do que os supostos equivalentes brasileiros, que tanto se gabam pela pose de "humildes".

O poder midiático também favoreceu muito essa idolatria religiosa, sabendo que a TV Tupi e a Rede Globo trabalharam para expandir o mito de Chico Xavier. As pessoas aceitam tudo naturalmente, sobretudo desde os tempos do poder da Rede Globo, que se insere nas pessoas de tal maneira que até parte dos que odeiam a emissora televisiva adotam costumes e crenças próprios da mesma. Daí a piada de que "o Brasil é uma concessão da Globo".

Essa aliança não ocorre por acaso e não é a Globo que está "pegando carona" na "perfeição moral" do "espiritismo" brasileiro. Pelo contrário. É o "espiritismo" brasileiro que, hoje reduzido a uma versão repaginada do velho Catolicismo jesuíta, tem o gosto de ter um poderoso veículo midiático como aliado, reforçando e até reelaborando mitos religiosos, como se viu quando a Globo fez de Chico uma versão brasileira de Madre Teresa de Calcutá.

Não vamos nos esquecer que Madre Teresa - curiosamente, sósia da vilã em quadrinhos da turma do Popeye, a Bruxa do Mar (Sea Hag, no original) - foi denunciada por deixar seus alojados em condições sub-humanas, atitude feita de propósito com base na perversa Teologia do Sofrimento, corrente medieval católica que hoje tornou-se a base ideológica do "espiritismo" brasileiro.

O mito de "caridade" que se trabalha através do poder midiático e do moralismo da sociedade conservadora mais parece propaganda do suposto benfeitor do que uma campanha de ajuda aos necessitados. Os baixos resultados de transformação revelam a farsa, embora os fanáticos religiosos tentem arrumar desculpas para continuar glorificando os "benfeitores" que comemoram demais o quase nada que fizeram ou fazem.

Isso faz a máscara cair e nivela o "espiritismo" brasileiro às velhas extravagâncias dos sacerdotes dos tempos de Jesus de Nazaré, que reprovava sua arrogância travestida de humildade, seu pedantismo intelectual, seu misticismo mistificador e outras práticas que os "humildes médiuns", que tanto adoram exaltar Jesus, praticam, sem perceber o quanto "seu mestre" reprovaria energicamente o que fazem.

A confusão doutrinária feita com tantos igrejismos e esoterismos inseridos sob o rótulo de "espiritismo" acentuaram a crise, na qual a chamada "fase dúbia" - uma falsa promessa de recuperação do Espiritismo original, feita nos últimos anos - tentava abafar a "torre de babel espírita" forjando uma falsa diversidade doutrinária e uma falsa estabilidade no pretenso equilíbrio entre Ciência, Filosofia e Religião, na qual sobressaía esta última.

A crise se torna extrema e não se pode mais prometer, pela enésima vez, "estudar melhor Kardec", porque, com todo esse igrejismo, o que mais se fez foi desfilar a boa teoria de Kardec, exposta pela letra "desencarnada", com seus presunçosos palestrantes falando em "Kardec total", pedindo para "não só lermos Kardec, mas vivermos Kardec" e até para "tirar o Espiritismo dos ambientes fechados das casas espíritas".

Mas tudo isso foi como, diante da comida apodrecida de muito tempo, misturasse com a comida nova e saudável, acreditando que isso vá resolver o problema. Ou como plantar um jardim de flores por cima do lodo fétido. A crise do "espiritismo" é parte da crise do "topo da pirâmide" em que os privilegiados se esqueceram de suas responsabilidades, cometendo erros dos mais graves em busca de obter vantagens sociais das mais diversas.

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