quarta-feira, 10 de maio de 2017
O mal maior dos "médiuns" brasileiros: o culto à personalidade
Poucos percebem, mas a função do médium, discretíssima e quase anônima nos tempos de Allan Kardec, se tornou uma aberração monstruosa no Brasil. O médium perdeu a sua função intermediária, se tornando o centro das atenções, sua atividade mediúnica é de valor duvidoso e apresenta irregularidades e ainda há o pedantismo intelectual como uma de suas qualidades.
Os médiuns que serviram a Kardec eram discretíssimos. Eram conhecidos apenas pelo sobrenome. Seu serviço era eventual, e não viviam dessa atividade. Também não queriam ser o centro das atenções e passaram para a posteridade num semi-anonimato.
Já no Brasil, os "médiuns" têm nome, nome do meio e sobrenome. São os centros das atenções de tal forma que o papel intermediário foi reservado aos espíritos dos mortos, reduzidos a "garotos de recado" dos "médiuns" que supostamente os recebem.
Sim, porque, no caso de Francisco Cândido Xavier, o "morto" pensa igual ao "médium". Pensa e escreve igual, até sua caligrafia se torna a do "médium". O "morto" se reduz a um propagandista religioso, que vagamente diz que "está tudo bem" com ele enquanto há o apelo para todos "se unirem na fraternidade em Cristo", eufemismo para propaganda igrejista.
As pessoas são muito tomadas de emotividade cega, e constroem sua realidade a partir de tais devaneios. Qualquer um que se promova com imagens de crianças pobres sorridentes é atribuído como um predestinado ao Céu, sendo também um coreógrafo das palavras, sem que haja um questionamento sobre as ideias que transmite ou as contradições de seu belo discurso.
Os "espíritas" já estão preocupados com a onda de críticas feitas à sua doutrina igrejeira. Ficam incomodados, dizem que seus questionadores sentem "falta de perdão, fé e oração" e suplicam para que haja misericórdia. A impressão que se tem é que eles se acham paladinos da Justiça ao promoverem a fraternidade do Bom Senso com o Contrassenso.
Eles deveriam se olhar no espelho, antes de esboçar qualquer reação. O "espiritismo" que eles defendem tem raízes no igrejismo de Jean-Baptiste Roustaing, mas revelar isso lhes causa horror, assim como dizer que eles estão inclinados à Teologia do Sofrimento e que o próprio Chico Xavier introduziu essa corrente católica medieval na Doutrina Espírita praticada no Brasil.
É muito fácil atacar, e os ataques não partem de quem questiona as contradições do "movimento espírita". Os ataques partem daqueles que se acostumaram apenas com elogios, enquanto difundem ideias contraditórias entre si, evocando Erasto num momento e exaltando Emmanuel em outro. Eles deixaram de serem aceitos em suas ideias que se chocam com os postulados espíritas originais e, por isso, não gostam de serem criticados.
A desmitificação dos "médiuns" também lhes incomoda. Tão acostumados com a mitificação, a níveis de contos de fadas, do "médium" que traz "lindas mensagens" e faz "boas ações", os brasileiros não conseguem admitir a aberração de um "médium" que se torna o centro das atenções e que é beneficiado por uma atitude não lá muito positiva: o CULTO À PERSONALIDADE.
O culto à personalidade (ou culto de personalidade) não existe apenas nos líderes políticos presunçosos e ambiciosos com seu próprio poder. Ele envolve também empresários, famosos, e até mesmo supostos ativistas. Consiste numa estratégia em que a pessoa é exaltada em suas supostas virtudes, como se o valor das virtudes fosse subordinado à figura de alguém tido como "muito importante".
Na Rádio Metrópole FM, em Salvador (Bahia), que por sinal tem como contratado o "médium espírita" José Medrado (ele mesmo o astro das palestras de plateias lotadas todas as noites de terças-feiras na "Cidade da Luz", no bairro de Pituaçu), é conhecida pelo culto à personalidade dado ao seu proprietário, Mário Kertèsz (que começou a carreira como político da ditadura militar), ele mesmo um pretenso radiojornalista e autoproclamado maior astro da emissora.
O culto à personalidade coloca o indivíduo acima de sua própria atividade. Até antes dessa atividade ser exercida, o indivíduo já recebe os louros. Em muitos casos, é o pretenso vencedor de uma competição que nem começou. É o favorito acima de qualquer causa. E, no "espiritismo" brasileiro, o "médium" que recebe o culto à personalidade faz o tipo de pessoa na qual não é o benfeitor que se sujeita à caridade, mas é a caridade que se sujeita ao benfeitor.
Uma das amostras do culto à personalidade estava nas caravanas de Chico Xavier em Uberaba. Um espetáculo de pura ostentação, com fileiras de carros, com muito barulho, festas e farta propaganda na mídia, com coberturas festivas na imprensa. Muito barulho por quase nada: trata-se de uma mera atividade de doação de mantimentos para famílias pobres e numerosas, um ato que equivale ao que as pessoas mais esclarecidas entendem como Assistencialismo.
O Assistencialismo se define como uma atitude de ajuda ao próximo nos limites meramente pontuais. Não se resolve definitivamente o problema. Ou, quando muito, só se "resolve" pontualmente, como projetos educacionais inócuos, que apenas ensinam a pessoa a "sobreviver", com aparente dignidade, mas de maneira medíocre e pouco satisfatória.
Há uma diferença entre Assistencialismo e Assistência Social, que realmente transforma. O Método Paulo Freire de Educação é um exemplo de Assistência Social. Muitos "espíritas" dizem que a "caridade" que fazem é Assistência Social, mas o que fazem, na verdade, é Assistencialismo.
Ações que só teriam caráter de urgência em calamidades públicas, como a concessão de sopas e donativos, são feitas em período declarado de paz. Tendo condições para se fazer mais, os "espíritas" fazem pouco, preocupados mais em promover o "benfeitor". Os benefícios vêm em segundo plano.
Tudo acaba promovendo o "bom mocismo" de "médiuns" que, em certos casos, fazem turnê pelo mundo para fazer palestras para ricos e poderosos, como Divaldo Franco, ou ficam nos seus locais de origem, como Chico Xavier e João de Deus, para dar um verniz de "humildade plena".
Nota-se o culto à personalidade quando se fala em Mansão do Caminho, Você e a Paz, em várias casas e projetos de "caridade" nos quais os "médiuns" aparecem em primeiro plano. Mesmo cercados de crianças saltitantes e adultos pobres, são os "médiuns" os destaques, são os primeiros a serem identificados em tão "modestas" imagens.
Os "médiuns" brasileiros já são considerados anti-médiuns porque perderam o papel intermediário que deveriam assumir. Tornam-se figuras exóticas, pitorescas, alimentando o sensacionalismo da grande mídia, que adora fenômenos que misturem devoção religiosa e aspectos pitorescos. As paixões religiosas revelam esse apego ao sensacionalismo e à pieguice que faz dos "médiuns" brasileiros uma grande vergonha para a humanidade.
Afinal, os médiuns autênticos que serviram a Allan Kardec eram, em maioria, aristocratas que tinham atitudes bastante discretas, não queriam o estrelato e nem posavam de dublês de pensadores e ativistas. Se eles faziam ativismo social, era no quase anonimato. Mas o pior é que, sendo aristocratas, eram esses médiuns bem mais humildes do que os "médiuns" brasileiros que vivem do culto à suas personalidades.
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