quarta-feira, 29 de março de 2017
A falsa estabilidade do "espiritismo" visto de fora
Tudo parece reinar na santa paz aos olhos dos leigos, quando se refere ao "espiritismo" brasileiro. Fica muito fácil, mesmo com a melhor das intenções, criar uma narrativa aparentemente equilibrada e imparcial, mas que claramente mostra a forçada coexistência entre o Espiritismo original de Allan Kardec e a forma deturpada feita no Brasil e popularizada por Francisco Cândido Xavier.
Oficialmente, o que o senso comum entende como Doutrina Espírita no Brasil nunca sai disso: uma visão oficialesca, digna de meros releases fornecidos por empresas. Uma visão "de fora" que prevalece e que, na prática, desqualifica e rebaixa Allan Kardec, transformado num mero refém de seus principais deturpadores, o próprio Chico Xavier e seu seguidor Divaldo Franco.
As pessoas se contentam com essa visão, extremamente superficial e equivocada, das coisas, em que uma boa teoria esconde práticas cuja irregularidade cada vez mais se confirma. Observa-se que muitas das mensagens "mediúnicas" se assemelham mais ao respectivo "médium" do que do próprio falecido, e apresenta aspectos comprometedores que destoam da personalidade do referido finado.
Livros como O Que é Espiritismo, da Série Primeiros Passos da Editora Brasiliense e de autoria de Maria Laura Viveiros de Castro (na verdade, uma "segunda visão", pois um volume homônimo da mesma série foi lançado por Roque Jacintho) - ironicamente, quase o mesmo título de um pouco conhecido livro de Allan Kardec - e Do Outro Lado: a História do Sobrenatural e do Espiritismo, seguem essa orientação um tanto pedestre, embora bem intencionada.
O problema destes trabalhos não é a forma como são feitos, mas a fonte a que recorrem quando o assunto é Doutrina Espírita. Eles vão logo à FEB, a roustanguista Federação "Espírita" Brasileira, que certamente vai lhes oferecer uma visão corporativista, pronta, um release supostamente didático, mas cheio de visões que, embora oficiais, são mentirosas.
Devemos levar em conta que essa orientação vem desde os anos 1980, quando o "espiritismo", aparentemente, chegou a um "bom termo". Na verdade, uma estabilidade forçada, na qual um princípio ideológico passou a prevalecer, a coexistência do Espiritismo original de Kardec e sua forma deturpada e igrejista no Brasil.
Foi a consagração da "fase dúbia", autoproclamada "kardecista" (termo hoje desmoralizado entre os espíritas autênticos, que preferem se definir "kardecianos" e não "kardecistas") e que havia sido forjada a partir dos anos 1960, através de suposta mensagem de Bezerra de Menezes pedindo para "kardequizar" (termo ainda de apelo igrejista, como corruptela para "catequizar"), mas foi oficialmente implantada nos anos 1970, depois da morte de Antônio Wantuil de Freitas.
A atual fase do "espiritismo" brasileiro parece fechar o seu ciclo, com a sutil ascensão de um neo-roustanguismo expresso por palestrantes como Orson Peter Carrara, Richard Simonetti e Rogério Coelho, veículos como o "Correio Espírita" e supostos espíritos como um tal de "poeta alegre" que se manifesta em Portugal, comprovando explicitamente a inclinação do "movimento espírita" ao Catolicismo medieval e sua Teologia do Sofrimento, que já era defendida por Chico Xavier.
Mesmo assim, a "fase dúbia" persiste, sobretudo através de Divaldo Franco e sua verborragia, típica dos professores das velhas escolas ultraconservadoras da República Velha, mas tido como "moderno" e "futurista" ao vender a falsa imagem de "entendedor de Kardec". Mas se temos o projeto político retrógrado do presidente Michel Temer, autoproclamado "ponte para o futuro", então se considera "futurista" um orador igrejista nos padrões dos velhos oradores empolados de cem anos atrás.
E esse rol de contradições e equívocos da mais extensa gravidade, que praticamente desmoralizam e ridicularizam o trabalhoso legado kardeciano, construído com muito trabalho e sob pressões adversas, não é observado pelos leigos que se tornam "espíritas de primeira viagem" aceitando como se fosse o Espiritismo autêntico um engodo de conceitos igrejeiros com outros apenas razoavelmente científicos.
Os leigos não conseguem entender por que existe tanta contradição e até se revoltam quando existem questionamentos aprofundados que desfazem o "ambiente de paz" de um "espiritismo" contraditório, tosco e retrógrado, mas forçadamente estabilizado em um falso equilíbrio que apenas esconde sob o tapete as contradições entre uma teoria kardeciana "correta" e um igrejismo entusiasmadamente praticado nos moldes do Catolicismo medieval.
É essa falta de percepção que permite, em outras áreas das atividades humanas, que o Brasil mergulhe na onda de retrocessos terríveis, tudo porque as pessoas se contentam com prestígios sociais aqui e ali. O prestígio do diploma, da toga, da fama, da fé religiosa, do dinheiro, ou mesmo do porte de arma e da forma física ou de um carisma "doméstico" numa turma de amigos, ilude a sociedade que ainda é movida pela ditadura do status quo, da "religiosização" dos privilégios sociais.
Pois são esses privilegiados, transformados em semi-deuses por conta de alguma vantagem social - do porte de um revólver à presunção de estar próximo a Deus, passando pelas conhecidas vantagens da grana, do poder, do diploma, da fama, da toga etc - , que no entanto se converteram nos "anjos caídos" que acabam levando o Brasil ao "inferno" que vive nos últimos tempos. E os "espíritas" têm boa parte de responsabilidade com isso, graças à deturpação do legado de Kardec.
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