sábado, 12 de novembro de 2016
As elites dominantes e o medo das perdas iminentes
2016 será conhecido como o ano em que setores retrógrados da sociedade, que estavam associados a todo tipo de status quo, de uma simples faixa etária (ou seja, os mais idosos) ao machismo ou ao poder do dinheiro e do armamento.
Depois que a presidenta da República, Dilma Rousseff, foi definitivamente afastada do poder, depois que o então presidente interino Michel Temer, com apetite acima do aceitável, propôs inúmeros retrocessos políticos, desfazendo a marca da antecessora, outra surpresa desagradável foi a vitória do "azarão" Donald Trump, um dos ícones da extrema-direita estadunidense.
O surto reacionário que tomou conta do planeta não se ascendeu pelas qualidades positivas, mas por um clima de catarse que contagiou as classes dominantes que, com seu discurso apaixonado de "revolta contra tudo que está aí", uma espécie de diarreia moral de setores retrógrados ou antigos da sociedade que não representaram um sinal positivo de qualidade, muito pelo contrário.
Só a eleição de Donald Trump, por exemplo, revela o desprezo às inúmeras denúncias de mulheres que teriam sofrido assédio sexual do empresário. No Brasil, políticos comprovadamente envolvidos em corrupção simbolizam a "recuperação ética" e um projeto maligno de cortes de gastos públicos, a PEC do Teto, é festejado por setores da sociedade como um "projeto necessário e urgente para o crescimento do país".
Isso cria um cenário perigoso que já era manifesto por ataques racistas de internautas nas redes sociais, indiferentes ao fato de que o racismo é crime inafiancável, e o extremo reacionarismo dos chamados "fascistas digitais" e seu cyberbullying antecipou a tendência atual de pessoas retrógradas achando que podem tudo.
É um cenário perigoso até para mulheres, que no Brasil sofrem o horror de voltar os "crimes de honra", feminicídios moralistas movidos por ciúmes doentios, num contexto social em que ninguém, nem mesmo a imprensa, se prepara para as mortes de Doca Street (com histórico de tabagismo inveterado e consumo de cocaína no passado) e Pimenta Neves (diabético, com câncer na próstata e histórico de overdose de remédios).
É até irônico o medo que a sociedade machista e setores solidários têm em não ver Doca Street vivo para comentar os 40 anos do assassinato de Ângela Diniz, daqui a um mês. Há poucos dias, o músico Leonard Cohen, com a mesma idade de Doca, 82 anos, faleceu meses após lançar novo disco e declarar que estava pronto para morrer. De repente, matar uma namorada cria um "diferencial" para os assassinos, contra os quais qualquer hipótese de tragédia soa como um palavrão.
Os mesmos que pregam "morte aos petistas" se sentem ofendidos por serem informados que feminicidas também adoecem e morrem. Fácil é aceitar que mulheres morram aos 25, 30 anos assassinadas por seus maridos, mas difícil é aceitar que eles também morrem (em vários casos prematuramente) e são bem mais frágeis, até pelas fortes pressões emocionais que sofrem após o crime. No país que perde um Domingos Montagner, também não há garantia segura que os promotores Igor e detetives Pacífico da vida cheguem vivos aos 60 anos de idade.
Não se pode sequer se preparar para a perda dos "heróis" da plutocracia, mesmo os anti-heróis que cometeram crimes visando o "direito à propriedade", a "defesa da honra" ou mesmo uma simples demonstração de poder. Pelo menos, nos EUA, uma moça se fez de namorada do psicopata Charles Manson numa relação que depois se revelou uma pegadinha, com a jovem dizendo que só o namorou para montar um mausoléu dele, como se dissesse que psicopatas também podem morrer um dia.
Mas a sociedade retrógrada não quer perdas. Ela retomou o poder querendo demais, querendo retomar os antigos privilégios num apetite que nem mesmo em tempos reacionários como o macartismo nos EUA, nos anos 1950, ou o golpe de 1964 no Brasil, não mais com a compostura de seu reacionarismo cujas posturas extremas eram mais clandestinas, como ordenar massacres de estudantes como em Tlatelolco no México, em 1968.
O apetite reacionário é comparável ao do nazi-fascismo alemão e italiano nos anos 1930. O clima de hoje é de uma retomada de setores conservadores numa combinação entre politicamente correto e politicamente incorreto, sem escrúpulos em criar rupturas legais e jogar fora conquistas sociais históricas nem em prevalecer no poder acumulando escândalos e gafes. De repente a moralidade tornou-se uma ficção e o que se vê são moralistas sem moral subindo facilmente ao poder.
O clima contagiou de tal forma que mesmo o "espiritismo" brasileiro, que muitos acreditavam ser uma doutrina de vanguarda, a cada vez mais assume, não no discurso, mas pelo menos na prática, sua inclinação à Teologia do Sofrimento, e sinaliza seu apoio ao conservadorismo sócio-político atual, simbolizado pelas obras recentes do "médium" Robson Pinheiro, que tenta atribuir um anti-petismo doentio de seus romances reacionários às "intuições espirituais".
O problema é que, se os setores ultrarreacionários da humanidade retomaram o poder à força, muito menos por suas virtudes e mais por uma catarse ultraconservadora doentia, isso significa que defeitos muito mais acentuados se mostram existentes e até surpreendentemente comuns que fazem com que os atributos de superioridade social mostrassem qualidades opostas a tais posições.
A questão da superioridade da idade, do dinheiro, do poder econômico, do poder político, da fama, do diploma, da visibilidade, do prestígio tecnocrático, do prestígio religioso, revela-se cada vez mais uma grande ilusão, na qual seus detentores fazem tudo para prevalecer seus interesses e pontos de vista, sem perceber a transformação profunda dos tempos.
De grisalhos senhores que se comportam como moleques birrentos defendendo velhas convicções a políticos que cometem graves atos de corrupção (como Romero Jucá, um dos "homens fortes" do governo Temer) e permanecem no poder impunemente, passando por ídolos religiosos que, com seu balé de palavras bonitas, se esforçam sempre para ficar com a palavra final em tudo, as elites parecem viver seu momento de plenitude, mas não com inabalável segurança.
Elas são sustentadas pela combinação entre a resignação social da maioria da sociedade, o poder financeiro das grandes empresas, a atuação tendenciosa das leis que favorecem os privilegiados e uma estrutura midiática que estabelece um padrão dominante de agir, pensar e querer a ser determinado à sociedade em geral.
Até pelo fato de que a plutocracia (o "universo" que envolve todo tipo de status quo no contexto atual, que vai de moralistas religiosos a delinquentes digitais) não reconquistou o poder com qualidades positivas e sua qualidade moral e pragmática é pior do que antes, quando o moralismo, por mais sanguinário que secretamente seja, era um pouco mais elegante, o cenário atual é de incertezas até para os protagonistas do momento reacionário de hoje.
Mais impulsivos e permissivos em suas atrocidades, os plutocratas são mais gananciosos e nem todos concordam com tudo. Há direitistas LGBT e outros homofóbicos. Há direitistas na mídia que condenam o cyberbullying, mesmo vindo de reacionários anti-PT. Neopentecostais e "espíritas" podem ser igualmente conservadores, mas religiosamente não se bicam, praticamente só se unindo em causas como a reprovação de aborto, mesmo para casos de gravidez sob estupro.
As qualidades que permitiram a retomada ao poder já estão também gerando disputas de egos, arrogância e imprudência extrema, teimosias e retrocessos tão graves que assustam até alguns conservadores convictos. Além disso, posta à situação "marginal", as forças progressistas começarão a reagir massivamente pela Internet e por passeatas, e uma pequena amostra nisso está em curso no Brasil de Michel Temer.
Escolas ocupadas por estudantes dos quais não se esperava uma reação contra a PEC do Teto - já intitulada PEC da Morte ou PEC do Fim do Mundo pelos cortes de gastos a serem feitos em duas décadas - e juristas e economistas sérios divulgando na Internet os gravíssimos e devastadores equívocos a se esperar da "gloriosa ponte para o futuro" do governo Temer.
Portanto, os reacionários reconquistaram o poder à força e se acham numa momentânea plenitude de seus atos e perspectivas. Mas pela falta de qualidades positivas eles também se tornam vulneráveis, até de maneira pior do que os esquerdistas que foram expulsos do poder.
A tragédia da plutocracia está em forçar a ganância e o conservadorismo para onde os novos tempos e novas demandas não permitem mais, e forçar uma volta ao passado dessa forma trará aos plutocratas uma tragédia sem precedentes, pois o perecimento de um mundo no qual eles julgam ser eterno está se avançando rapidamente, sem controle.
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