domingo, 28 de agosto de 2016
A grave contradição do mito "vencer a si mesmo"
Moralismo religioso não é filosofia. Muitos pensam que é e levam gato por lebre, levando mistificação como se fosse lógica e rigor moralista como se fosse conselhos para uma vida melhor. E num Brasil marcado pela ignorância e pela cegueira das convicções pessoais, isso fica muito, muito complicado.
Daí o mito do "vencer a si mesmo", que pessoas, com um deslumbramento cego e fanático, acreditam ser "lição superior de sabedoria". É um sentimento de emotividade exagerada que demonstra claramente nada ter a ver com filosofia nem com lógica nem com aprimoramento do conhecimento. É misticismo barato travestido de busca da verdade.
Isso porque o mito do "vencer a si mesmo", que por coincidência está presente tanto na Teologia do Sofrimento - corrente medieval do Catolicismo herdada pelo "espiritismo" brasileiro - e pelo taoismo, através do princípio de que a vitória do indivíduo não se dá pela afirmação das qualidades dele, mas antes pela devalorização de seus dons, talentos, habilidades etc, revela um aspecto perverso.
Este aspecto é o fato contraditório da ideia de "vencer a si mesmo", que pode também ser uma sutil apologia à auto-derrota. E aí o moralismo religioso cai em séria contradição, uma vez que sua teoria condena a derrota da própria pessoa, mas acaba aprovando a mesma coisa que diz reprovar.
Sim, porque, em primeiro momento, essa teoria sugere que a pessoa abra mão do que é supostamente excessivo em seus desejos, talentos, habilidades. A ideia é eliminar até mesmo o prazer, qualidade acusada, pelo moralismo religioso, de ser fonte de atitudes maliciosas, levianas e fúteis.
Mas, em segundo momento, a teoria mostra um lado muito, muito cruel. Superestimando o sacrifício humano e a abnegação, essa teoria acaba fazendo apologia à anulação da individualidade, confundida com egoísmo ou egocentrismo, e leva ao exagero a ideia de que é caridoso ceder a tudo, até mesmo ao necessário.
Isso complica muito as coisas e é por isso que, no "espiritismo" brasileiro, temos tratamentos espirituais que são fontes de mau agouro muito piores do que passar debaixo de uma escada ou quebrar um espelho. A pessoa está para sofrer, por mais que os palestrantes "espíritas" digam o contrário, até porque a apologia do sofrimento já foi dada por Francisco Cândido Xavier.
Sim, é isso mesmo, pois, queiram ou não queiram, Chico Xavier realmente fez apologia ao sofrimento. E de forma bem perversa: "sofrer sem mostrar sofrimento", "sofrer calado, sem queixumes", tudo isso foi dito pelo anti-médium mineiro pelas próprias palavras.
E aí tiramos a prova do status quo, e, diante de palestrantes que dizem que "não viemos para sofrer" e um ídolo religioso considerado o "maior do espiritismo" diz que "devemos sofrer amando", e, como este tem uma reputação maior e é tido, mesmo post mortem, como o "maior sábio do Brasil de todos os tempos", então a lógica é que o "movimento espírita" faz apologia do sofrimento humano, sim.
VENCER OU DERROTAR?
Diz a própria lógica das competições esportivas e das lutas corporais que "vencer" significa "derrotar o outro". Daí a maior e mais aberrante contradição do "vencer a si mesmo", a ideia implícita de "derrotar a si mesmo", que deixa o moralismo religioso, tido como "filosófico", num sério impasse.
Afinal, todo esse engodo que os incautos entendem como "filosofia", cheia de conceitos esotéricos, moralistas, igrejeiros e coisa parecida, se contradiz quando, reprovando a auto-derrota de indivíduos pessimistas, entende a vitória pessoal justamente através da auto-derrota.
Sim, para você não se auto-derrotar, através do pessimismo e da acomodação, você terá que se auto-derrotar, através da abnegação e do sacrifício pesado, que lhe trazem angústia e sofrimento, logo traz pessimismo. Que superação é esta que só tem um único caminho, a auto-derrota?
O mito de que o pior inimigo do indivíduo é ele mesmo piora as coisas. Além do mais, o que ele tem que abandonar, na prática, não são os excessos de desejos desvairados, de caprichos e teimosias, mas sim as suas qualidades especiais, o seu talento, as suas habilidades, os desejos justos, o prazer (que, bem usado, seria o motor da evolução espiritual) e as vocações.
"VIDA ETERNA" COMO DESCULPA PARA DEFENDER LONGOS SOFRIMENTOS
Há um desequilíbrio existencial nestas pregações, por mais que o malabarismo da palavra tente negar. No mito de "vencer a si mesmo", você tem que anular sua individualidade, enquanto se entrega a sacrifícios e desgraças acima do que se pode suportar. E aí entra uma má interpretação das coisas.
Em doses moderadas, a desilusão e os limites, ou mesmo, às vezes, certos infortúnios, são necessários para a reeducação moral do indivíduo, e mesmo situações inusitadas, dentro desse limite, pode desenvolver novas habilidades, novos talentos, novos desejos e necessidades novas.
Mas, da forma como se prega o moralismo religioso, suportar desgraças é uma chaga sem fim. Em muitos casos, o remédio acima da dose exata causa efeitos colaterais, fazendo do sofredor uma pessoa rancorosa, fechada, ensimesmada, vingativa e perigosa para o convívio com a sociedade.
O "espiritismo" faz pouco caso com essa asfixia existencial da alma do indivíduo, achando que toda desgraça e sofrimento é "desafio", exigindo demais a paciência da pessoa, pouco se preocupando se a pessoa encontra dificuldades para superar sua triste sina.
Usando como desculpa a ideia de "vida eterna" ou "vida futura", o moralismo "espírita" defende, de maneira desumana, o prolongamento do sofrimento do indivíduo. É claro que usa um discurso macio, supostamente benevolente, tipo "não reclame, confie em Deus, tenha paciência e espere o porvir", usando como pretexto a obtenção de "bênçãos futuras", uma ideia que ninguém sabe o que realmente se trata.
Diante disso, conclui-se que o mito de "vencer a si mesmo" é uma das maiores perversidades que se pode dizer sob o signo da religião ou do misticismo, ou mesmo sob o verniz da "filosofia". Quem defende essa ideia demonstra completo sadismo com o outro, ignorando que sofrimentos prolongados causam efeitos danosos, até porque sofrimento demais jamais faz bem a ninguém.
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