terça-feira, 3 de maio de 2016
No Brasil, a Justiça costuma favorecer a incoerência
A Justiça eventualmente arruma uma desculpa com argumentação de aparência técnica para adotar atitudes inconvenientes. O caso da presidenta Dilma Rousseff, acusada de supostas fraudes e corrupções sem provas, é um exemplo de como o meio jurídico ainda não tem a transparência e a imparcialidade necessárias, favorecendo ou prejudicando conforme as conveniências pessoais.
Indo para sete décadas atrás, observa-se o caso do escritor Humberto de Campos, vítima do oportunismo de um jovem caipira a serviço de uma gananciosa instituição religiosa. Mas como o jovem caipira se chamava Francisco Cândido Xavier, que as conveniências, se aproveitando de elementos tradicionais da religiosidade popular, fizeram um grande ídolo religioso, tudo se fez em favor desse mito.
É de se observar que as pessoas mais perniciosas são as que mais apelam para conciliar forças adversas, como forma de criar uma ampla margem de apoio para si. Desta forma, Chico Xavier queria o poder absoluto e simbólico de um ídolo religioso, acolhendo para si as diversas facções ideológicas e cooptando até mesmo possíveis céticos religiosos.
Tomados pela aparência, as pessoas são induzidas a expressar idolatria extrema e apaixonada a Chico Xavier, a ponto de lhe inventarem um inexistente sobrenome "Amor" a ele, seduzidos pela aparência de velhinho frágil e doente que se consagrou, junto a uma filantropia nunca devidamente esclarecida, e por vezes perniciosa.
Vale destacar que algumas "caridades" de Chico Xavier foram traiçoeiras: dando o pagamento dos direitos autorais à FEB, permitiu o enriquecimento dos dirigentes "espíritas". Antônio Wantuil de Freitas, por exemplo, enriqueceu muito com essa "caridade" e aumentou o seu poder a ponto da federação concentrar demais seu poder e até incomodar as federações regionais com isso.
Por outro lado, as "cartas dos mortos", não bastassem o caráter fraudulento - o mesmo estilo de mensagem e caligrafia do "médium" e a transmissão de dados pessoais sutis de cada morto através da "leitura fria" e pesquisas bibliográficas - , ostentavam e prolongavam os dramas familiares, transformando as tragédias pessoais num espetáculo que fazia o sentimento de luto perder a privacidade necessária e se prolongar pelo alarde da mídia sensacionalista.
Os partidários de Chico Xavier, sobre o caso do escritor Humberto de Campos, tentam argumentar que o desfecho do processo se deu porque o espírito do falecido autor de O Brasil Anedótico, por ter perdido os direitos civis (a lei constitucional, em sucessivas constituições, como a de 1937, vigente em 1944, a então futura Constituição de 1946 e a atual Carta Magna de 1988, definem que os direitos civis de uma pessoa cessam com a morte), não era considerado responsável pela obra "psicográfica".
A verdade é que a Justiça da época não entendeu a situação. Mas o próprio enunciado dos familiares de Humberto foi melindroso. dando aos juristas a missão de analisar se as supostas psicografias eram autênticas ou não. Em ambos os casos, os herdeiros de Humberto ficariam com o dinheiro: se autênticas, as "psicografias" resultariam em direitos autorais controlados por herdeiros; caso contrário, FEB e Chico Xavier teriam que indenizar os herdeiros por uso indébito do nome do morto.
Algumas correntes jurídicas definem que o "médium" é o detentor dos direitos autorais da suposta obra espiritual. Além disso, a FEB tentou anular a tese de plágio, argumentando sobre a "necessidade de reforçar ideias já publicadas antes" do suposto autor.
O advogado Miguel Timponi, um dos fundadores da OAB e a serviço da FEB, mostrou seu malabarismo argumentativo tentando neutralizar a tese de plágio ou pastiche, cujos detalhes foram publicados no livro A Psicografia Ante os Tribunais.
E como a psicografia, como outras atividades equiparadas como a psicofonia e a psicopictografia, são atividades pouco conhecidas e quase nunca devidamente analisadas no Brasil, as pessoas aceitam qualquer produto de "mensagem espiritual" vendo apenas semelhanças superficiais entre o que os mortos nos deixaram em vida e o que lhes é atribuído como "autoria espiritual".
Ninguém observa as diferenças. Se elas contradizem a natureza original dos falecidos, se há uma disparidade de estilos, se há qualidade inferior etc. Se as mensagens apontam semelhanças superficiais, como os produtos piratas apresentam em relação aos autênticos, todo mundo fica tranquilo. Ainda mais quando as "mensagens espirituais" trazem "palavras de amor", recurso feito para dissimular as fraudes.
Se as pessoas mal conseguem ver diferença entre Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, imagine então a falta de discernimento entre uma obra do hoje pouco lembrado Humberto de Campos e a obra atribuída supostamente a seu espírito.
E realmente é isso que faz o Brasil um dos países mais ignorantes do mundo. Escravo dos estereótipos, servo das aparências, amante das meias-verdades. com mania de explicar o irracional com argumentos aparentemente racionais. Por isso espertalhões como Chico Xavier e seu discurso "conciliador" conseguem enganar e seduzir muita gente.
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