Francisco Cândido Xavier está associado oficialmente as ideias de desobsessão e desapego, supostamente associadas a sua imagem pretensamente espiritualista que expressa a doutrina contraditória que é o "espiritismo" brasileiro.
No entanto, como se observa pesquisando os seguidores de Chico Xavier, a adoração que cerca o anti-médium mineiro pode representar, na verdade, um preocupante processo de apego e obsessão, que pode causar danos severos na vida das pessoas.
Para analisar isso, recorremos a um dos livros kardecianos tão intensamente bajulados quanto desprezados, que é O Livro dos Médiuns de Allan Kardec, que fala sobre os processos de obsessão descritos no capítulo 23. Recomenda-se a tradução de José Herculano Pires, que respeita o texto original.
Qual o tipo de obsessão que os seguidores de Chico Xavier sentem pelo "médium"? Consultando o livro kardeciano, observa-se que o processo obsessivo que quase sempre acontece é o da fascinação. As pessoas não deixam de ter suas vontades e interesses pessoais, mas são seduzidas pela imagem de um "velhinho bondoso" que está associado às "coisas boas".
Vejamos o que Allan Kardec havia descrito, na questão 239 do referido capítulo. Ele fala da influência dos espíritos levianos nos médiuns, mas as caraterísticas apresentadas podem ser observadas nas pessoas comuns que endeusam figuras religiosas de valor discutível (sim, Chico Xavier era de valor altamente discutível, vide as confusões a que propositalmente se meteu):
239. A fascinação tem conseqüências muito mais graves. Trata-se de uma ilusão criada diretamente pelo Espírito no pensamento do médium e que paralisa de certa maneira a sua capacidade de julgar as comunicações. O médium fascinado não se considera enganado. O Espírito consegue inspirar-lhe uma confiança cega, impedindo-o de ver a mistificação e de compreender o absurdo do que escreve, mesmo quando este salta aos olhos de todos. A ilusão pode chegar a ponto de levá-lo a considerar sublime a linguagem mais ridícula. Enganam-se os que pensam que esse tipo de obsessão só pode atingir as pessoas simples, ignorantes e desprovidas de senso. Os homens mais atilados, mais instruídos e inteligentes noutro sentido, não estão mais livres dessa ilusão, o que prova tratar-se de uma aberração produzida por uma causa estranha, cuja influência os subjuga.
Dissemos que as conseqüências da fascinação são muito mais graves. Com efeito, graças a essa ilusão que lhe é conseqüente o Espírito dirige a sua vítima como se faz a um cego, podendo levá-lo a aceitar as doutrinas mais absurdas e as teorias mais falsas como sendo as únicas expressões da verdade. Além disso, pode arrastá-lo a ações ridículas, comprometedoras e até mesmo bastante perigosas.
Compreende-se facilmente toda a diferença entre obsessão simples e a fascinação. Compreende-se também que os Espíritos provocadores de ambas devem ser diferentes quanto ao caráter. Na primeira, o Espírito que se apega ao médium é apenas um importuno pela sua insistência, do qual ele procura livrar-se. Na segunda, é muito diferente, pois para chegar a tais fins o Espírito deve ser esperto, ardiloso e profundamente hipócrita. Porque ele só pode enganar e se impor usando máscara e uma falsa aparência de virtude.
As grandes palavras como caridade, humildade e amor a Deus servem-lhe de carta de fiança. Mas através de tudo isso deixa passar os sinais de sua inferioridade, que só o fascinado não percebe; e por isso mesmo ele teme, mais do que tudo, as pessoas que vêem as coisas com clareza. Sua tática é quase sempre a de inspirar ao seu intérprete afastamento de quem quer que possa abrir-lhe os olhos. Evitando, por esse meio, qualquer contradição, está certo de ter sempre razão.
Tudo isso se observa nas pessoas "espiritualizadas" em relação a Chico Xavier, e o processo obsessivo da fascinação tem rigorosamente as caraterísticas alertadas por Kardec. Esse tipo de obsessão atinge até mesmo pessoas que se dizem laicas, espíritas autênticas ou mesmo ateias.
O último parágrafo dessa questão é um alerta contundente. Falam tanto na "bondade" de Chico Xavier como um pretenso atenuante para seus erros. Mas já avisou Kardec, em 1861, do perigo dessa alegação: "As grandes palavras como caridade, humildade e amor a Deus servem-lhe de carta de fiança", deixando-se passar os sinais de inferioridade que só o fascinado não percebe.
O afastamento de pessoas que pudessem abrir os olhos das pessoas se observa quando autores como Osório Borba, Attila Paes Barreto e João Dornas Filho,ou mesmo o sobrinho Amauri Xavier, de morte muito estranha (suspeita-se de "queima de arquivo", por envenenamento), são jogados forçadamente ao esquecimento e ao desprezo da opinião pública.
João Dornas Filho, por exemplo, conhecedor de literatura, foi consistente na avaliação de um suposto Olavo Bilac nas obras chiquistas: "Olavo Bilac, um homem que no estágio de imperfeição nunca assinou um verso imperfeito, depois de morto ditou a Chico Xavier sonetos inteirinhos abaixo dos medíocres", descreveu, com alarmante ironia.
Não se lançam livros como O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, trabalho de jornalismo investigativo de Attila Paes Barreto, com denúncias consistentes, várias delas relacionadas ao processo movido pelos herdeiros de Humberto de Campos contra o "médium" e a FEB.
Em compensação, lançam-se bobagens literárias como os livros sobre a "profecia" de Chico Xavier, em volumes derivados um do outro, citando um "sonho" e um repertório de "previsões" que, só para sentir a gravidade das coisas, nem a totalidade dos seguidores do "médium" considera legítimas. Ou seja, livros sob absurdos são lançados sob a discordância de parte dos próprios chiquistas, tão defensores da "união".
Daí os danos que as pessoas fanáticas por Chico Xavier causam em si mesmas. Tidas como de "elevadas energias", se irritam à maior contrariedade. Incapazes de serem bondosos por conta própria, precisam de uma forma estereotipada de "bondade", "amor" e "caridade".
Pior: com gente idosa dentro de seus círculos sociais, os chiquistas se recusam a tratá-los com a consideração necessária. Mas dão consideração absoluta a um idoso já falecido que apenas simboliza suas fantasias e quimeras religiosas e uma forma ideológica de "bondade" e "elevação moral" própria de ideologias ultraconservadoras de herança medieval.
Pois até no quesito "bondade" a reputação de Chico Xavier é posta em xeque, não apenas pela falta de resultados concretos e significativos, tão nebulosos quanto as acusações de corrupção contra Dilma Rousseff, mas também pela obsessão e pelo apego que seus seguidores exercem sobre seu mito.
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