sexta-feira, 13 de maio de 2016
Eduardo Cunha e o afastamento apenas de gente "incômoda demais"
Há uma semana, o deputado federal Eduardo Cunha teve seu mandato suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, além de ter perdido, por essa iniciativa, o cargo de presidente da Câmara dos Deputados, perdendo a chance de ser o suplente de Michel Temer na presidência da República, durante as viagens deste.
O Brasil sempre tem "inocentes" ou "encrenqueiros" úteis para determinadas ocasiões, em que há necessidade de impor ideias ou medidas impopulares ou injustas, criando encrenqueiros de ocasião para criar baderna e, uma vez conquistada a causa retrógrada, eles são tirados do poder e até punidos de certa forma, depois que o estrago foi feito.
Eduardo Cunha, símbolo da decadência do Estado do Rio de Janeiro da decadência cultural do "funk", dos ônibus com pintura padronizada, das "rádios rock" incompetentes e de um povo que ri dos próprios problemas e já nem sente o fedor de fezes de cachorros nas calçadas ou de caminhões de lixo parando até diante de restaurantes, é um exemplo dessa tendência.
Ele foi eleito como símbolo de uma suposta moralidade reivindicada pelos cariocas, nesse cenário de decadência generalizada que atinge o Estado e sua capital. Cunha lançou ou apoiou propostas retrógradas que foram feitas em função de preconceitos moralistas religiosos ou pela ganância dos detentores do poder econômico, propostas conhecidas como "pautas-bombas".
Cunha tornou-se o "encrenqueiro útil", na medida em que se assumiu opositor da presidenta Dilma Rousseff, até comandar, em 17 de abril, a votação pela abertura do processo de impeachment. Assim que cumpriu o ritual, comandando uma votação na qual políticos corruptos deram seu voto ao "sim" (abertura do processo de impeachment), Cunha foi afastado da presidência da Câmara Federal.
É um fenômeno típico no Brasil. Escolhe-se pessoas reacionárias e desordeiras para defender uma causa reacionária e, assim que ela cumpre o papel, é dispensada quando a causa é conquistada e tida como "irreversível". E isso se dá por dois aspectos.
Primeiro, o encrenqueiro da hora agiu apenas em função de afastar os contestadores e qualquer mobilização contra a causa retrógrada em jogo. Era como um "cão-de-guarda" usado para afastar os manifestantes. Estando estes longe, ou então detidos ou mortos, o "cão-de-guarda" pode ser depois sacrificado.
Segundo, o encrenqueiro pode ser, contraditoriamente, a raiz de um futuro problema. Ele não pode ter autonomia plena, já que ele pode, depois, ameaçar os interesses do grupo que o utilizou em dada ocasião, em defesa da causa desejada, por causa de sua arrogância e prepotência que pode fazê-lo ir "longe demais".
Um exemplo dessa segunda hipótese está na política dos EUA, que primeiro apoiaram ou treinaram tiranos e terroristas como Adolf Hitler, Sadam Husseim e Osama Bin Laden. Todos eles foram protegidos do capitalismo dos EUA, conforme registram dados da imprensa das referidas épocas.
No entanto, quando eles passaram a agir por conta própria e desenvolver sua prepotência e projeto pessoal de domínio, os EUA agiram para combatê-los. Os facínoras "úteis" passaram a ser inimigos, e com isso eles foram perseguidos até serem acuados e mortos (Hitler teria se suicidado).
ROUSTAING
No "movimento espírita", o "encrenqueiro útil" foi Jean-Baptiste Roustaing. O primeiro deturpador da Doutrina Espírita havia lançado o duvidoso Os Quatro Evangelhos, livro de três volumes publicado em 1866 na França. A edição da FEB, no Brasil, conta com quatro volumes, devido ao acréscimo de notas e textos do tradutor Guillon Ribeiro.
A preferência por Roustaing era tanta que houve falsas psicografias e falsas psicofonias do espírito de Allan Kardec apelando para a "revelação da revelação" (subtítulo da obra roustanguista), divulgando mensagens que não condizem ao estilo claro e objetivo do pedagogo francês.
O conflito entre os "místicos" e "científicos" nos primórdios do Espiritismo fez com que, no Brasil, a opção mística prevalecesse, devido aos interesses de seus partidários de não fazer afronta com a Igreja Católica, havendo até artifícios para agradar os católicos, com a adaptação de muitos de seus ritos.
Assim, a "água benta" católica, por exemplo, virou "água fluidificada". O "confessionário" virou "auxílio fraterno". "Santos" viraram "espíritos benfeitores" ou "espíritos de luz", enquanto "centros espíritas" se estruturavam como verdadeiras igrejas. A reboque disso tudo, jargões católicos como "seara", "viajor", "caminheiro" e outros eram introduzidos no vocabulário "espírita".
Durante muito tempo, Roustaing era endeusado pelo "movimento espírita". Adolfo Bezerra de Menezes, em seu tempo, preferiu Roustaing a Kardec, contrariando a fama de "Kardec brasileiro" atribuída ao médico cearense. Os Quatro Evangelhos se tornaram item obrigatório de leitura segundo o Estatuto da FEB, que até hoje publica e vende seus volumes.
O roustanguismo durou muito tempo como tendência prevalecente no "movimento espírita". Figuras conhecidas como Yvonne Pereira, Luciano dos Anjos, Guillon Ribeiro ou mesmo Francisco Cândido Xavier, fizeram parte dessa fase. Sim, isso mesmo, Chico Xavier sempre foi roustanguista, embora um tanto envergonhado.
O roustanguismo de Chico Xavier era tão explícito que ele adaptou de forma surpreendente ao contexto brasileiro as lições da obra de Roustaing. Até a Teologia do Sofrimento (que faz apologia do sofrimento como "caminho para a purificação da alma") é influenciada pelo roustanguismo. Até a controversa ideia do "Jesus fluídico" (que acredita que Jesus nunca encarnou) Chico Xavier manifestou um certo interesse.
Xavier apenas descartou os "criptógamos carnudos", ideia muito desagradável (consiste em humanos reencarnarem como insetos, plantas ou mesmo vermes e micróbios), pelos animais domésticos do além. descritos no livro Nosso Lar, de 1943, inspirado em A Vida Além do Véu (The Life Beyond the Veil), do inglês George Vale Owen (provável roustanguista), lançado na FEB no calor do entusiasmo pelo autor de Os Quatro Evangelhos.
RAZÃO POLÍTICA
A crise do roustanguismo se deu por uma razão política. A FEB, com o Pacto Áureo em 1949, criou um seminário no qual só valeram as decisões centralizadas pelo presidente Antônio Wantuil de Freitas ("mentor" terreno de Chico Xavier e primeiro criador de seu mito), que não consultou as federações regionais.
Evidentemente, as causas de Chico Xavier, mineiro, e de Divaldo Franco, baiano, foram depois prejudicadas. Para piorar, um dos braços direitos de Wantuil, Luciano dos Anjos, denunciou que os primeiros trabalhos "psicográficos" de Divaldo Franco plagiavam os de Chico Xavier, que já eram em si pastiches e plágios. Chico e Divaldo quase ficaram brigados. A postura fez com que parte dos "místicos" se voltasse contra a postura centralizadora da FEB.
Dessa forma, o nome de Roustaing, vinculado à cúpula da FEB, passou a ser visto como um "palavrão". O nome de Allan Kardec passou a ser utilizado por interesses políticos, mais como um "partido dos regionalistas".
Até supostas mensagens espirituais de Adolfo Bezerra de Menezes alegando "arrependimento" com o roustanguismo foram divulgadas. O "dr. Bezerra" aparecia falando em "kardequizar", dando a deixa de que a opção por Allan Kardec não era gratuita, pois o termo usado é uma corruptela com "catequizar", o que mantém o propósito igrejeiro dos "místicos" que romperam com a cúpula da FEB.
Roustaing passou a ser um "problema" e foi então oficialmente descartado. Só o "alto clero" da FEB o aprecia, à revelia do público "espírita" que desconhece esse autor. E os dirigentes "espíritas" em geral viram que não precisavam mais de Os Quatro Evangelhos: a essência de seus volumes já havia sido devidamente adaptada à realidade brasileira por Chico Xavier e Divaldo Franco.
A deturpação da Doutrina Espírita, desta forma, sobreviveu sem o autor que causava controvérsia afirmando que humanos poderiam reencarnar até como baratas ou protozoários ou, quem sabe, o vírus da Zyka. Sem esse incômodo, permite-se hoje que se deturpe o pensamento de Allan Kardec em ideias igrejistas, mas finja-se ter "total fidelidade e respeito" ao legado do pedagogo de Lyon.
Daí vemos o surgimento da fase "dúbia" do "movimento espírita", ainda resistente a todo custo, com suas falsas juras de amor a Kardec e com sua falsa rejeição ao igrejismo (entendido como "vaticanização espírita", termo usado para desqualificar o "alto clero" da FEB), enquanto, na prática, adota uma postura abertamente igrejista e catolicizada.
A ideia de decartar uma pessoa "incômoda demais" se reflete no desprezo a Roustaing. Além dele, os "espíritas" criticam também os "peixes pequenos", que levam sozinhos a culpa das irregularidades "espíritas" (tanto na apreciação das ideias kardecianas quanto na suposta prática de mediunidade) que até Chico e Divaldo tanto praticaram, mas das quais saem "completamente inocentados", apesar das muitas provas.
Dessa forma, atribui-se o "mau espiritismo" apenas a "centros espíritas" pequenos, instituições de menor porte, iniciativas de "fundo de quintal", sem o respaldo da FEB nem de federações regionais (sobretudo estas). Os deturpadores de menor status levam a culpa, mas os deturpadores de grande porte (os "peixes grandes") continuam aí, bajulando Kardec e professando o igrejismo.
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