segunda-feira, 25 de abril de 2016

Os brasileiros e a escolha errada dos ícones futuristas

SÓ FALTA DIZER QUE ESSE É O FUTURO DO BRASIL...

Os brasileiros cometem o equívoco de atribuir a certas pessoas ou fenômenos um pretenso futurismo, quando na verdade eles ao que existe de mais retrógrado na sociedade do Brasil, associados a valores antiquados ou contextos sociais, políticos e culturais bastante atrasados.

Três exemplos mostram o quanto o país que só acolhe ideias novas quando elas são filtradas por valores antigos e até obsoletos - mas que "ganham fôlego" travestidos em tais novidades - tende também a definir como "sinônimos de futurismo" pessoas, fenômenos ou instituições que deveriam ser considerados ultrapassados.

No "movimento espírita", é notório, por exemplo, a atribuição equivocada de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, sobretudo o primeiro deles, como pretensos exemplos de futurismo, baseado em mitos pseudo-científicos e messiânicos. Sem motivos consistentes, são tidos como "progressistas" e "revolucionários".

As pessoas não conseguem perceber que os dois figurões do "movimento espírita" são pessoas retrógradas, antiquadas e conservadoras, católicos neo-medievais, bajuladores da ciência mas apegados a valores religiosos que resistem no Brasil não por serem acima dos tempos, mas porque o conservadorismo social permite que permaneçam.

Observando a biografia, vemos que Chico Xavier personificava o caipira antiquado da República Velha, católico de valores ortodoxos que só não foi assim reconhecido porque tinha uma relativa paranormalidade. Mais tarde, ele se revelou moralista, conservador e retrógrado, adepto da Teologia do Sofrimento e defensor até da ditadura militar (hoje ele teria defendido o impeachment de Dilma Rousseff).

Divaldo Franco não é menos retrógrado. Vestido à maneira dos anos 1930, ele personifica o velho professor que só tivera sua razão de ser nos anos 1940, aristocrático, de fala verborrágica, pedante e de palavras rebuscadas e oratória prolixa, nem de longe poderia ser considerado um "espiritualista de vanguarda" e muito menos um "intelectual moderno".

MOBILIDADE URBANA DE REPÚBLICA VELHA

Fora desse âmbito, o arquiteto Jaime Lerner e o "funk carioca" também são vistos equivocadamente como símbolos de "futurismo", carregando, à sua maneira, mas com o mesmo tendenciosismo de Chico Xavier e Divaldo Franco, elementos ideológicos que reforçam a falsa associação.

Jaime Lerner foi um político paranaense que sempre foi ideologicamente conservador. Filiado à ARENA (Aliança Renovadora Nacional), foi nomeado prefeito de Curitiba pelos generais da ditadura militar, processo que ganhou o nome pejorativo de "prefeito biônico".

Ele está associado a um planejamento urbano aparentemente arrojado para a capital do Paraná. No entanto, é uma lógica semelhante a que o economista Roberto Campos fez pela Economia, dentro do contexto tecnocrático ligado à ditadura militar.

Usando como carro-chefe as "pistas exclusivas" e os ônibus articulados (BRT - Bus Rapid Transit), Lerner no entanto propõe medidas reacionárias: pintura padronizada nos ônibus, redução drástica de frotas em circulação, dupla função de motorista-cobrador, redução de percursos de linhas e lógica militar de cumprimento de horário de percursos.

Essas medidas foram impostas tardiamente no Rio de Janeiro, como "vitrine" para um modelo de cidade tido como "futurista", mas comprovadamente antiquado. O fato de diferentes empresas de ônibus serem obrigadas a ter uma mesma pintura e a rotina dos motoristas ser opressiva, com a pressão surreal de horários e o acúmulo da função de cobrador, apontam esse aspecto retrógrado.

Falaram até que era "tendência" ver diferentes empresas de ônibus usando a mesma pintura, como se a modernização e melhoria do sistema de ônibus dependesse disso e da exibição de logotipos de governos. Só que a verdadeira tendência é cada empresa de ônibus mostrar sua identidade visual, independente da área em que serve, porque isso expressa as modernas relações entre os passageiros e as operadoras de linhas de ônibus.

Afinal, a pintura padronizada só traz prejuízos e desvantagens. Por trás do fato de diferentes empresas de ônibus terem a mesma pintura, há mais burocracia, a corrupção político-empresarial é favorecida (afinal, as empresas são "todas iguais"), os passageiros se confundem na correria do dia a dia na hora de pegar um ônibus e nenhuma funcionalidade nem praticidade é observada na medida, que deveria ser banida em todo o Brasil.

Da mesma forma, a dupla função do motorista-cobrador, usada sob o pretexto de promover a bilhetagem eletrônica, é responsável por muitos acidentes de trânsito, por conta da sobrecarga que os motoristas têm, que já são obrigados a cumprir horário de trajetos em cidades marcadas por congestionamentos.

Assim, em ruas de menor movimento os ônibus dão disparada para lutar contra o tempo e, não raro, causam acidentes que resultaram numa média de 20 a 30 passageiros feridos, para não dizer os mortos que se tornam vítimas de vários desses acidentes.

A "mobilidade urbana" de Jaime Lerner é tão reacionária que o discurso de "menos ônibus nas ruas", sob a desculpa de "fluidez no trânsito", mais parece feita para atender ao lobby da indústria automobilística, sobretudo quando se sabe que a Grande Curitiba tem a sede brasileira da companhia francesa Renault.

"FUNK" FEZ O POVO CARIOCA REGREDIR AO SÉCULO XIX

Outro falso fenômeno de futurismo é o "funk carioca", surgido de uma armação de DJs ricos que, vendo DJs veteranos da black music morrerem, abandonaram as lições dos mestres e desenvolveram um ritmo rudimentar e precário, explicitamente medíocre e grotesco.

Surgido como um karaokê em que vocalistas, intitulados MCs, satirizavam cantigas infantis com letras maliciosas, o "funk" foi um dos fenômenos da decadência cultural brasileira, em que a cultura popular se sujeitava à mais canhestra bregalização, processo em que o povo pobre era visto de maneira sutilmente pejorativa pela "indústria cultural" relacionada.

Durante anos, o "funk" era um dos símbolos máximos da baixaria no entretenimento brasileiro. Até que os ricos DJs começaram a aliciar ativistas, intelectuais e celebridades para defender o gênero diante de uma campanha de persuasão com apelo claramente publicitário, mas disfarçado de ativismo social, modernismo cultural e rebelião comportamental.

A blindagem do poder midiático e dos meios acadêmicos e intelectuais forjou no "funk" uma pretensa superioridade cultural e artística que nunca existiu nem passou a existir. O ritmo é apenas um pop dançante mais rasteiro, feito por intenções exclusivamente comerciais, sem valor artístico nem cultural autêntico, quanto mais em relação ao engajamento político. Vide a demagógica iniciativa de um "baile funk" tentar animar as manifestações a favor de Dilma Rousseff no Rio de Janeiro.

Por trás dessa persistente e sedutora imagem publicitária, o "funk" é uma ruindade sonora quando se toca seus discos e vê as apresentações de seus ídolos. É algo que nenhuma desculpa de "combate ao preconceito" consegue desmentir, até porque o preconceito está no lado do "funk", e não contra ele.

O "funk" é que tem preconceito com a sociedade, tratando o povo pobre de maneira tão estereotipada, aos níveis de uma paródia, que ele praticamente fez as classes populares no Rio de Janeiro regredirem ao século XIX, tamanho o nível de grotesco de seus sucessos e de seus intérpretes.

O "funk" apenas se beneficia por um malabarismo discursivo - alguém se lembrou do "movimento espírita"? - no qual valores retrógrados são invertidos como se fossem "avançados". O "funk" glamouriza a pobreza, promove valores machistas, estabelece um sutil racismo contra negros (tratados de maneira caricatural).

Além do mais, o "funk" tem rigidez estética (é sempre o mesmo som a cada temporada, sendo proibido criar melodias e inserir instrumentos sem a autorização do DJ, que só permite mudanças conforme as conveniências), mas tenta dar a falsa impressão de que é "musicalmente diversificado" e "altamente criativo". Pura conversa para boi dormir.

Uma prova disso é a forma como o "funk" trata fenômenos improvisados da pobreza, como morar em favelas e praticar prostituição. Tidos como medidas emergenciais e desagradáveis aos pobres, as favelas e os prostíbulos são trabalhados pela ideologia do "funk" como se fossem "locais libertários" aos quais os pobres estão destinados a viver o resto da vida. Uma visão puramente elitista mas que é descrita como se fosse um "ideal progressista".

CONCLUSÃO

A desinformação das pessoas e a crise de valores em que vivemos mostram que os brasileiros dificilmente conseguem enxergar o que é moderno ou antiquado. Convicções pessoais, ideais conservadores nunca assumidos e a compreensão errada da realidade influem no falso futurismo atribuído a determinadas pessoas ou fenômenos.

Dessa maneira, o Brasil não consegue se tornar um país moderno, porque sempre apela para o mesmo vício: apreciar o novo sob o filtro do velho, fazendo com que valores antiquados, que deveriam ser obsoletos, sejam reciclados e até perpetuados por tempo indeterminado, o que traz o risco do Brasil regredir seus modos de vida a níveis medievais.

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