sábado, 13 de fevereiro de 2016
O "espiritismo" condena o aborto, mas é omisso em outros crimes
O "espiritismo" brasileiro é contrário ao aborto. Alega que a prática é contrária à lei da vida e ao princípio de reencarnações, e impede o futuro bebê de iniciar uma nova encarnação e cumprir sua missão de evolução espiritual.
A ideia parece, para muitos, correta, mas há aspectos diversos que devem ser ponderados diante dessa situação. Afinal, o aborto em si não deve ser aprovado, mas há casos em que ele é permitido, sobretudo nos casos em que a gravidez ameaça a saúde da mulher ou ela é resultante de estupro.
No entanto, mesmo nesses casos os "espíritas" parecem insensíveis. Moralistas, eles veem a vida como algo qualquer nota. Dizem que valorizam a vida carnal e a vida espiritual, mas ignoram uma e outra, por vários motivos.
No caso da encarnação, os "espíritas" não conseguem entender o complexo problema das individualidades. Para eles, a vida tem que ser "qualquer nota" e pouco lhes importa se o sujeito tem uma vocação que é impedida de todo jeito de ser exercida, enquanto é empurrada para tarefas que lhe seriam não apenas desagradáveis, mas sem proveito e até perigosas.
Não há individualidade a ser considerada na moral "espírita", até porque esta doutrina costuma divulgar mensagens "espirituais" que dizem rigorosamente a mesma coisa, sendo mais propagandas igrejistas que apenas inventam que foram escritas por espíritos do além.
No caso de gravidez de alto risco, os "espíritas" não percebem este drama. Talvez lhes seja lindo o bebê nascer (no caso de sobreviver a tais ocorrências) e a mãe morrer por causa disso, e o órfão de mãe, não bastasse estar com algumas sequelas sérias (a gravidez de alto risco, se consegue fazer o bebê nascer, geralmente deixa sequelas), só conhecer a genitora postumamente, pelo relato de terceiros, sem poder conviver com ela.
Só porque Francisco Cândido Xavier perdeu a mãe quando criança, isso não quer dizer que dá para ser órfão de mãe seja fácil de aturar, porque nem todo mundo tem a concentração de Chico Xavier, católico paranormal que podia "conversar" com o espírito da mãe.
E no caso do estupro? Como para os "espíritas", pimenta nos olhos dos outros é refresco (ou Pimenta Neves na vida amorosa das outras é refresco), tanto faz a mulher ser estuprada. Ela teria sido uma cidadã do Império Romano, seja na Gália ou na Judeia, sexualmente pervertida e por isso "mereceu" tal provação.
Se ela deixar o bebê nascer e for obrigada a se casar com o estuprador, por exemplo, para a moral "espírita" tanto faz, porque para a doutrina brasileira o que vale não são os interesses humanos, mas as provações, e seus pregadores, sem entender de Ciência Espírita, ainda têm a presunção de supor que estuprador e estuprada teriam sido amantes em outra encarnação e por isso devam ficar juntos e ter o bebê.
A vida é complexa, mas a complexidade não é reconhecida pelos "espíritas". Para eles, o que vale é apenas "ser bonzinho". Aguente as desgraças, sorria, seja sempre grato ao algoz e pronto, é só esperar o além-túmulo para ir para o "paraíso" de Nosso Lar, se as pessoas se comportarem conforme o "sistema" determina.
MICROCEFALIA
A questão do aborto ganhou novo ingrediente. É a questão das doenças cerebrais. Esse é o ponto bastante controverso, que já causa barulho nos meios "espíritas", sobretudo com o problema da microcefalia consequente da infecção do vírus zyka, transmitido pelo mosquito aedes aegypti, em gestantes.
É uma polêmica interminável, pois os religiosos em geral afirmam que abortos nesse caso são inadmissíveis. e os "espíritas" já começam a cogitar se o aborto de fetos microcéfalos ou anencéfalos não seria uma forma de "limpeza social".
Certo. Se a Ciência pode resolver o problema da má formação do cérebro, o que ocorre em casos mais brandos de formação defeituosa (quando elas não afetam o funcionamento do organismo e permitem o trabalho mental com alguma regularidade), tudo bem. Mas se os danos forem muito grandes de forma a transformar o futuro bebê numa pessoa em estado quase vegetativo?
Não há como fechar essa questão bastante polêmica, mas só em se falar na palavra "aborto", os "espíritas" sentem um grave incômodo, da mesma forma que também surtam quando alguém pronuncia a palavra suicídio.
OMISSÕES
Aborto e suicídio são, em si, práticas reprováveis. Isso é indiscutível. Ninguém vai sair tirando a vida a esmo. Mas quando há motivos que impulsionam a tais práticas, é bom parar para pensar. E os "espíritas" não o fazem, preferindo se apoiar em valores moralistas e não discutir outros aspectos.
Enquanto isso, os "espíritas" se mostram omissos ou complacentes em crimes como o homicídio, que eles a princípio reprovam, mas sempre apelam para o "atenuante" da "Lei de Causa e Efeito", como se o homicida fosse um "justiceiro" a serviço dos "reajustes espirituais". A vítima é que é a "culpada" e seu exterminador alguém que "terá o que merece", mas em outra encarnação. É o fiado "espírita".
Quanto às acusações de que o aborto em casos de microcefalia seriam uma forma de "eugenia", ou seja, ideologia que se baseia num padrão de "pessoas perfeitas" e "raças superiores" no processo de "seleção" da espécie humana.
Mas os "espíritas", tão afeitos à Teologia do Sofrimento de Chico Xavier, não conseguem perceber que a ideia de "sofrer em silêncio e sem queixumes" também é uma forma de "eugenia", porque, nessa ideologia que os "espíritas" tomaram emprestado da Igreja Católica, fala-se para os sofredores aguentarem as desgraças, mas nunca se fala para os remediados "se ferrarem".
Quando muito, fala-se que os privilegiados, por "se entregarem" aos "prazeres mundanos", já "receberam a recompensa", mas irão "perdê-la na outra vida", quando se tornarem as pessoas desgraçadas que os nomes ilustres escondiam entre montes de dinheiro, ouro e outros luxos.
É até hilário que os "espíritas" roguem isso, porque eles, também envaidecidos pelo verniz da suposta humildade, constroem seus tesouros com premiações e homenagens e acreditam que, quando falecerem, serão recebidos solenemente no céu por amigos, autoridades e anjos. Eles são os que deixarão seus nomes "iluminados" apodrecerem em túmulos ou cinzas, tanto quanto os ricos.
QUANTO AO ABORTO?
O aborto, em casos como os de estupro e gravidez de alto risco, é aceitável, até para minimizar traumas. no caso da estuprada, que é vítima de um dramático ato de violência e ameaça à vida (o estuprador geralmente a ameaça de morte) e sente abalos emocionais fortíssimos por causa disso.
Já no caso de, na gravidez de alto risco, o aborto serve para salvar a vida da mãe e apenas faz com que, em certos casos, o bebê deixe de nascer num corpo doentio e fique órfão da genitora. Querer que o bebê nasça a qualquer preço, sacrificando a mãe, não seria também um "aborto às avessas"?
Quanto à microcefalia, o problema é muito, muito complexo. Não há como ter uma postura definida, se os dois problemas apresentam argumentos fortes. É preciso que o debate vá adiante para que assim se observe quais argumentos parecerão mais pertinentes, pois o problema é novo e as polêmicas tornam-se intensas e complicadas.
O que se sabe, no entanto, é que não se resolve o problema do aborto com moralismo religioso. E o "espiritismo", que não valoriza a vida material como oportunidade das pessoas aproveitarem seus potenciais - elas têm que primeiro "sofrer o que mereceram de outras vidas" - , deveria pensar no seu roustanguismo que nunca abortaram de suas mentes e que renasceu com Chico Xavier.
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