sexta-feira, 6 de novembro de 2015
Rodrigo Constantino, desarmamento e atraso brasileiro
Enquanto o Brasil, em seus inúmeros retrocessos sociais - melhor não denunciá-los no Facebook, para não ganhar pecha de "chato" e "insuportável" - , chega ao ponto de alterar vários pontos da Lei do Desarmamento para facilitar o armamento da sociedade, a indiferença a essa decadência é gritante.
Em votação recente na Câmara dos Deputados - que, sabe-se, é presidida, até segunda ordem, pelo neo-medieval Eduardo Cunha - , muitas facilidades foram aprovadas por 19 votos a 8 por uma "comissão especial".
Entre elas, a queda da idade mínima para a compra de uma arma de 25 para 21 anos, a permissão de levar uma arma para o ambiente de trabalho e também usá-la em casa, a autorização para parlamentares e latifundiários andarem armados e o aumento, de três para dez anos, do prazo de renovação de porte de arma.
O armamento é uma causa reacionária que, nos EUA, é defendida pela extrema-direita, ligada a entidades que variam de setores ultraconservadores do Partido Republicano até grupos como o Tea Party e a Klu Klux Klan.
Entre os famosos que defendem o porte e o livre comércio de armas, se destacaram o falecido ator Charlton Heston (que interpretou Moisés no cinema), um dos líderes da National Rifle Association (entidade ligada à defesa do armamento) e o roqueiro Ted Nugent, cantor e guitarrista cujo reacionarismo antecipou o exemplo brasileiro do músico Lobão.
No Brasil, a onda de pseudo-esquerdismo que gerou, nas mídias sociais, um "esquerdismo" com QI de extrema-direita, o armamento tentou ser visto como "causa progressista" (sic), com pessoas que se declaravam "esquerda-liberal" no Orkut se manifestando a favor do livre comércio e porte de armas para se proteger da violência.
E isso quando o Brasil é onde se torna mais explícita a violência contra inocentes causada por armas de fogo. Sobretudo quando esses inocentes são pobres, negros ou índios. E ainda se justifica essa violência sob bandeiras "moralistas" como o "direito à propriedade" coronelista e a "defesa da honra" machista.
Claro que é muito complicado ver o Brasil do travestismo ideológico, de direitistas se passando por esquerdistas mantendo ideias reacionárias e retrógradas. Há dez anos, houve uma campanha pelo desarmamento, para tentar diminuir os homicídios que pessoas sem antecedentes criminais faziam quando "perdiam a cabeça". Era uma forma também de evitar que o comércio de armas abasteça ainda mais o crime organizado, já que portadores de armas não estão livres de terem suas armas roubadas, sobretudo durante assaltos.
Resultante dessa campanha, foi aprovado o Estatuto do Desarmamento, que pode não ter eliminado totalmente a violência, mas permitiu que milhares de vidas fossem poupadas. De certa forma, foi um grande avanço, porque a segurança social não está no porte de armas, mas na reeducação de valores sociais e morais e na resolução das injustiças sociais.
Segundo estatísticas, para cada aumento de 1% do número de armas de fogo na sociedade, aumenta em 2% o número de vítimas da violência provocada por tais objetos. Reacionária, a revista Veja havia defendido o porte de armas, defendendo o "não" do plebiscito proposto em 2005 em relação ao desarmamento.
Como a Veja anda decadente, ela abriu mão de certas posturas. Continua reacionária, mas anda acuada pelas circunstâncias. Seu ex-colunista, Rodrigo Constantino, demitido pela revista dentro de um esquema de "enxugamento" do Grupo Abril, resolveu "denunciar" aquilo que ele entende, em sua paranoia, como "esquerdismo de Veja".
A Veja havia escrito, em seu editorial, que recebe o título de "Carta ao Leitor", um texto posicionando-se contra o comércio de armas. A publicação apenas não expôs autocrítica em relação ao posicionamento anterior, se limitando apenas a adotar uma posição diferente da que assumiu em 2005.
Entusiasmado com as mudanças legislativas que permitem o rearmamento da sociedade, Rodrigo Constantino escreveu em seu blogue que a Veja está condenada a uma "morte horrível" ao defender o Estatuto do Desarmamento, sendo o periódico "desacreditado" pela esquerda e pela direita com esta postura.
Rodrigo desconhece que certas posturas, como no caso do porte de armas, são combatidas por setores da mídia conservadora, sobretudo a Rede Globo de Televisão, até porque mesmo a sociedade de centro-direita também é vítima não só da violência criminal, mas de não-criminosos que em algum momento "perdem a cabeça".
Nesse contexto de atraso brasileiro, o rearmamento da sociedade proposto por um grupo de parlamentares ligados, direta ou indiretamente, à "bancada da bala" - integrante da reacionária trindade de parlamentares retrógrados chamada "bancada do BBB", que envolve evangélicos (bíblia), latifundiários (boi) e policiais (bala) - , só refletem a crise de valores em que se encontra o país.
A ideia é o medo da sociedade perder valores reacionários, mas considerados "sagrados" por algumas elites de privilegiados. O medo de um país transformar e ver totens e paradigmas serem derrubados, extintos, mortos, deixando de simbolizar a presença viva de valores velhos que correspondiam às tradições canhestras desses grupos.
Os esforços da "bancada da bala" para rearmar a sociedade e o patrulhamento do reacionário Rodrigo Constantino são o tempero dessa tendência decadente que ainda faz os corações de muitos conservadores palpitarem.
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