domingo, 18 de outubro de 2015

Coronel Brilhante Ustra também estava construindo um "Reino de Amor"?

CORONEL BRILHANTE USTRA - A depender de Chico Xavier, ele também foi um "missionário".

Um dos lados mais sombrios da biografia de Francisco Cândido Xavier é o apoio à ditadura militar, já no seu período mais crítico, no ano de 1971, numa época em que até Carlos Lacerda, um dos maiores defensores do golpe militar de 1964, estava na oposição, assim como o Alceu Amoroso Lima, que acusava Chico Xavier de charlatanismo. Alceu era um católico conservador que mais tarde virou um progressista moderado.

Tendo passado para a posteridade com a falsa imagem de um ativista social progressista, Chico Xavier sempre se manifestou o contrário disso tudo, através de uma declaração no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo, que em 1971 parece ainda evocar a histeria reacionária de 1964. As palavras são do próprio Chico Xavier, para quem acredita que "não foi ele quem disse isso":

"Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz  hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades".

Talvez esse anti-comunismo histérico - que envergonharia uma blogueira declaradamente comunista que adorou o filme As Mães de Chico Xavier - seja justificado, como todos os erros do anti-médium (inocentado até quando tem culpa direta pelos mesmos, como no caso de Otília Diogo, em que se trabalhou na tese risível de que "cúmplice não é culpado", pela criminalização das vítimas da ditadura militar.

Há um paralelismo entre esse lado sombrio de Chico Xavier e o lado sombrio hoje revelado de Madre Teresa de Calcutá. Seguidora de Santa Teresa de Lisieux, que disse: "O próprio sofrimento passa a ser a maior das alegrias, quando é buscado como o mais precioso dos tesouros".

O sofrimento, a desilusão e o infortúnio podem até servirem de aprendizado, mas muito mais para se livrar deles ou dos motivos que o geraram do que acreditar ser maravilhoso se dar mal na vida. Mas a Teologia do Sofrimento, da qual Teresa de Lisieux foi sua pregadora maior, achava que sofrer era "lindo", numa interpretação um tanto tendenciosa e fútil do famoso flagelo de Jesus de Nazaré.

Tanto Chico Xavier quanto Madre Teresa de Calcutá eram devotos de Santa Teresa de Lisieux. Chico tinha um altar dedicado a ela, ele que foi um adorador de imagens de santos, num claro materialismo católico. Há entre os "espíritas" quem diga que Teresa de Lisieux é padroeira da "colônia espiritual" de Nosso Lar, que acreditam se situar sobre o Estado do Rio de Janeiro.

Madre Teresa de Calcutá chegou a dizer que "o mundo ganhava com o sofrimento dos pobres" e achava que a dor "enobrecia" as pessoas. Acreditava que era um caminho para "se chegar a Jesus". Chico Xavier dizia para sofrermos "sem queixumes", porque o sofrimento seria "um caminho para se chegar às bênçãos eternas da vida futura", adaptando a Teologia do Sofrimento à causa "espírita".

O LADO PERNICIOSO DA COISA

Só que sabemos que a Teologia do Sofrimento tem seu lado traiçoeiro. Sabemos que, no fundo, ela é apenas uma ideologia que poupa o abuso dos poderosos e não permite a superação real do sofrimento. Ela está mais ao lado de Pôncio Pilatos (que nunca teria julgado Jesus, registros históricos indicam que ele o condenou por rito sumário, ou seja, de forma "curta e grossa") do que de sua famosa vítima.

Em muitos casos, a Teologia do Sofrimento produz uma moral severa, que transforma missionários em eventuais tiranos, que gritam contra a menor reclamação dos sofredores. Nem gemer de dor se pode, porque o sossego dos opressores não pode ser perturbado. O sofredor só é bom quando fica calado, ora em silêncio e engole seco com cada piora que acontece na sua vida.

Daí que Madre Teresa de Calcutá deixava mesmo de assistir aos necessitados de forma adequada. Permitia que, em seus "hospitais", seringas fossem lavadas somente com água de torneira, que naquela Índia subdesenvolvida e caótica, seria tão suja quanto a brasileira, da qual não se recomenda beber em água de torneira feita somente para lavar objetos sob o uso de detergente.

As seringas só eram lavadas com água suja. E isso quando os doentes sofriam males contagiosos, como a hanseníase (que durante muito tempo era conhecida como lepra). E mesmo doentes graves só eram atendidos com paracetamol e aspirina, e alojados uns ao lado dos outros, facilitando a contaminação e o contágio.

Daí o termo "anjo do inferno" que Christopher Hitchens definiu a Madre Teresa de Calcutá. Uma declaração que, à primeira vista, parece ofensiva, mas é confirmada com documentos e análises corroboradas por um grupo de acadêmicos canadenses.

E aqui no Brasil ainda se tem um medo muito grande de desmascarar Chico Xavier. Aqui acadêmicos só agem para "legitimar" as práticas duvidosas do anti-médium mineiro, reforçando seu mito "filantrópico". E há quem se orgulhe em colocar os erros de Xavier debaixo do tapete, seduzidos pela sua imagem de "bondoso e humilde", desmentida em muitos aspectos.

ENTÃO O CORONEL BRILHANTE USTRA FOI UM MISSIONÁRIO?

A defesa de Chico Xavier à ditadura militar deve ser considerada principalmente numa época em que um dos maiores torturadores do período, o coronel que comandava o DOI-CODI, em São Paulo, Carlos Alberto Brilhante Ustra, ou apenas Brilhante Ustra ou Coronel Ustra, faleceu sem que fosse devidamente punido pela sua violação aos direitos humanos. Ustra era conhecido por sua extrema crueldade e, sádico, participava dos próprios rituais de tortura que ordenava a seus subordinados.

Chico Xavier pedia para que "orássemos e reverenciássemos" os militares. Achava que eles faziam a "democracia" e que só reprimiam para evitar a "propagação de ideologias desagregadoras". Pregou a defesa da ditadura como "guardiã da liberdade" e "defensora da lei e da ordem" e dizia que os "benfeitores espirituais" a protegiam e garantiam ao país o "equilíbrio cósmico".

Certo. Tudo lindo e Chico Xavier, sendo ou não sendo um santo, um profeta, um cientista ou um filósofo, como querem seus seguidores de diversos tipos, é sempre adorado por sua "bondade". O apego a Chico Xavier é um fenômeno entre os "espíritas" e a obsessão por sua figura "caridosa" tornou-se uma grave doença infantil de seus seguidores.

Só que o Chico Xavier que chegou a criminalizar as vítimas do incêndio num circo em Niterói, no final de 1961, acusando-os levianamente de terem sido "romanos sanguinários" em "outra encarnação", transformando vítimas em "culpadas", pedia para que os torturadores fossem apoiados pela população, porque eles preparavam o "reino de luz" ou o "reino de amor" do futuro.

Quer dizer que até o Coronel Brilhante Ustra também estava empenhado nessa "missão de liberdade"? Ele foi também um "grande missionário"? Para todo efeito, os defensores desse moralismo punitivo, em que o sofredor é ao mesmo tempo um sortudo e um culpado, descontam toda sua raiva às vítimas pelo "comunismo"?

É muito fácil justificar a violência de alguns pela culpabilidade das vítimas. Tem homem que diz que matou a esposa porque ela gritou com ele, fica alguns meses preso e volta para casa como se nada tivesse acontecido. Ele se apoia nessa moral vesga em que se apoia uma "justiça" cega e injusta.

A histeria moral surge, como vulcões adormecidos que retomam a erupção, nos corações "bondosos" de seus defensores. "Ele foi comunista", "ele sabia demais", "ela gritou com ele e por isso mereceu aqueles dois tiros na cabeça", "ele defendia a desordem, invadia grandes fazendas para bagunçar", são algumas frases odiosas de pessoas que, em outras ocasiões, juram que só querem amor e misericórdia.

Imaginem quantas pessoas de bem são acusadas por engano e punidas cruelmente por impulso das histerias morais que irrompem de repente de corações ditos "misericordiosos". Era muito fácil, na ditadura, um homem odiar um vizinho por mesquinharia e dedurá-lo ao DOI-CODI por supostas e improváveis atividades "comunistas" e o acusado ser injustamente entregue aos torturadores.

Mulheres que só queriam ser solteiras e viram o erro de se casarem com homens errados pagaram com a vida a "honra ferida" dos que nunca as amaram mas queriam ser "donos" delas. Trabalhadores que pediam um pedaço de terra eram fuzilados por serem vistos como "arruaceiros". Pessoas que lutavam por direitos humanos eram torturadas, mortas e tinham seus corpos escondidos em nome do "combate à desordem" e do "respeito às leis".

O moralismo histérico envenena o coração dos supostamente bons. E Chico Xavier era dado também a posturas peçonhentas, vindas de sua própria mente e confirmadas em suas próprias palavras. Seus defensores, desesperados, tentam dizer que "não é bem assim", só que esses aspectos saltam aos olhos, como na entrevista do Pinga-Fogo.

E tudo isso tenta ser minimizado pelos apelos chorosos do "movimento espírita", que tentam justificar suas posturas dúbias, contraditórias, supostamente fiéis a Allan Kardec mas apegados ao igrejismo de Chico Xavier, a ponto de tentar salvá-lo de qualquer ameaça de ser tirado do pedestal das adorações religiosas de seus seguidores.

Eles devem achar que Chico Xavier era progressista e ativista diante de suas posturas conservadoras. Será que os "espíritas" acham que Brilhante Ustra era um "missionário" e que só torturou e mandou matar suas vítimas porque elas haviam sido "romanos sanguinários" em outra vida?

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