quinta-feira, 8 de outubro de 2015
A aflição do "movimento espírita"
O "movimento espírita" mais uma vez reage com medo e apreensão. Nestas situações o coitadismo se expressa e a falta de autocrítica é dissimulada por relatos de que os contestadores é que estão confusos, ignorantes, invejosos, caluniadores e tudo de ruim.
Presos em uma "zona de conforto" que mostra o falso equilíbrio da dubiedade doutrinária, com a prometida fidelidade a Allan Kardec e as "puladas de cerca" com Chico Xavier, os "espíritas" querem promover a "paz sem voz" da manutenção da atual situação.
Assustados com as críticas que recebem, eles até reagem com o máximo de elegância possível. Eles não podem mudar sua aparente postura, de atuar com serenidade e bom humor, e enquanto se irritam seriamente com as contestações, nos bastidores, aos olhos do público precisam mostrar que continuam "serenos" apesar dos "ataques".
Os "espíritas" alegam que seus contestadores querem ser "possuidores da verdade absoluta", quando o que estes querem é a coerência, coisa que o contraditório, confuso e ultrapassado "movimento espírita" promete oferecer mas não cumpre.
Os próprios "espíritas" é que se achavam com a verdade em suas mãos, e muito mais confortável seria que aceitássemos que a verdade encontrasse moradia na confusão, na contradição, na mistificação e na deturpação, como se "equilíbrio" e "paz" fosse aceitar que se digam uma coisa em um dia, e depois dizer outra no dia seguinte.
Somos o país em que as pessoas se recusam a abraçar uma causa. Se recusam, pedem para que ninguém insista na sua adesão e devemos aceitar que tais pessoas nunca irão aderir a uma causa. Mas, quando a causa se mostra vantajosa, essas mesmas pessoas entram como penetras, se apropriam da causa e querem ser as donas delas.
É o Brasil dos antigos jovens que queriam a derrubada de João Goulart na marra pelo golpe militar e hoje bancam os "esquerdistas sinceros". O país dos músicos bregas que nunca quiseram saber da MPB até tardiamente se apropriarem delas como se fossem seus donos. Ou mesmo de uma Rádio Cidade, no Rio de Janeiro, que nunca deu bola para o rock e hoje se julga dona do segmento. Ou de um Fernando Collor tentando ser aliado de antigos rivais.
No "espiritismo", o que se observa é que os "espíritas" nunca quiseram saber para valer das ideias de Allan Kardec, que era sempre visto como complicado, chato e incompreensível, ele que buscou trazer a clareza em seus textos. Mas é porque clareza é erroneamente vista, no Brasil, como algo que dispensa o esforço do raciocínio, clareza aqui é "conhecimento" servido pronto na bandeja.
Mas aí, quando Allan Kardec é reconhecido como um importante pensador da Ciência e da Educação, o antigo fã-clube de Jean-Baptiste Roustaing resolveu migrar para o pensador francês, não para seguir seus ensinamentos mas para alimentar prestígio num engodo doutrinário que mistura igrejismo e cientificismo.
Que as pessoas mudam, tudo bem. Mas é muito menos frequente que pessoas tenham coragem de mudar posturas e assumir um comportamento diferente do anterior, depois de enfrentar a roda de fogo da autocrítica e ter a humildade de admitir erros e equívocos diversos.
Em boa parte das vezes, as "mudanças" são aparentes e tendenciosas, embora a essência dos erros originais continuasse a mesma. Essas mudanças soam ao mesmo tempo superficiais e oportunistas, embora tenha aquele discurso fingido de que "se aprendeu com os novos tempos".
Os contestadores do "movimento espírita" é que pode-se admitir que realmente mudaram. Nós tivemos experiência de aderir a seus dogmas, ritos e totens. Durante anos muitos de nós endeusamos Francisco Cândido Xavier, Divaldo Franco, Emmanuel, André Luiz, acreditamos no que eles escreviam e ficamos complacentes com as contradições ideológicas que apresentavam.
Ficávamos intimidados com a "superioridade" deles. Tivemos a etapa de sofrer sem reagir, talvez até com queixumes, mas consolados de alguma "bênção futura" que, na verdade, nunca chegava. E, a cada tratamento espiritual, acumulávamos encrencas, empecilhos, tragédias.
Nós, do contrário que os chorosos líderes "espíritas" falam, temos muito mais conhecimento das coisas. Se largamos o "movimento espírita", não foi por sentimentos mesquinhos ou inveja de seus líderes e celebridades. Largamos porque a doutrina não trouxe benefícios, porque apresentou irregularidades, porque fomos verificar seus erros e contradições e damos nossa conclusão de que seria melhor romper com ela.
O pavor dos "espíritas" diante da "tempestade" de questionamentos e denúncias, que tanto "machucam" os "bondosos" líderes, revela, na verdade, o incômodo de uma situação de privilégios que esses religiosos tinham, e que ameaçam se perder com o novo quadro de contestação que pode pôr a doutrina brasileira a perder.
Eles podem dizer o que dizem, acusando os contestadores de confusos, caluniadores, invejosos etc. Mas não podem provar isso. E por outro lado, também não podem provar que mantém a coerência doutrinária, porque eles mesmos deixam claro a hesitação entre uma apreciação parcial e superficial do cientificismo de Kardec e a festiva adesão ao igrejismo de Chico Xavier.
Querem que a gente volte atrás e retorne, de maneira "misericordiosa", ao engodo doutrinário que mistura pedantismo pretensamente científico e igrejismo extremado. Querem que a gente se silencie diante das contradições aberrantes que o "espiritismo" faz no Brasil, e, em nome da "paz humana", fiquemos com a mistificação em níveis surreais.
Dessa forma, somos aconselhados a pensar que, para todo efeito, Chico Xavier "descobriu" vida em Marte, o fictício André Luiz a glândula pineal, que o raciocínio é pecado, a fala é maldição e o que importa é sofrermos calados os infortúnios da vida, que só "resolveremos" com a oração sob o mais absoluto silêncio para não perturbar o sossego de nossos "amáveis" opressores e algozes.
Não tem volta. O "espiritismo" que aceite ver denunciadas suas contradições. Não vamos desprezar o mundo nem a lógica e nem a coerência em nome de crendices absurdas e provincianas que parecem "lindas e confortadoras".
Não dá mais para voltar para a caverna "platônica" dos "espíritas" e retomar as mistificações que abandonamos. Não dá para crer mais nos bonecos de cera que são colocados nesta caverna e cujos reflexos acreditam-se serem espíritos do além reaparecendo entre seus isolados ocupantes.
O que apavora os "espíritas" é que as transformações que acontecem no país contrariam tudo de suas perspectivas. A quatro anos da "data-limite", as migrações não ocorrem necessariamente do Norte para o Sul, mas do Centro para o Norte.
E o Brasil valores estão sendo reavaliados, dentro da maior de suas crises de valores nos últimos anos, que não são necessariamente culpa do Partido dos Trabalhadores, mas fruto do desgaste de pessoas, instituições e valores que pareciam bem-sucedidos desde a ditadura militar e que tentavam permanecer intatos mesmo em contextos progressistas.
Daí que a crise "espiritismo" é a crise do Brasil de 1974 que não consegue mais atender às perspectivas da população. Uma crise que os "espíritas" não podem ver como fruto de calúnia ou confusão, mas como um reflexo dos gravíssimos erros e das aberrantes contradições que a doutrina brasileira acumulou em 131 anos e, de forma intensa, após o caso Humberto de Campos que abriu caminho para o mito Chico Xavier.
Por isso é difícil ter autocrítica. É mais fácil qualquer personagem que simboliza valores vigentes há 40 anos se julgarem vítimas, coitados, perseguidos. Difícil é assumir sua própria obsolescência ou decadência, e mais difícil ainda é ver caírem totens e dogmas antes tidos como infalíveis, equilibrados e inabalaveis. A crise do "espiritismo" brasileiro só tende a piorar, por sua natureza.
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