sexta-feira, 4 de setembro de 2015
O aumento da barbárie e o prêmio ao noticiário policialesco
O aumento da violência e da barbárie não pode ser apenas um reflexo da crise. Em muitos casos, pode ser uma ação que é glamourizada pela mídia, que, embora tenha o pretexto de mostrar o lado negativo do crime, acaba sendo seu propagandista, mesmo sem querer, mas estimulando as práticas através da cobertura sensacionalista.
A transmissão de programas policialescos na televisão em pleno horário diurno, expostos livremente ao público infanto-juvenil, tornou-se uma forma sutil de estímulo ao crime que diz reprovar. Os noticiários Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, e Cidade Alerta, da Rede Record, são exemplos de como noticiar a barbárie acaba se tornando uma forma de propaganda.
O Cidade Alerta hoje é apresentado por Marcelo Rezende, que antes era um repórter investigativo sério, com dicção normal e tudo, mas depois passou a usar um estilo forçado de locução, influenciado pelo cavernoso Gil Gomes (consagrado pelo Aqui Agora do SBT) e narra ocorrências criminosas com o mesmo apelo popularesco e sensacionalista próprio desses programas.
Com a violência crescendo e tornando-se frequente até no começo da tarde, e com ocorrências de violência cada vez mais brutais e por motivos fúteis, começa-se a questionar a validade desses programas, porque, com todo o moralismo que pregam acabam tragados pela contradição que esse moralismo apresenta, culpando os inocentes e inocentando os culpados.
Para piorar, a alta incidência de crimes cometidos por crianças e adolescentes vira pretexto para que setores conservadores da sociedade pedissem a redução da maioridade penal, uma reivindicação que só fará lotar prisões, enquanto inocenta os verdadeiros culpados, que são os programas policialescos de televisão.
Que culpa têm as crianças que estão em casa ou voltam da escola que são bombardeadas de notícias sobre crimes diversos, muitos graves, que praticamente eliminam suas chances de sonhar, ter esperanças e buscar valores construtivos para suas vidas?
Num dado momento, essas crianças são impulsionadas a comprar produtos caros que são trabalhados como símbolos de ascensão social. De outro, são sobrecarregados de notícias sobre crimes, que, apesar de sua conotação negativa, exercem uma atratividade invertida para crianças dominadas pelo medo, pelo horror e pelo ódio.
Curiosamente, José Luiz Datena, um dos responsáveis por toda essa propaganda acidental da barbárie, foi incluído na edição de 2012 da lista dos 100 Maiores Brasileiros de Todos os Tempos, feita pelo SBT em parceria com o canal inglês BBC.
A lista incluiu também o anti-médium mineiro Chico Xavier, premiado por sua "fraternidade pura", apesar da sua trajetória confusa e cheia de irregularidades, que nunca poderia fazê-lo um espírito puro e de máxima evolução e, portanto, também estaria longe de tal consideração.
Mas é o mesmo SBT que transmitiu o Aqui Agora que chegou a exibir cena de suicídio, e é o mesmo SBT que contratou Rachel Sheherazade, que defendeu que justiceiros amarrassem e torturassem um menor só por causa de pequenos furtos.
O noticiário policialesco cria nos espectadores mais pobres, que já sofrem com sua baixa qualidade de vida e sua escolaridade precária, isso quando puderam frequentar a escola, um aspecto exótico e sensacionalista do crime, glamourizando a violência muitas vezes como um "mal necessário" para o desabafo de quem não sabe resolver as coisas com diálogo e cessão de interesses.
Mesmo sendo divulgado como reprovável, o crime torna-se uma maneira invertida de ascensão social ou uma forma de catarse, o que explica tantas pessoas desprovidas de educação, cidadania e qualidade de vida cometendo crimes, ou mesmo pessoas abastadas cujos interesses se tornam maiores que suas necessidades e méritos.
A mídia sensacionalista, até pela capacidade de gerar interpretações dúbias sobre a violência, acaba contribuindo, mesmo de modo indireto, para o crescimento da violência. E pensar que José Luiz Datena poderá ser candidato à Prefeitura de São Paulo, no próximo ano, premiado por transmitir a "cultura da barbárie" até mesmo para crianças e adolescentes.
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