Alguns incêndios ocorridos no Rio de Janeiro fizeram perder-se para sempre várias obras de arte brasileiras e estrangeiras. Coleções foram seriamente afetadas, como, recentemente, algumas coleções pessoais de pessoas que moravam na Zona Sul carioca, uma em 2009 e outra em 2012.
Mas o maior deles foi o incêndio que atingiu o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), que destruiu quase todo o acervo nele guardado, em 08 de julho de 1978, representando uma grande perda para o patrimônio artístico mundial.
Será que essas tragédias podem ser compensadas com pretensas obras mediúnicas que, supostamente atribuídas aos espíritos dos grandes pintores, se revelam claramente fraudulentas, através de irregularidades que se tornam claras quando obras originais e "espirituais" são confrontadas em uma comparação mais meticulosa.
Seria compensador substituir as obras perdidas por supostas obras que apresentam sérias diferenças de estilo em relação às originais, mas parecem expressar um único estilo do seu respectivo "médium", só por causa de pretextos filantrópicos?
Para os desavisados, é bom deixar claro que não se verifica a autenticidade das coisas pelas semelhanças, mas pelas diferenças. O falso, tendo a intenção de parecer verdadeiro, sempre se apoia nas aparentes semelhanças que reproduz do original. A imitação chega em certos casos a parecer perfeita, por causa disso. As diferenças é que, contradizendo à obra original, desmascaram a falsa.
PARECE SURFE NO SOLO, MAS É A PINTURA "MEDIÚNICA" DE GIOVANNI D'ANDREA.
Recentemente foi divulgada a mostra de pinturas "mediúnicas" do suposto médium Giovanni d'Andrea, cujas vendas se destinavam a um hospital ligado a um "centro espírita". A filantropia é usada como pretexto para tais ações, que torna-se duvidosa a validade da caridade para acobertar ações tão fraudulentas.
Pois antes que as pessoas achem a acusação de fraude "muito cruel e injusta", diante das "intenções de amor" que estão por trás, há aspectos bem duvidosos, como a suposta facilidade de reunir tantos diferentes pintores, algo considerado impossível por motivos lógicos. A qualidade das obras "espirituais", então, mostra aberrantes irregularidades em relação às originais. Vamos às comparações:
Na imagem à esquerda, pintura atribuída ao espírito de Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo, mais conhecido como Di Cavalcanti (1897-1976), conhecido artista carioca. No entanto, comparando com a obra Arlequins (1942), na imagem à direita, feita pelo autor em vida, a pintura "espiritual" destoa do estilo original do artista, uma constatação fácil de se notar.
ACIMA, ASSINATURA DO SUPOSTO ESPÍRITO DE DI CAVALCANTI NÃO CONFERE COM A ORIGINAL, EXPOSTA ABAIXO, EM CALIGRAFIA EXTRAÍDA DE UM CADERNO DE DESENHOS DO ARTISTA.
À esquerda, suposta pintura atribuída ao espírito do holandês Vincent Van Gogh (1853-1890). À direita, obra original do artista, O Semeador, concluída em 1888. Nota-se a aberrante diferença de estilo, até pela forma com que as cores diversas são distribuídas.
Além disso, o pintor autodidata e "maldito" - seus trabalhos eram discriminados em vida e só foram devidamente valorizados postumamente - , pelo seu temperamento rebelde em seu tempo, ele nunca iria se oferecer para um evento como esse, de mero propagandismo religioso, embora sutil.
A ASSINATURA "ESPIRITUAL" (ACIMA) ENTRA EM CONTRADIÇÃO COM A ORIGINAL, DEVIDO À GRANDE DIFERENÇA DE CALIGRAFIA.
Acima, uma pintura supostamente atribuída ao espírito do artista japonês radicado no Brasil, Manabu Mabe (1924-1997), em que se tenta imitar o estilo do original, mas o resultado soa bastante confuso. Ela é confrontada com Vento Vermelho, um dos últimos trabalhos do autor, concluído em 1997. Embora os herdeiros do pintor estejam condescendentes com o projeto "filantrópico", eles admitem que não há veracidade na autoria alegada.
SUPOSTA ASSINATURA DO "ESPÍRITO" DE MANABU MABE (ACIMA) NÃO CONFERE COM A ORIGINAL.
Nesta imagem, confronta-se a suposta pintura espiritual de Paul Jackson Pollock (1912-1956), artista de vanguarda dos EUA, que aparece no alto, com os dois trabalhos originais do autor, Mural (1949), no centro, e Convergence (1952), abaixo.
Note-se que a complexidade da arte de Pollock não confere na suposta pintura espiritual, que parece muito tosca e limitada a uma aleatória combinação de rabiscos que nem conseguem preencher todo o espaço, como nos trabalhos do artista estadunidense.
Aqui, observamos, à esquerda, a suposta pintura espiritual atribuída a Pablo Picasso (1881-1973), célebre artista espanhol. À direita, uma obra original do pintor, Retrato de Dora Maar, de 1936, dedicado a uma das várias mulheres que passaram pela vida amorosa do artista.
Mesmo em seus devaneios surreais, Picasso nunca pintaria da forma como se fez na pintura "mediúnica", muito comportada para seu talento surreal, mas um tanto tosca do que quando ele se concentra em traços mais sofisticados.
A ASSINATURA "ESPIRITUAL" (ACIMA) TENTA IMITAR A ORIGINAL, MAS NÃO CONSEGUE.
À esquerda, vemos uma pintura atribuída ao espírito de Jean-Pierre Renoir (1841-1919), célebre pintor francês. O estilo desta pintura "mediúnica" difere bastante da suposta psicopictografia feita pelo baiano José Medrado usando o nome do pintor. Para confrontar, usamos a obra original do artista, Femme à la Rose, concluída em 1976.
A exemplo de José Medrado, a obra trazida por Giovanni destoa do estilo de Renoir, cuja sofisticação de traços e distribuição de cores não é notada nas obras "espirituais". A palidez da pele da moça da pintura "mediúnica" foge severamente do estilo original do francês.
ACIMA, A ASSINATURA "ESPIRITUAL" NADA TEM A VER COM A ORIGINAL.
Sinceramente, à esquerda vemos uma pintura "espiritual" que nada tem a ver com o estilo pessoal de Amedeo Modigliani (1884-1920), notável pintor modernista italiano. Em vez dos desenhos precisos, quase usando um recurso visto em desenhos animados e revistas em quadrinhos, de contornar as pessoas com traços em preto, nota-se traços "espectrais" que fogem do estilo do pintor.
ACIMA, ASSINATURA ATRIBUÍDA AO ESPÍRITO, QUE SE TORNA RISÍVEL PELA ABREVIAÇÃO DO SOBRENOME, NUNCA OBSERVADO NA ASSINATURA ORIGINAL. A GRAFIA TAMBÉM DIFERE, E MUITO, EM RELAÇÃO A QUE O ARTISTA ASSINOU EM VIDA.
Soa bastante ridículo e patético atribuir alguma veracidade a essa pintura que se atribui a Cândido Portinari (1903-1962), conhecidíssimo pintor brasileiro. Mesmo com boa vontade, não dá para ver qualquer autenticidade na suposta psicopictografia, já que a diferença de estilo é aberrante, como já se observou no "Francisco de Assis" trazido por José Medrado, também usando o nome de Portinari.
A ASSINATURA (ACIMA) NEM ENGANA É ABERRANTEMENTE DIFERENTE DA ORIGINAL.
ASSINATURAS SUPOSTAMENTE DIFERENTES REVELAM, ENTRE SI, SEMELHANÇAS EM UM ÚNICO ESTILO, ÀS VEZES TENTANDO UMA CALIGRAFIA, OUTRAS ESCREVENDO LETRAS DE FÔRMA.
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