quarta-feira, 30 de setembro de 2015
A preocupante blindagem de Chico Xavier
O fanatismo religioso tem dessas coisas. Pessoas que, através da adoração a um ídolo, se julgam detentoras de emoções mais elevadas e, no entanto, se irritam quando seu adorado "mestre" é contestado por alguém, ainda que de forma construtiva.
Francisco Cândido Xavier é um caso insólito no Brasil. Detentor de uma trajetória de atividades confusas associadas supostamente ao Espiritismo, é beneficiado pela mais absoluta impunidade e imunidade, e mesmo sendo um católico ideologicamente ultraconservador, sua adoração encontra penetração em setores das esquerdas ou mesmo de kardecianos autênticos menos vigilantes.
Chico Xavier, como é popularmente conhecido, é uma figura surreal. Ele chega mesmo a ser visto como "progressista" e "ativista" quando prega a "teologia do sofrimento", ideologia que faz apologia ao autoflagelo humano e à resignação aos infortúnios, recomendando sofrer a dor sem sequer gemer, mas agradecendo a Deus com oração que se aconselha ser feita em absoluto silêncio. Deve ser para não perturbar o sossego dos opressores.
Essa mesma ideologia é considerada pelos analistas que investigam Madre Teresa de Calcutá - puxados pelo exemplo do falecido Christopher Hitchens - um dos mais graves defeitos da missionária. a ponto dela ter se tornado conhecida como "anjo do inferno". E o pior é que Madre Teresa era um mito bem mais verossímil que o confuso e atrapalhado mito de Chico Xavier.
Madre Teresa tornou-se um escândalo por denúncias das mais simplórias: associação a tiranos e ditadores, dos quais recebia verbas e condecorações, participação em esquemas de lavagem de dinheiro de magnatas corruptos e descaso com os próprios assistidos, os pobres e os doentes, que não recebiam remédios nem alimentos necessários e eram alojados em condições degradantes.
Chico Xavier fez coisas muito piores, como grotescos pastiches literários em Parnaso de Além-Túmulo, livro que deveria ser expressão acabada da espiritualidade superior mas recebeu grandes reparos em cinco edições durante 23 anos.
Além disso, Xavier se apropriava das identidades dos mortos, fazendo falsidade ideológica em supostas mensagens espirituais. A mais grave apropriação de um morto correspondeu a Humberto de Campos, escritor ainda muito popular na época (1935-1944), o que rendeu um processo judicial cujo desfecho deu em nada porque os juízes, no contexto da época, não entenderam o caso.
Xavier apoiou fraudes de materialização assinando atestado forjando autenticação. Esteve ao lado de Otília Diogo nos preparativos de seus espetáculos ilusionistas, entre os quais o do suposto espírito da Irmã Josefa. Além disso, Xavier defendeu a ditadura militar quando até Carlos Lacerda estava na oposição, em 1971, como deixou claro no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo.
Todos esses aspectos sombrios, em quantidade farta e trazidos por fontes confiáveis, como reportagens investigativas e os próprios depoimentos e textos de Chico Xavier, são insuficientes para dissolver toda a alta reputação do anti-médium, que parece resistente a todo tipo de obstáculo, vencendo até mesmo todo tipo de lógica dos fatos.
Mesmo a bibliografia de Chico Xavier, que contraria severamente o pensamento de Allan Kardec, através de comparações dos respectivos textos, é surrealmente aceita por uma parcela de kardecianos pouco vigilantes e pouco inclinados a uma pesquisa corajosa, que os livrasse da camisa-de-força da complacência e condescendência ao anti-médium mineiro.
Os defensores de Chico Xavier reagem geralmente com alguma fúria, embora tentem adotar mensagens ironicamente "calmas" como "o irmão está alterado" ou "você está completamente equivocado". Mas há casos de uma defensora de Chico Xavier que, arrogante e agressiva, disse para uma contestadora: "Quem é você para dizer algo contra Chico Xavier?".
Uns chegam ao discurso repetido de dizer que "Chico Xavier errou, mas merece uma chance". Ficam seduzidos pelo estereótipo de bondade a ele associado. Outros tentam dizer que ele "nunca errou" e o que se fala contra ele são "agressões a um homem de bem". Outros repassam a responsabilidade dos erros de Xavier a Emmanuel, Antônio Wantuil, Otília Diogo, Padre Quevedo, Amauri Pena e o que vier por aí. Mesmo quando Chico é claramente o responsável direto por muitos erros.
Exigem "embasamento científico" - eufemismo para retórica rebuscada e abordagem "neutra" - para o caso de contestar Chico Xavier. Mas aceitam teses universitárias com metodologia deficitária que erroneamente comprovem pioneirismos científicos em realidade inadmissíveis. Quando a falta de embasamento é a favor de Chico Xavier, eles aceitam confortavelmente.
Um caso é, por exemplo, alegar que Chico Xavier "previu" a existência de água e vida inteligente em Marte, num prazo de seis décadas e meia, através do livro Novas Mensagens, de 1939, quando tais hipóteses já eram discutidas pelo cientista estadunidense Percival Lowell (1855-1916) bem antes do anti-médium nascer.
A blindagem de Chico Xavier se observa através de mensagens agressivas de seus defensores, e do fanatismo que toma conta do Facebook, com os memes publicando suas frases - várias delas fazendo apologia ao sofrimento humano - , e no YouTube, onde existem teses surreais sobre Chico Xavier e até um vídeo piegas intitulado apenas "Amor".
Isso é muito perigoso e mostra o quanto as artimanhas da propaganda religiosa podem transformar uma pessoa no "dono do Brasil". Pois é isso que os seguidores consideram Chico Xavier: o dono do Brasil, dos mortos, do mundo, do futuro, quando ele não tinha 0,5% dessas habilidades que se atribuem a ele e que tudo que ele havia sido foi apenas um caipira mineiro, católico e paranormal.
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