sábado, 8 de agosto de 2015
O perecimento do "movimento espírita"
Nos últimos anos, vários figurões do "movimento espírita" brasileiro faleceram: o viúvo de Irma "Meimei" de Castro, Arnaldo Rocha, o ex-presidente da FEB, Luciano dos Anjos, a jornalista Marlene Nobre, o parceiro de Divaldo Franco, Nilson Pereira, o "Tio Nilson", o "médium" carioca Gilberto Arruda, o dissidente Waldo Vieira, entre outros.
O "espiritismo" brasileiro ficou surpreendentemente velho, mofado e antiquado. Os simpatizantes, sem ter que encontrar um ídolo à altura, se apoiam nas velhas bases e na mitificação de antigas figuras - como Francisco Cândido Xavier, ele mesmo falecido há 13 anos - , tentando reciclar a "magia" de sua doutrina, sem no entanto sinalizar para uma renovação.
O "movimento espírita" perece por causa de suas próprias, e gravíssimas, contradições. Tentam dois artifícios para afastar a mais grave crise que atinge o movimento. Uma é reafirmar, no discurso, uma suposta (e falsa) fidelidade a Allan Kardec, caprichando nas alegações em favor de sua doutrina. Outra é compensar a ignorância doutrinária com o verniz da caridade e da bondade.
A primeira estratégia é bastante conhecida, e põe o discurso em contradição com a prática. No discurso, defende-se o cientificismo de Kardec, a coerência de ideias, a recusa ao igrejismo, o rigor de seu pensamento etc. Na prática, porém, faz-se extremamente o contrário, fazendo tudo o que o discurso tão "serenamente" procura negar.
A segunda estratégia é mais melindrosa. Afinal, poucos conseguem ter coragem para contestar o nível e a qualidade de "bondade" que os "espíritas" dizem exercer. Um mau espírita pode ser bom espírita porque pratica caridade? E que benefícios realmente trazem? Sua filantropia é transformadora ou é apenas paliativa, minimizando parcialmente a dor alheia?
Muitos são intimidados pela "bondade" alheia. Sim, a caridade pode intimidar, quando se torna um artifício ideológico feito para tentar calar os questionadores. No entanto, a "caridade que não se mostra", contraditoriamente, comemora demais por poucas realizações, vide a Mansão do Caminho, de Divaldo Franco, que só beneficiou, em sua trajetória, 0,08% da população de Salvador.
A gente compara a filantropia "espírita" com outros exemplos de generosidade fora dessa doutrina igrejista e surpreende, por exemplo, que figuras como Oscar Niemeyer e Paulo Freire, ou mesmo Vinícius de Moraes, fizeram mil vezes mais pelo próximo do que Chico Xavier e Divaldo Franco.
Isso porque o sentido da caridade anda muito preso e subordinado ao seu sentido igrejista e paternalista, que não raro apenas se dá ao trabalho de fazer e repetir os mesmos atos paliativos que deixam os pobres provisoriamente menos miseráveis, ou de adotar projetos educacionais inócuos, que ensinam a ler, escrever e sobreviver quase que resignados à "selva urbana da sociedade".
Vendo outros exemplos, fora da órbita religiosa, observa-se casos mais criativos, mais dinâmicos e muito mais instigantes, verdadeiros e eficientes de caridade. Um projeto educacional de Paulo Freire, por exemplo, elimina muito mais a pobreza, de forma mais eficiente e definitiva, do que milhões de projetos de "caridade" feitos pelas instituições "espíritas".
Isso é o que muitos não compreendem. Acham que o "mau espiritismo" pode ser válido se pensarmos nesse sentido igrejista de "caridade". Indivíduos que cometem irregularidades aberrantes em relação à doutrina de Allan Kardec são perdoados e aceitos apenas porque praticam um modelo de "caridade" que tradicionalmente os brasileiros pensam ser o "mais elevado", mas não é.
Isso porque não se pode dizer que esses atos, como doar cestas básicas a pobres ou educar pessoas para serem cidadãos insossos e inexpressivos, embora "bons", sejam os mais elevados. Primeiro, porque, se as doações se esgotarem, os pobres voltam à situação degradante de outrora. Segundo, porque a educação não faz as pessoas enfrentarem os problemas complexos da vida.
Essas "caridades" são muito inexpressivas e inócuas no que se diz à essência. A forma pode parecer bem intencionada, mas o mérito não se dá apenas em intenções. Além disso, usar a "caridade" como moeda para validar o "espiritismo" e justificar suas fraudes e deturpações doutrinárias acaba reduzindo o ato de "amor ao próximo" a um processo tendencioso e oportunista.
Sendo tendencioso e oportunista, um ato que parece benéfico perde sua razão de ser. O benefício fica "condicionado", perdendo seu caráter espontâneo. E logo o "espiritismo", que prega a "caridade sem exigência", o "fazer sem medir interesses", usa a "caridade" para mascarar os desvios doutrinários que tanto maculam a compreensão do verdadeiro significado do pensamento de Allan Kardec.
Tudo isso acaba dando a impressão de que o "espiritismo" quer ser a "doutrina dos bonzinhos". Se a mediunidade falhou, se a compreensão doutrinária é equivocada e confusa, a solução dos "espíritas" é prevalecer pela "bondade".
Só que usar bom-mocismo para maquiar a deturpação doutrinária, em vez de ser uma virtude, torna-se um erro ainda mais grave, porque é, de qualquer modo, um desvio de caminho, e usar a bondade para mascarar a desonestidade doutrinária é uma crueldade, porque ser desonesto é enganar, iludir e seduzir pela mentira, criando imensos e gravíssimos prejuízos. O amor não é cúmplice da fraude.
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