CORNO MANSO - É assim que os "espíritas" brasileiros veem Allan Kardec.
Diante da crise vivida pelo "movimento espírita", a maior e mais grave de sua história, uma postura preocupante tenta prevalecer: a das declarações de pretensa fidelidade ao pensamento de Allan Kardec pelos mesmos "espíritas" que cometem graves traições ao seu pensamento.
Depois dos exemplos de Orson Peter Carrara e do blogue português Artigos Espíritas, além de tantos outros conhecidos, a tendência "duplipensante" que o "movimento espírita" adotou depois do auge da crise roustanguista - que fez Jean-Baptiste Roustaing ser apenas apreciado privativamente pelos altos chefes da Federação "Espírita" Brasileira - tornou-se cada vez mais intensa.
De Rino Curti a Alamar Régis Carvalho, passando por Divaldo Franco e José Medrado, o "movimento espírita" sempre mostra seus "cavaleiros da esperança" a prometer a "mais absoluta, rigorosa e inabalável fidelidade à obra e ao pensamento de Allan Kardec". Falar é fácil, mas essas mesmas pessoas comprovam que agem o contrário do que tanto disseram ou dizem.
Observa-se a adoração a dois anti-médiuns que abertamente traíram o pensamento de Allan Kardec: Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco. Suas obras contrariam frontalmente o que Kardec defendeu, e os dois corromperam o conhecimento kardeciano com mistificações ao mesmo tempo moralistas e igrejistas, não raro cheios de fantasias a abordagens bastante equivocadas.
Preocupa a persistência do "movimento espírita" por essa postura dúbia. Nos tempos do roustanguismo assumido, pelo menos havia a sinceridade, a partir da FEB, de optar por uma posição abertamente igrejista, havia uma oposição assumida ao cientificismo de Kardec, contrária aos interesses do movimento brasileiro.
Hoje, porém, essa oposição acontece de forma ainda mais dissimulada, e, portanto, desonesta e oportunista, e os "espíritas" apenas fingem apoiar o cientificismo kardeciano, adotando abordagens cada vez mais confusas e se contradizendo o tempo todo.
Um claro exemplo disso é a defesa da vocação progressista, ativista e questionadora da ciência trazida por Allan Kardec, enquanto se defende o "silêncio do sofrimento", o "não questionamento da dor", a "caridade que cala", a aceitação silenciosa do infortúnio, coisas que contrariam severamente a vocação questionadora e mobilizadora do pedagogo francês.
A traição ao pensamento de Allan Kardec ocorre de forma aberta e aberrante, pelos mesmos que lhe juram "fidelidade rigorosa e absoluta". É como se eles achassem que Kardec fosse um corno manso, que aceita qualquer traição numa boa.
Alegar fidelidade a Allan Kardec mas apreciar farsantes como Chico Xavier e Divaldo Franco - eles são farsantes porque tentam ser "kardecianos" lançando ideias que contrariam violentamente a obra do francês, fazendo o oposto do que tanto declararam ser - é uma demonstração de desonestidade doutrinária, o que é uma forma de crueldade, porque investe na enganação.
Enquanto há todo o alarde em favor de Allan Kardec, chegando mesmo a evocar mensagens que alertem sobre os "maus espíritas", os "espíritas" brasileiros se esquecem que esses alertas são contra eles e fazem vista grossa a qualquer aviso nesse sentido.
Tentam eles se acharem os "fiéis seguidores" de Kardec, por mais que apostem em fazer profecias, prática firmemente reprovada por Kardec, fazer práticas irregulares de mediunidade e acreditar em bobagens esotéricas como "crianças-índigo" ou dar ouvidos a um imaginário e sinistro guru chamado Ramatis.
Os "espíritas" acham que tudo pode sob o véu da Doutrina Espírita e tentam nos fazer crer que a gororoba que mistura igrejismo e cientificismo representa uma postura "equilibrada" dos ditos "kardecistas".
Não, não é equilibrada. Nem sempre o aparato de "meio-termo" significa um equilíbrio. Muitas vezes, o equilíbrio é apenas formal, pois, se na práxis e no conteúdo as contradições são frequentes e graves, o que ocorre é um desequilíbrio, bem mais preocupante do que se aparentemente fosse adotada uma das duas posições.
Daí que as reações dos contestadores do "movimento espírita" se tornam drásticas. Os "espíritas" respondem a essas reações como atos de "intolerância religiosa" mas nem de longe praticamos isso. Pelo contrário, a intolerância, se existe, é a da mentira, da fraude, da contradição, do engano e da demagogia.
Afinal, não se pode dissimular a prática irregular e deficitária da Doutrina Espírita, no Brasil, com alegações de filantropia. É grave hipocrisia permitir essa irregularidade usando como pretextos coisas como "amparo às crianças" e o "abrigo dos velhinhos".
Isso é cafajestismo, é canalhice, comparável ao de políticos corruptos dando cestas básicas ao povo em plena campanha eleitoral. A postura dúbia nem de longe ajudará na boa compreensão de Allan Kardec, porque o que se observa são atitudes falseadoras.
Essa atitude do "movimento espírita", em suas diversas facções, é a hipocrisia mais deplorável porque ela se esconde em belas palavras e usa bons propósitos como pretextos. Só que sabemos que, de boas intenções "espíritas", o "umbral" está cheio.
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