quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Explicando melhor o erro dos acadêmicos da UFJF sobre "André Luiz"


O erro do trabalho dos acadêmicos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em colaboração com a Universidade de São Paulo, Universidade Anhanguera e Associação Médica Espírita, de atribuir o pioneirismo científico ao fictício André Luiz, requer maiores explicações.

Os autores, Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Jr., Decio Iandoli Jr., Juliane P. B. Gonçalves, e Alessandra L. G. Lucchetti, realizaram seu trabalho de pesquisa, publicado no periódico de uma instituição de menor expressão no meio científico, Neuroendocrinology Letters, intitulado Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence e lançado em 2013.

O trabalho tem como foco o livro Missionários da Luz, de 1945, que o anti-médium mineiro Francisco Cândido Xavier botou na conta do fictício "André Luiz", do qual os autores da monografia alegam possuir conhecimentos que só seriam divulgados na comunidade científica a partir de 1958 e, em vários aspectos, apenas depois de 2005.

Um trecho do referido livro - o trabalho cita outros livros de "André Luiz", mas concentra o foco na obra de 1945 - é atribuído aos autores como "antecipação" do isolamento da melatonina, hormônio expelido pela glândula pineal, que só ocorreu em 1958 pelo cientista norte-americano Aaron Lerner. Diz o trecho, extraído no capítulo dois, A Epífise:

"As glândulas genitais segregam os hormônios do sexo, mas a glândula pineal, se me posso exprimir assim, segrega «hormônios psíquicos» ou «unidades-força» que vão atuar, de maneira positiva, nas energias geradoras. Os cromossomos da bolsa seminal não lhe escapam a influenciação absoluta e determinada."

O argumento dado pelos autores não procede. Não há uma menção de isolamento da melatonina, que só recebeu esse nome pela iniciativa de Aaron Lerner, mas que já era um hormônio estudado por amostras extraídas de bois e vacas, já desde 1917.

Apesar das amostras estudadas terem sido extraídas de animais bovinos, já era de conhecimento na comunidade científica que tais hormônios também eram produzidos no cérebro dos seres humanos, sendo a glândula pineal um tema longamente estudado, com seus conceitos modernos transmitidos a partir de René Descartes (1596-1650).

Os autores alegam que os estudos da glândula pineal, até a época do livro de "André Luiz" - um dos volumes da coleção A Vida no Mundo Espiritual da FEB - , eram associadas especificamente à loucura ou à esquizofrenia, supostamente sem atribuir à glândula pineal e seu hormônio, depois conhecido como melatonina, a função de controle dos impulsos nervosos e, por conseguinte, das emoções.

Há uma grande e grave falha dos autores, que é a ausência de fontes originais anteriores ao livro de 1945, já que a bibliografia aponta para títulos em sua maioria contemporâneos, em sua maioria esmagadora lançados entre 2010 e 2013, data da publicação do ensaio, sendo os títulos mais antigos datados de 1977 e 1979.

Não há um contato direto com as obras originais produzidas entre os anos 1910 e 1940 sobre glândula pineal, nem sequer com o cientista Wolfgang Bargmann, cuja obra de 1943, Handbuch der mikroskopischen Anatomie des Menschen (título que quer dizer Manual da Anatomia Microscópica do Ser Humano), não tem tradução conhecida no Brasil.

Consta-se que, no Brasil de 1943-1945, era conhecido nos meios acadêmicos especializados em anatomia humana, um antigo livro de 1920 dos anatomistas Alfredo Monteiro e Benjamin Batista, Manual de Anatomia Humana, mas falta saber se este livro contou com uma edição revista e atualizada nos anos 1940 ou algum outro livro na época.

O que é certo é que os autores do trabalho não tiveram acesso a livros científicos originais, produzidos até mais ou menos 1943 e 1944, se supormos a "coleta de informações" para o livro Missionários da Luz, daí eles terem um conhecimento superficial e vago do que havia sido produzido de informações sobre a glândula pineal na época do livro de 1945.

60 ANOS DE PIONEIRISMO? NÃO SERIAM DOIS OU MAIS ANOS DE DEFASAGEM?

Os autores do trabalho sobre "André Luiz" não têm, portanto, autoridade para garantir se os conhecimentos "complexos" descritos em Missionários da Luz eram realmente pioneiros ou inéditos, se não tiveram contato com as obras produzidas antes de 1945, que ofereceriam respostas para o suposto pioneirismo do fictício autor "espiritual".

O que eles entendem como pioneirismo de 13 a 63 anos dos "conhecimentos de André Luiz", em relação a dados científicos conhecidos, provavelmente é, na verdade, uma defasagem de dois ou mais anos, porque os dados podem ser, aparentemente, oficialmente publicados em fontes posteriores, mas isso não significa que eles não tenham sido discutidos nem apreciados.

Questões como a liberação de hormônios pela glândula pineal ou funções atribuídas a esse órgão referentes ao controle dos impulsos emocionais são assuntos já descritos bem antes de 1945, descritos em passagens que não constam nas referências pesquisadas pelos autores.

Estas referências citam trabalhos dos anos 1940 de forma superficial, como é de praxe. Elas não iriam descrever rigorosamente todo o conteúdo das antigas obras, o que criou uma "pegadinha" nos autores do trabalho da UFJF de que os "conhecimentos de André Luiz" não foram analisados pela comunidade científica da época de Missionários da Luz.

Tais conhecimentos "complexos" foram discutidos na época, e muito, e muitos conceitos atribuídos ao "pioneirismo" do fictício "espírito", na verdade, eram conhecidos, sim, na bibliografia "extremamente escassa e altamente conflituosa" sobre o assunto. E até que ponto essa bibliografia era escassa e apresentava conflitos?

Isso os autores foram bastante superficiais. Primeiro, a bibliografia pode não ter sido exatamente escassa, já que, pesquisando aqui ou ali, havia muitos trabalhos sobre anatomia humana e, em particular, sobre glândula pineal, produzidos até 1945. Segundo, é da natureza do debate científico que as informações tenham sido "altamente conflituosas". Faz parte do processo.

Muito provavelmente, algum livro da época foi consultado pelos editores da FEB ou levado à luz por consultores científicos, e das teses "conflituosas" uma delas foi abraçada por "André Luiz" para seu panfletarismo religioso travestido de ciência.

O fato de um assunto só ganhar "confirmação" anos depois não significa que ele não tenha sido discutido antes. Uma descoberta científica, muitas vezes, confirma hipóteses que são trabalhadas até mesmo duas ou três décadas antes. E é isso que provavelmente pode ter ocorrido com a glândula pineal.

Mesmo sem conclusões rigorosamente definitivas, as justificativas que apresentamos já são suficientes para desqualificar a tese de "pioneirismo" de "André Luiz". O que ocorreu, em Missionários da Luz, não foi um pioneirismo de até seis décadas, mas uma defasagem de, pelo menos, dois anos.

Não foi desta vez que Chico Xavier pôde ser aceito pela comunidade científica. Sentimos muito.

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