terça-feira, 30 de dezembro de 2014
Chico Xavier, fraudes de materialização e o caso Otília Diogo
Entre 1953 e 1965, o anti-médium mineiro Francisco Cândido Xavier esteve associado a supostos processos de materialização, que se mostravam demasiado suspeitos. Mas ele não foi o primeiro utilizado pela FEB para processos fraudulentos de suposta materialização. Eles haviam acontecido desde 1921.
Em 1936, há registros em livros de estranhas materializações, sempre manifestas com figuras vestidas de roupas brancas, portando gaze, algodão, fotos mimeografadas de pessoas falecidas, entre outros artifícios. Estranhamente, as "materializações" eram registradas em fotografias de péssima qualidade, para não dar nitidez a irregularidades.
FALSA MATERIALIZAÇÃO ATRIBUÍDA AO MAESTRO ITALIANO ETTORE BOSIO, EM 1936.
Um dos registros antigos de suposta materialização foi registrado por uma provável reedição, em 1936, do livro O Trabalho dos Mortos, de Raymundo Nogueira de Faria, originalmente lançado em 1921. O livro foi editado pela FEB.
Nela se observa, entre outras coisas, uma suposta materialização atribuída ao maestro italiano radicado no Brasil, Ettore Bosio, que havia falecido pouco antes, em 1936. Embora os partidários da FEB aleguem que tais "materializações" eram "impossíveis" de se constituírem em fraudes, note-se que a foto confirma o caráter grotesco da medida.
Na foto atribuída ao espírito de Ettore Bosio, o que se observa é a presença de um modelo, vestindo uma enorme roupa branca, os pés descalços com meias, e sobre a cabeça algo que parece um cesto de flores, onde aparece a foto de Ettore, que mais parece uma fotocópia mimeografada. Uma fraude grosseira, diga-se de passagem, da qual seria impossível, isso sim, alegar veracidade.
FOTO DE SUPOSTA MATERIALIZAÇÃO, EM 1953, ATRIBUÍDA AO ESPÍRITO DE CAMERINO, QUE TERIA VIVIDO NO INTERIOR DE MINAS GERAIS.
Chico Xavier participou dos processos de suposta materialização, fazendo acompanhamento e escrevendo atestados "comprovando" a materialização, em documentos assinados por ele e outros "especialistas" e membros de entidades "espíritas".
SUPOSTA MATERIALIZAÇÃO DE UMA "AMIGA DE CHICO XAVIER", DEPOIS DIFUNDIDA COMO A MEIMEI, E ATESTADO ASSINADO PELO ANTI-MÉDIUM.
Entre vários indivíduos associados à suposta materialização, esteve uma que, a princípio, foi anunciada como "amiga espiritual" de Chico Xavier. Mais tarde, ela foi creditada como Irma de Castro Rocha, a Meimei, que foi, junto com Humberto de Campos, uma das maiores obsessões de Chico Xavier, sob o ingênuo consentimento do viúvo da jovem, o esportista Arnaldo Rocha.
SUPOSTA MATERIALIZAÇÃO DE MEIMEI E UMA DAS FOTOS DA FALECIDA JOVEM.
A irregularidade que se observa, no caso da suposta materialização de Meimei é a desproporcionalidade, na foto que vemos acima, da cabeça do suposto espírito - na verdade uma modelo coberta de véu com uma foto mimeografada de uma mulher (da qual se tem dúvidas que tenha sido uma foto de Meimei) e o formato da cabeça de Meimei em vida.
Note-se que a cabeça do "espírito" é bem menor, não correspondendo ao rosto comprido e de testa relativamente alta que a jovem teve em vida. Além disso, a colocação do rosto do "espírito" parece grotesca com um contraste de luzes que não condiz ao ambiente.
SUPOSTA MATERIALIZAÇÃO DE EMMANUEL E A IMAGEM UTILIZADA, OFUSCADA PELA ILUMINAÇÃO.
Por volta de 1954, uma outra suposta materialização parecia encerrar o ciclo de práticas semelhantes com a participação de Chico Xavier. Num "centro espírita" de Belo Horizonte, preparou-se a "recepção" de Emmanuel, o mentor de Chico, numa plateia em que o deslumbrado viúvo de Meimei estava presente.
Arnaldo Rocha, guiado por sua emotividade para aderir ao "espiritismo" chiquista por conta da exploração que Chico fez do espírito de Meimei, havia feito declarações apenas mencionando informações diferentes sobre a altura do jesuíta, conforme registros em fontes indicadas:
"A materialização de Emmanuel foi magnífica! Emmanuel é um belíssimo tipo de homem. Atlético, alto, provavelmente 1 metro e 90 centímetros de altura. Sua voz clara, forte, baritonada, suave mas enérgica, impressionou-nos muito. O andar e os gestos elegantes, simples, porém aristocráticos. No grande e largo tórax um luzeiro multicolorido. Na mão direita, erguida, trazia uma tocha luminescente e sua presença sempre irradiava paz, harmonia, beleza e felicidade".
(Chico Xavier - Mandato de Amor)
"Não posso deixar de mencionar as materializações de Nina Ameira, de Meimei, de minha mãe, e a fantástica materialização de Emmanuel, de cujo episódio, aliás, gosto de citar um aspecto científico da manifestação espiritual: como todo mundo sabe, o Chico era um homem baixo, mas, no momento do transe, uma luz começou a projetar um vulto luminoso de um homem de mais ou menos uns um metro e oitenta centímetros de altura, de compleição atlética, bonito, com voz enérgica e doce ao mesmo tempo, a portar uma tocha incandescente na mão".
(Carlos Alberto Braga Costa - Chico, Diálogos e Recordações)
No entanto, mesmo a suposta materialização de Emmanuel pode ter sido uma farsa. É coerente que Emmanuel tenha sido um dos poucos espíritos que realmente se manifestaram sobre Chico Xavier, até pela forte semelhança de atitudes, ideias e posturas referentes ao padre Jesuíta Manuel da Nóbrega, conhecido nosso através das aulas de História.
Todavia, o que se observou na "materialização" foi o espetáculo patético em que uma maquete, provavelmente montada com lâmpadas de luz neon, aparece com o "tronco" de seu corpo assemelhado ao do Cristo Redentor, numa atitude forçadamente oportunista de associar o jesuíta a um dos mais antigos ativistas humanitários de nossa era.
Sobre essa maquete, inseriu-se a famosa imagem de Emmanuel que circula na Internet e que teria sido mimeografada. A iluminação na foto, de qualidade precária e originalmente em preto e branco e só colorizada nos dias atuais pela computação gráfica - apenas mostrou vagamente o topete de Emmanuel.
O mentor de Chico Xavier, "suave mas enérgico", tinha sua suposta aparição conduzida provavelmente por um locutor escondido no local que, com a voz em off, fazia sua imitação do que entendia como um "enérgico romano" (Emmanuel é associado à figura de um governador ou senador Públio Lentulus, que nunca existiu - houve apenas homônimos sem relação com ele).
Nela, o suposto Emmanuel aconselhava Chico Xavier, de forma gentil e simpática, a abandonar os rituais de materialização, com um discurso que foi registrado no acima citado livro Chico Xavier - Mandato de Amor, lançado pela Unão "Espírita" Mineira em 1992:
"Eu não quero! Eu não quero que o Chico sirva de médium de materialização. A sua missão é a missão do Livro! Não é médium com tarefas de efeitos físicos… Amigos, a materialização é fenômeno que pode deslumbrar alguns companheiros e até beneficiá-los com a cura física. Mas o livro é chuva que fertiliza lavouras imensas, alcançando milhões de almas. Rogo aos amigos a suspensão destas reuniões a partir desse momento".
Apesar da advertência, Chico Xavier continuou acompanhando processos de falsa materialização, que ocorreram de maneira intensa nos anos de 1963 e 1964. Uma suposta materialização, cheia de irregularidades, envolveu até o presidente dos EUA, John Kennedy, assassinado durante um desfile em carro aberto em Dallas, no Texas, em novembro de 1963.
A suposta materialização de John Kennedy e uma mulher atribuída à sua irmã Rose revela uma série de irregularidades, todas muito graves. Para começar, Kennedy aparecia sempre com o mesmo sorriso, quando sabemos que uma autoridade não ficava o tempo sorrindo, caso contrário seria um completo pateta.
E Kennedy era um dos líderes da geopolítica mundial, ficava boa parte do tempo em expressões sérias e graves. Mas eis que se compara o suposto rosto do "espírito John Kennedy" com a capa de uma das edições da revista Manchete, muito vendida na época da morte do presidente, O pseudo-Kennedy que sorria feito um débil-mental não era mais do que uma fotocópia mimeografada.
Mas o pior foi a grotesca desinformação sobre a "moça" que aparece ao lado dele. Atribuiu-se ao espírito de Rose Kennedy, irmã do presidente, constituindo numa gravíssima falha. Afinal, Rose estava viva na ocasião do processo - ela só faleceu, idosa, em 2005 - e sua aparência real era bem diferente da modelo usada para representá-la na suposta materialização.
Nota-se que a modelo nem de longe se parecia com John Kennedy, e, numa comparação entre a aparência da suposta "Rose Kennedy" com a aparência que Rose (na época muito viva e bem de saúde) teve, evidentemente a verdadeira Rose tinha mais semelhanças com o falecido irmão do que a anônima modelo usada em foto mimeografada para a falsa materialização.
CHICO ACOMPANHOU, COM APOIO ENTUSIASMADO, A FARSA PRODUZIDA POR OTÍLIA DIOGO.
O que se observa é que Chico Xavier acompanhou com natural entusiasmo os processos de falsa materialização comandados pela astuciosa Otília Diogo, que se dizia médium e prometia mediar a materialização da irmã Josefa e do doutor Alberto Veloso.
OTÍLIA DIOGO SE PASSANDO PELA MATERIALIZAÇÃO DO FALECIDO MÉDICO ALBERTO VELOSO.
Mesmo quando se acredita que Chico Xavier era totalmente cego - consta-se que ele apenas tinha um sério problema de visão - , ele não teria sido ingênuo a ponto de acompanhar as fraudes de Otília Diogo ou de outras nos anos 50 e não saber do que se trata. Os próprios atestados assinados por Chico eram uma forma de autenticar tais fraudes grosseiramente armadas.
Otília passou os anos de 1963, 1963 e 1965 realizando tais rituais, sob o acompanhamento de Chico Xavier e Waldo Vieira (o homem que inventou André Luiz e hoje está ligado à Conscienciologia), e teria supostamente promovido as "materializações" de Josefa, do dr. Alberto e de um suposto indiozinho chamado Adri.
ATRIZ SIMULAVA A FRAUDE DE OTÍLIA DIOGO E OBJETOS USADOS NO PROCESSO ERAM APRESENTADOS À REPORTAGEM DE O CRUZEIRO.
A coisa ia bem até que, na edição de 27 de outubro de 1970, da revista O Cruzeiro - a mesma que, 26 anos antes, investigava o fenômeno Chico Xavier - , Otília Diogo, que trabalhava em "centros espíritas" de Uberaba e Andradas, também no interior mineiro, era desmascarada por uma reportagem investigativa, feita por Luiz Antônio Luz e Carlos Piccino.
As fraudes eram analisadas e investigadas há tempos, mas só em 1970 foram colhidas provas das mesmas, e, uma vez publicada a reportagem, partidários de Otília e Chico Xavier, indignados, lançavam matérias pagas para serem publicadas em outros jornais e revistas fazendo acusações indevidas aos dois jornalistas e outros envolvidos, entre eles o renomado Mário de Moraes.
Os diversos jornalistas que trabalharam na averiguação das fraudes chegaram mesmo a ser manipulados por "espíritas" engajados com as "materializações" ou delas simpatizantes na tentativa de serem despistados e não puderem conhecer as provas das irregularidades cometidas.
No entanto, a habilidade dos jornalistas permitiu outras formas de encontrar as provas e elas acabaram sendo colhidas. Uma mala de viagem, observada por um cirurgião que fez plásticas no rosto de Otília, foi encontrada e causou muita suspeita. Nela foram encontrados, depois, objetos usados nas fraudes, como a barba postiça do "dr. Alberto" e a roupa da "irmã Josefa".
Foi chamada uma atriz, Maria Viana, para reconstituição das fraudes de Otília Diogo, que incluíram até o cálculo do ilusionismo, quando o suposto espírito atravessava a grade de uma cela onde ela aparecia, e a habilidade com que ela trocava de roupa para fazer suas encenações.
A repercussão foi negativa e Otília teve que fugir para o interior paulista, para não ser presa por charlatanismo. Restou aos líderes "espíritas" admitir toda responsabilidade para ela. Chico Xavier, cúmplice das fraudes, saiu ileso, a ponto de, no ano seguinte, ser entrevistado no Pinga Fogo da TV Tupi de São Paulo, dos mesmos donos da revista O Cruzeiro, os Diários Associados.
No entanto, existem provas de que Chico Xavier apoiou com entusiasmo as fraudes de materialização. Assinou atestados, acompanhou os bastidores, conversava com os fraudadores animadamente.
Sim, o Chico de "palavras amorosas" que "ficava muito triste" quando se fazia acusações contra ele. O Chico das "palavras de amor" que os incautos compartilham nas mídias sociais. É o "amor" usado como desculpa para se permitir tantas mentiras, erros e fraudes propositalmente cometidos mas que precisam ser impunes sob o pretexto do "perdão"...
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