FOTO CATÓLICA COM UM MODELO REPRESENTANDO JESUS ABRAÇANDO UM ANÔNIMO SEGUIDOR...
Que o "espiritismo" é voltado a uns plágios, isso é verdade. A literatura de Francisco Cândido Xavier é um claro exemplo disso, com plágios diversos daqui e dali, em muitos casos norteando obras inteiras, como o livro inglês A Vida Além do Véu, de George Vale Owen, cujo enredo de uma fictícia cidade espiritual inspirou Nosso Lar.
Os plágios vieram desde Parnaso de Além-Túmulo e as pessoas não perceberam que o mal em questionar a veracidade de uma obra não está nas semelhanças, até porque a obra falsa sempre tem que apresentar algum elemento similar à original.
O propósito do falso é parecer verdadeiro e a falsidade pode ser identificada pela diferença, quando ela contradiz com muitas caraterísticas da obra original. E é isso que muitos não conseguem enxergar e tomam Chico Xavier como autêntico até quando cartas "mediúnicas" revelam ter somente o estilo e a caligrafia pessoal do "médium" mineiro.
Mas os plágios não param por aí. Ilustrações referentes a eventos ou ícones "espíritas" mostram o quanto o "espiritismo" brasileiro tem um certo apreço à cópia. Mostramos dois exemplos de como os "espíritas" podem ser copiadores descarados, usando ilustrações que nada têm a ver com sua doutrina para inserirem nelas "adaptações" que lhes são próprias.
...FOI RETRABALHADA PELO PHOTOSHOP PARA INSERIR UM SORRIDENTE CHICO XAVIER.
A famosa ilustração de Chico Xavier abraçado a um hipotético Jesus Cristo - estranhamente roliço - , que existe até em capa de livro "espírita", foi na verdade uma montagem de uma foto católica, em que esse mesmo "Jesus" aparece abraçando um anônimo.
A imagem é difundida pelos católicos e parece ter origem estrangeira. O anônimo abraçado ao modelo que representa Jesus tem um aspecto de norte-americano de ascendência irlandesa, e o caráter tendencioso da montagem brasileira revela um Chico Xavier fazendo um sorriso afoito, do contrário à imagem entristecida do anônimo da imagem original.
JÁ A IMAGEM DA SUPOSTA CIDADE ESPIRITUAL DE NOSSO LAR...
A suposta cidade espiritual de Nosso Lar, na época da produção do filme baseado no referido livro, também mostra um plágio feito em relação ao desenho de como seria essa suposta cidade, em tons futuristas, que gerou até uma capa provisória para o livro de Chico Xavier.
FOI ORIGINALMENTE TIRADA DE UM PROJETO DE CIDADE FUTURISTA DESENHADO POR ARQUITETOS MEXICANOS.
Pois o desenho que ilustra a suposta colônia de Nosso Lar foi retirado de uma ilustração mexicana, publicada no portal Ready2Go, do que seria uma cidade futurista no México. Nota-se que as pessoas utilizadas são quase as mesmas, apenas inserindo os personagens da suposta colônia espiritual.
O portal mencionava as perspectivas para o novo urbanismo, principalmente nas capitais da América Latina, a partir do caso do México. Os trajes mostravam diversas cores e tipos, o que contradiz com a ênfase nos trajes exclusivamente brancos, lembrando pijamas hospitalares, que se atribuíam aos moradores de Nosso Lar.
Como se nota, no "espiritismo" nada se cria, tudo se copia. Enquanto isso, o exemplo de Allan Kardec e seu sistema de pensamento nem de longe chega a ser devidamente reproduzido pelo "movimento espírita" que tanto alega "rigorosa e inabalável fidelidade".
segunda-feira, 30 de novembro de 2015
domingo, 29 de novembro de 2015
Malcolm Muggeridge ajudou a reinventar o "espiritismo" brasileiro
O "espiritismo" deve muito a Malcolm Muggeridge. O falecido jornalista britânico, através do documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), sobre Madre Teresa de Calcutá, realizado em 1969, estabeleceu os paradigmas ideológicos de uma concepção conservadora de caridade, que norteia as várias seitas religiosas ocidentais, inclusive a "espírita".
Crianças pobres sentadas à mesa tomando sopa? Velhinhas sentadas com uma das mãos estendida para receber esmolas? Filantropos segurando bebês no colo e saudando velhinhos miseráveis? Figuras religiosas percorrendo as cidades e sendo cumprimentados pelas pessoas em sua volta?
O roteiro de Muggeridge criou um estereótipo da caridade, combinando moralismo religioso com sensacionalismo midiático. É uma caridade transformada não só em espetáculo, como numa espécie de acalanto ideológico que tranquiliza as pessoas, capazes de santificar qualquer um que siga esse roteiro da encenação "real" da filantropia paliativa.
Essa ideologia da caridade consiste em uma campanha publicitária filantrópica. Velhos miseráveis, crianças carentes, senhoras tristonhas, enrugadas ou subnutridas, mesmo gordinhas, viram garotos-propagandas desse espetáculo da filantropia midiática, do pretenso ativismo que é promovido como se fosse o "mais puro ativismo social" pelo discurso feito pela mídia e pela publicidade.
A ideologia é persuasiva. Apela para discursos emotivos, não raro sucumbindo à mais aberta pieguice. Tudo é feito para estimular o sentimentalismo, enquanto a ideia de caridade se submete a meros atos donativos e ações paliativas, que apenas "melhoram" sem eliminar por definitivo as injustiças sociais.
Mensagens clichês que apelam pela "sabedoria do coração", ao "amor que tudo pode", à "razão que a própria razão conhece", temperam esse discurso de doçura, desse marketing da caridade que soa como um conto-de-fadas para adultos.
A sacarose ideológica que tudo isso representa, e que surgiu como um engenhoso discurso do documentário de Muggeridge, pode não ser um dado inédito na ideologia da filantropia, mas foi através do jornalista inglês que essa ideologia ganhou contornos bem definidos e que influenciou no modo de ver a religiosidade e a caridade feita sob os limites da fé e do assistencialismo.
COMO O DOCUMENTÁRIO INFLUENCIOU O "ESPIRITISMO"
Até os brasileiros tomarem conhecimento do documentário de Malcolm, já na década de 1970, o "espiritismo" brasileiro era uma doutrina considerada excêntrica e trabalhava sua ideologia filantrópica de maneira confusa e quase brutal. Ela se alimentava mais pelo sensacionalismo místico e pelos livros moralistas do que por qualquer pretenso ativismo.
Não que essa aparente filantropia não tivesse sido feita pelo "movimento espírita". Através de Francisco Cândido Xavier, ela havia sido feita já desde meados dos anos 1930. Mas ela ganhou um caráter mais sofisticado depois que a doutrina brasileira tomou conhecimento do documentário britânico.
Com isso, as velhas táticas da Federação "Espírita" Brasileira tinham que ser revistas. E ainda havia a crise do roustanguismo, que fez com que o advogado francês que lançou Os Quatro Evangelhos, Jean-Baptiste Roustaing, fosse visto como uma figura aparentemente abominável.
Mas isso se deu porque os espíritas autênticos, como Herculano Pires, Gélio Lacerda e outros, o que fez isolar os roustanguistas radicais e fazer com que outros adeptos de Roustaing se tornassem mais enrustidos ("enrustanguidos"?), dando origem à atual postura dúbia que o "movimento espírita" adota, uma fingida fidelidade a Allan Kardec aliada a ideais roustanguistas menos polêmicos.
Com as crises e conflitos internos no "movimento espírita", a "filantropia" de Malcolm Muggeridge caiu feito luva. Mais tarde, reportagens sobre Chico Xavier na Rede Globo romperam com a imagem do polêmico paranormal para construir um verniz de "filantropia" no anti-médium mineiro.
A TV Tupi, antes o principal veículo televisivo para trabalhar o mito de Chico Xavier, estava falindo, mas mesmo assim a influência do anti-médium pôde ser inserida na novela A Viagem, de Ivani Ribeiro, exibida em 1975. O enredo era claramente inspirado em Nosso Lar, aliado às mesmas narrativas de dramas familiares que constituiu o ideário "espírita".
Mas o trabalho mais ambicioso foi com a Rede Globo, cuja empresa, as Organizações Globo, chegou a ser hostil com o anti-médium, vide o caso do sobrinho Amaury Xavier Pena. Mas passou a época dos católicos ferrenhos que atacaram o mineiro. Gustavo Corção, católico da direita mais reacionária, morreu em 1978. Alceu Amoroso Lima virou opositor da ditadura militar.
Com o caminho livre na corporação de Roberto Marinho - hoje administrada pelos filhos, ainda mais fiéis ao mito de "caridoso" de Chico Xavier - , noticiários como Jornal Nacional, Fantástico e Globo Repórter trabalhavam o mito com a mesma cartilha de Malcolm Muggeridge. Era como se o documentário sobre Madre Teresa de Calcutá tivesse ganho adaptação brasileira.
Em reportagens e programas documentários, Chico Xavier era trabalhado com todos os ingredientes do documentário britânico: idas a casas de caridade para ver pessoas carentes, pegar bebês no colo, ser saudado pela multidão nas ruas, enquanto as câmeras focalizavam velhinhos e doentes deitados nas camas, crianças negras e pobres tomando sopa etc.
Dessa forma, Malcolm Muggeridge simplesmente reinventou o "espiritismo" brasileiro, dando a ele os ingredientes ideológicos do documentário de 1969. E não foi só Chico Xavier, mas Divaldo Franco e a totalidade do "movimento espírita" que resolveu aproveitar esse verniz de filantropia cuja única contribuição real é ativar o sentimentalismo piegas dos deslumbrados.
Afinal, é uma caridade paliativa, sem grandes transformações, que apenas ajuda as pessoas carentes dentro dos limites que não ameacem os privilégios dos poderosos. Dessa forma, doações de cestas básicas, alojamentos e projetos educacionais acontecem sem que se mexa nas estruturas dominantes. Uma caridade feita mais para causar emoção no público do que trazer melhorias sociais profundas.
sábado, 28 de novembro de 2015
Suposto Allan Kardec foi o primeiro 'fake' do "movimento espírita"
DESCARAMENTO PURO - Edição de livro "pirata" com imagem de Allan Kardec.
Sabemos que as fraudes mais conhecidas cometidas sob o patrocínio da Federação "Espírita" Brasileira estão voltados sobretudo a Francisco Cândido Xavier e seus discípulos. Mas, nos primórdios da FEB, uma fraude em igual nível vergonhoso foi cometida, ainda no século XIX, constituindo no primeiro fake difundido pelo "movimento espírita".
Trata-se da usurpação do próprio nome de Allan Kardec, "evocado" para apoiar o roustanguismo defendido pela FEB, sob a alegação de que o mistificador Jean-Baptiste Roustaing, responsável pelo livro Os Quatro Evangelhos, seria apenas um "modernizador" e "complementador" do pensamento kardeciano, o que se comprovou ideia falsa que até envergonhou parte de seus seguidores.
O falso Allan Kardec havia difundido uma mensagem intitulada "Instruções de Allan Kardec aos Espíritas do Brasil", no Grupo Espírita Fraternidade, no Rio de Janeiro, em 05 de fevereiro de 1889, cinco anos após o surgimento da FEB e 21 antes do nascimento de Chico Xavier.
Trata-se de um Kardec irreconhecível, igrejista, prolixo, por vezes agressivo, que escreve jargões que o professor lionês nunca iria citar e que são próprias do imaginário de Roustaing, autor que, sabemos, foi reprovado pelo próprio Kardec. Note-se que o tom da mensagem está muito mais para um padre do que para um pedagogo, e o texto diverge completamente da linguagem kardeciana.
O texto é longo, com 11 páginas, das quais selecionaremos alguns trechos. A mensagem já começa com um tom igrejista e com sentimentalismo piegas, elementos estranhos às ideias e ao texto preciso de Allan Kardec:
Paz e amor convosco.
Que possamos ainda uma vez, unidos pelos laços da fraternidade, estudar essa doutrina de paz e de amor, de justiça e de esperanças, graças à qual encontraremos a estreita porta da salvação futura — o gozo indefinido e imorredouro para as nossas almas humildes.
Antes de ferir os pontos que fazem o objetivo da minha manifestação, devo pedir a todos vós que me ouvis - a todos vós espíritas a quem falo neste momento - que me perdoeis se porventura, na externação dos meus pensamentos, encontrardes alguma coisa que vos magoe, algum espinho que vos vá ferir a sensibilidade do coração.
O cumprimento do dever nos impõe usemos de linguagem franca, rude mesmo. Por isso que cada um de nós tem uma responsabilidade individual e coletiva e, para salvá-la, lançamos mão de todos os meios que se nos oferecem, sem contarmos, muitas vezes, com a pobreza da nossa inteligência, que não nos permite dizer aquilo que sentimos sem magoar, não raro, corações amigos, para os quais só desejamos a paz, o amor e as doçuras da caridade.
A estranha ênfase na caridade e na fraternidade, defendidas com paixão exagerada no vazio de ideias da referida "instrução", o pseudo-Kardec escreve muito para nada dizer, o que dá um tom evidente do texto como sendo não uma mensagem de um pedagogo aos brasileiros, mas o de um sermão de um padre católico impresso.
Corridos os séculos, desenvolvido intelectualmente o espírito humano, Deus, na sua sabedoria, achou que era chegado o momento de convidar os homens à meditação do Evangelho - precioso livro de verdades divinas - até então ensombrado pela letra, devido à deficiência da percepção humana para compreendê-lo em espírito.
Por toda a parte se fez luz; revelou-se à Humanidade o Consolador prometido, recebendo os
povos - de acordo com o seu preparo moral e intelectual - missões importantes, tendentes a acelerar a marcha triunfante da Boa-Nova!
Todos foram chamados: a nenhum recesso da Terra deixou de apresentar-se o Consolador em nome desse Deus de misericórdia, que não quer a morte do pecador - nem o extermínio dos ingratos - e sim os deseja ver remidos dos desvarios da carne, da obcecação dos instintos.
Sendo assim, a esse pedaço de terra, a que chamais Brasil, foi dada também a Revelação da Revelação, firmando os vossos Espíritos, antes de encarnarem, compromissos de que ainda não vos desobrigastes. E perdoai que o diga: tendes mesmo retardado o cumprimento deles e de graves deveres, levados por sentimentos que não convém agora perscrutar.
Observa-se, nessa declaração igrejista, cheia de "enrolação" de caráter religioso, e, portanto, diferente do que Kardec realmente escreveria se caso se dirigisse aos brasileiros, que o "alam cardeque" da mensagem em questão contraria o pedagogo ao definir o Evangelho como "livro de verdades divinas".
É bom deixar claro que o verdadeiro Allan Kardec, ao publicar O Evangelho Segundo o Espiritismo, chegou a pensar em publicá-lo usando o termo francês imitation, que tanto pode ser "imitação", mas deve ser entendido pelo sinônimo menos conhecido, "interpretação". Em outras palavras, Kardec questionava o Evangelho e o analisava como um cientista, buscando a lógica e não a fé.
Observa-se também o termo Revelação da Revelação, expressão que é o subtítulo do livro Os Quatro Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing, o que contraria severamente a natureza da mensagem ser realmente de autoria de Allan Kardec, porque Kardec reprovou Roustaing, vendo na obra deste sérios problemas de metodologia e abordagem.
Ismael, o vosso Guia, tomando a responsabilidade de vos conduzir ao grande templo do amor e da
fraternidade humana, levantou a sua bandeira, tendo inscrito nela - Deus, Cristo e Caridade. Forte pela dedicação, animado pela misericórdia de Deus, que nunca falta aos trabalhadores, sua voz santa e evangélica ecoou em todos os corações, procurando atraí-los para um único agrupamento onde, unidos, teriam a força dos leões e a mansidão dos pombos; onde, unidos, pudessem afrontar todo o peso das iniqüidades humanas; onde, enlaçados num único sentimento - o do amor - pudessem adorar o Pai em Espírito e Verdade; onde se levantasse a grande muralha da fé, contra a qual viessem quebrar-se todas as armas dos inimigos da Luz; onde, finalmente, se pudesse formar um grande dique à onda tempestuosa das paixões, dos crimes e dos vícios que avassalam a Humanidade inteira!
Parágrafo igualmente igrejista, o falso Kardec apela para a exaltação do misterioso espírito Ismael, que constatamos não passar de um personagem fictício, fruto provavelmente de algum zombeteiro que se passou ou intuiu para os "médiuns" inventarem um "mentor espiritual" para o Brasil.
Além disso, soa estranha a "bandeira" que o "alam cardeque" exalta de Ismael - Deus, Cristo e Caridade - , por ser uma causa católica, e mesmo que a ideia de caridade esteja associada a qualidades positivas, nunca o professor lionês investiria nessa tríade, porque ele tinha coisas e tarefas muito mais importantes para fazer.
Observa-se também a citação do termo católico "em Espírito e Verdade", impróprio ao vocabulário kardeciano, mas típico da retórica igrejista trazida por Jean-Baptiste Roustaing. Os termos como "adorar o Pai", "levantasse a grande muralha da fé", "inimigos da Luz" parecem apelos sentimentais e piegas que não correspondem ao pensamento original do pedagogo francês.
Constituiu-se esse agrupamento; a voz de Ismael foi sentida nos corações. Mas, à semelhança das sementes lançadas no pedregulho, elas não encontram terra boa para as suas raízes, e quando aquele anjo bom - aquele Enviado de Deus - julgava ter em seu seio amigos e irmãos capazes de ajudá-lo na sua grande tarefa, santa e boa, as sementes foram mirrando ao fogo das paixões, foram-se encravando na rocha, apesar de o orvalho da misericórdia divina as banhar constantemente para sua vivificação.
Ali, onde a humildade devera ter erguido tenda, o orgulho levantou o seu reduto; ali, onde o amor devia alçar-se, sublime e esplêndido, até junto do Cristo, a indiferença cavou sulcos, à justiça se chamou injustiça, à fraternidade - dissensão!
Mas, pela ingratidão de uns, haveria de sacrificar-se a gratidão e a boa-vontade de outros?
Pelo orgulho dos que já se arvoraram em mestres na sua ignorância, havia de sacrificar-se a humildade do discípulo perfeitamente compenetrado dos seus deveres? Não!
Assim, quando os inimigos da Luz - quando o espírito das trevas julgava esfacelada a bandeira de
Ismael, símbolo da trindade divina; quando a voz iníqua já reboava no Espaço, glorificando o reino das trevas e amaldiçoando o nome do Mártir do Calvário, ele recolheu o seu estandarte e fez que se levantasse pequena tenda de combate com o nome - Fraternidade!
Sabemos que as fraudes mais conhecidas cometidas sob o patrocínio da Federação "Espírita" Brasileira estão voltados sobretudo a Francisco Cândido Xavier e seus discípulos. Mas, nos primórdios da FEB, uma fraude em igual nível vergonhoso foi cometida, ainda no século XIX, constituindo no primeiro fake difundido pelo "movimento espírita".
Trata-se da usurpação do próprio nome de Allan Kardec, "evocado" para apoiar o roustanguismo defendido pela FEB, sob a alegação de que o mistificador Jean-Baptiste Roustaing, responsável pelo livro Os Quatro Evangelhos, seria apenas um "modernizador" e "complementador" do pensamento kardeciano, o que se comprovou ideia falsa que até envergonhou parte de seus seguidores.
O falso Allan Kardec havia difundido uma mensagem intitulada "Instruções de Allan Kardec aos Espíritas do Brasil", no Grupo Espírita Fraternidade, no Rio de Janeiro, em 05 de fevereiro de 1889, cinco anos após o surgimento da FEB e 21 antes do nascimento de Chico Xavier.
Trata-se de um Kardec irreconhecível, igrejista, prolixo, por vezes agressivo, que escreve jargões que o professor lionês nunca iria citar e que são próprias do imaginário de Roustaing, autor que, sabemos, foi reprovado pelo próprio Kardec. Note-se que o tom da mensagem está muito mais para um padre do que para um pedagogo, e o texto diverge completamente da linguagem kardeciana.
O texto é longo, com 11 páginas, das quais selecionaremos alguns trechos. A mensagem já começa com um tom igrejista e com sentimentalismo piegas, elementos estranhos às ideias e ao texto preciso de Allan Kardec:
Paz e amor convosco.
Que possamos ainda uma vez, unidos pelos laços da fraternidade, estudar essa doutrina de paz e de amor, de justiça e de esperanças, graças à qual encontraremos a estreita porta da salvação futura — o gozo indefinido e imorredouro para as nossas almas humildes.
Antes de ferir os pontos que fazem o objetivo da minha manifestação, devo pedir a todos vós que me ouvis - a todos vós espíritas a quem falo neste momento - que me perdoeis se porventura, na externação dos meus pensamentos, encontrardes alguma coisa que vos magoe, algum espinho que vos vá ferir a sensibilidade do coração.
O cumprimento do dever nos impõe usemos de linguagem franca, rude mesmo. Por isso que cada um de nós tem uma responsabilidade individual e coletiva e, para salvá-la, lançamos mão de todos os meios que se nos oferecem, sem contarmos, muitas vezes, com a pobreza da nossa inteligência, que não nos permite dizer aquilo que sentimos sem magoar, não raro, corações amigos, para os quais só desejamos a paz, o amor e as doçuras da caridade.
A estranha ênfase na caridade e na fraternidade, defendidas com paixão exagerada no vazio de ideias da referida "instrução", o pseudo-Kardec escreve muito para nada dizer, o que dá um tom evidente do texto como sendo não uma mensagem de um pedagogo aos brasileiros, mas o de um sermão de um padre católico impresso.
Corridos os séculos, desenvolvido intelectualmente o espírito humano, Deus, na sua sabedoria, achou que era chegado o momento de convidar os homens à meditação do Evangelho - precioso livro de verdades divinas - até então ensombrado pela letra, devido à deficiência da percepção humana para compreendê-lo em espírito.
Por toda a parte se fez luz; revelou-se à Humanidade o Consolador prometido, recebendo os
povos - de acordo com o seu preparo moral e intelectual - missões importantes, tendentes a acelerar a marcha triunfante da Boa-Nova!
Todos foram chamados: a nenhum recesso da Terra deixou de apresentar-se o Consolador em nome desse Deus de misericórdia, que não quer a morte do pecador - nem o extermínio dos ingratos - e sim os deseja ver remidos dos desvarios da carne, da obcecação dos instintos.
Sendo assim, a esse pedaço de terra, a que chamais Brasil, foi dada também a Revelação da Revelação, firmando os vossos Espíritos, antes de encarnarem, compromissos de que ainda não vos desobrigastes. E perdoai que o diga: tendes mesmo retardado o cumprimento deles e de graves deveres, levados por sentimentos que não convém agora perscrutar.
Observa-se, nessa declaração igrejista, cheia de "enrolação" de caráter religioso, e, portanto, diferente do que Kardec realmente escreveria se caso se dirigisse aos brasileiros, que o "alam cardeque" da mensagem em questão contraria o pedagogo ao definir o Evangelho como "livro de verdades divinas".
É bom deixar claro que o verdadeiro Allan Kardec, ao publicar O Evangelho Segundo o Espiritismo, chegou a pensar em publicá-lo usando o termo francês imitation, que tanto pode ser "imitação", mas deve ser entendido pelo sinônimo menos conhecido, "interpretação". Em outras palavras, Kardec questionava o Evangelho e o analisava como um cientista, buscando a lógica e não a fé.
Observa-se também o termo Revelação da Revelação, expressão que é o subtítulo do livro Os Quatro Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing, o que contraria severamente a natureza da mensagem ser realmente de autoria de Allan Kardec, porque Kardec reprovou Roustaing, vendo na obra deste sérios problemas de metodologia e abordagem.
Ismael, o vosso Guia, tomando a responsabilidade de vos conduzir ao grande templo do amor e da
fraternidade humana, levantou a sua bandeira, tendo inscrito nela - Deus, Cristo e Caridade. Forte pela dedicação, animado pela misericórdia de Deus, que nunca falta aos trabalhadores, sua voz santa e evangélica ecoou em todos os corações, procurando atraí-los para um único agrupamento onde, unidos, teriam a força dos leões e a mansidão dos pombos; onde, unidos, pudessem afrontar todo o peso das iniqüidades humanas; onde, enlaçados num único sentimento - o do amor - pudessem adorar o Pai em Espírito e Verdade; onde se levantasse a grande muralha da fé, contra a qual viessem quebrar-se todas as armas dos inimigos da Luz; onde, finalmente, se pudesse formar um grande dique à onda tempestuosa das paixões, dos crimes e dos vícios que avassalam a Humanidade inteira!
Parágrafo igualmente igrejista, o falso Kardec apela para a exaltação do misterioso espírito Ismael, que constatamos não passar de um personagem fictício, fruto provavelmente de algum zombeteiro que se passou ou intuiu para os "médiuns" inventarem um "mentor espiritual" para o Brasil.
Além disso, soa estranha a "bandeira" que o "alam cardeque" exalta de Ismael - Deus, Cristo e Caridade - , por ser uma causa católica, e mesmo que a ideia de caridade esteja associada a qualidades positivas, nunca o professor lionês investiria nessa tríade, porque ele tinha coisas e tarefas muito mais importantes para fazer.
Observa-se também a citação do termo católico "em Espírito e Verdade", impróprio ao vocabulário kardeciano, mas típico da retórica igrejista trazida por Jean-Baptiste Roustaing. Os termos como "adorar o Pai", "levantasse a grande muralha da fé", "inimigos da Luz" parecem apelos sentimentais e piegas que não correspondem ao pensamento original do pedagogo francês.
Constituiu-se esse agrupamento; a voz de Ismael foi sentida nos corações. Mas, à semelhança das sementes lançadas no pedregulho, elas não encontram terra boa para as suas raízes, e quando aquele anjo bom - aquele Enviado de Deus - julgava ter em seu seio amigos e irmãos capazes de ajudá-lo na sua grande tarefa, santa e boa, as sementes foram mirrando ao fogo das paixões, foram-se encravando na rocha, apesar de o orvalho da misericórdia divina as banhar constantemente para sua vivificação.
Ali, onde a humildade devera ter erguido tenda, o orgulho levantou o seu reduto; ali, onde o amor devia alçar-se, sublime e esplêndido, até junto do Cristo, a indiferença cavou sulcos, à justiça se chamou injustiça, à fraternidade - dissensão!
Mas, pela ingratidão de uns, haveria de sacrificar-se a gratidão e a boa-vontade de outros?
Pelo orgulho dos que já se arvoraram em mestres na sua ignorância, havia de sacrificar-se a humildade do discípulo perfeitamente compenetrado dos seus deveres? Não!
Assim, quando os inimigos da Luz - quando o espírito das trevas julgava esfacelada a bandeira de
Ismael, símbolo da trindade divina; quando a voz iníqua já reboava no Espaço, glorificando o reino das trevas e amaldiçoando o nome do Mártir do Calvário, ele recolheu o seu estandarte e fez que se levantasse pequena tenda de combate com o nome - Fraternidade!
Tentando dizer pouco em muitas e muitas palavras, sempre no tom igrejista e piegas, o falso Kardec exagera na defesa da "fraternidade" como se ela fosse uma ideia solta, e, neste trecho, ele escreve com palavras agressivas, além de um texto rebuscado cheio de apostos - há a citação de Jesus como o "Mártir do Calvário" - cujo sentimentalismo é impróprio da escrita de Allan Kardec.
Observa-se o uso da expressão "espírito das trevas", que o pedagogo francês nunca utilizaria, por ele não acreditar na ideia do "umbral", o "inferno espírita". Descrever Ismael como "símbolo da trindade divina" é um duplo equívoco, porque Kardec nunca iria exaltar um estranho como Ismael e, cético, o fundador da Doutrina Espírita tinha dúvidas quanto ao valor da ideia da "santíssima trindade".
Certos de que acaso é palavra sem sentido, e testemunhas dos fatos que determinaram o levantamento dessa tenda, todos os espíritas tinham o dever sagrado de vir aqui se agruparem - ouvir a palavra sagrada do bom Guia Ismael - único que dirige a propaganda da Doutrina nesta parte do planeta e único que tem a responsabilidade da sua marcha e desenvolvimento.
Mas, infelizmente, meus amigos, não pudestes compreender ainda a grande significação da palavra - Fraternidade!
O estranho Allan Kardec apela, até com exagero, para os espíritas seguirem o "bom guia Ismael", e atribui a ele, e não ao próprio pedagogo francês, a missão de ser "o único que dirige a propaganda da Doutrina (Espírita) nesta parte do planeta e único que tem a responsabilidade da sua marcha e desenvolvimento". Se levarmos isso como recado de Kardec, então ele renega a própria obra.
Não é um termo, é um fato; não é uma palavra vazia, é um sentimento, sem o qual vos achareis sempre fracos para essa luta que vós mesmos não podeis medir, tal a sua extraordinária grandeza!
Ismael tem o seu Templo, e sobre ele a sua bandeira - Deus, Cristo e Caridade! Ismael tem a sua pequenina tenda, onde procura reunir todos os seus irmãos - todos aqueles que ouviram a sua palavra e a aceitaram por verdadeira: e chama-se Fraternidade!
Pergunto-vos: Pertenceis à Fraternidade? Trabalhais para o levantamento desse Templo cujo lema é: Deus, Cristo e Caridade?
Como, e de que modo?
Apelo igrejista, escrito em tons agressivos e apaixonados. Nada que possa se reconhecer como mensagem de Allan Kardec. A perda de tempo de enfatizar a palavra Fraternidade como uma palavra solta - apesar do pseudo-Kardec negar que seja "um termo" ou uma "palavra vazia", e a insistência em defender Ismael e seu Templo, assim como o tema igrejista "Deus Cristo e Caridade", fazem o texto ser bastante longo e chato, sobretudo nesse apelo bastante agressivo.
Eles não obedecem a diversas orientações, nem colimam objetivos diversos; tudo converge para a
Doutrina Espírita - Revelação da Revelação - que não lhes convém e que precisam destruir, para o que empregam toda a sua inteligência, todo o seu amor do mal, submetendo-se a uma única direção!
Outra apelação igrejista, na qual tem um detalhe: o "Allan Kardec" da mensagem contradiz a natureza do pedagogo francês, porque o próprio Kardec reprovou Roustaing, por apontar falhas diversas no trabalho deste, e nunca iria recorrer à defesa do próprio livro roustanguista reprovado, que usa o subtítulo "A Revelação da Revelação".
Para Kardec, bastava a revelação que ele recebeu quando elaborou seu trabalho, de maneira árdua e exaustiva. O que Allan Kardec fez os "espíritas" brasileiros não conseguem ter noção, pois o pedagogo francês tinha em mãos um assunto bastante complexo que ele procurou analisar com honestidade, cautela, atenção e um apurado senso de lógica e questionamentos.
O QUE DIZ ALLAN KARDEC
O livro que publicou a "instrução", A Prece Segundo o Evangelho, é uma fraude em todos os sentidos. A publicação é exclusivamente brasileira, datada de 1944, mas na sua ficha técnica usa como título original o mesmo de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Dois capítulos da tradução deste livro, por Guillon Ribeiro - dado não creditado em A Prece Segundo o Evangelho - , além das preces incluídas, se somam à "instrução", um capítulo sobre a "Casa de Ismael" (a sede da FEB, hoje filial fluminense localizada na Av. Passos, no centro do Rio de Janeiro), dando na tendenciosa publicação um caráter de "exclusividade".
O livro, porém, deve ser descartado. Ele não faz parte da bibliografia original de Allan Kardec e o próprio fato de incluir um fake já faz a publicação merecer o lixo. Nada desse livro tem condição de ser aproveitado, preferindo investir nos trabalhos de Kardec traduzidos por José Herculano Pires e parceiros, publicados em outras editoras.
O que desmascara de vez a "mensagem" do "Allan Kardec" da FEB é seguramente encontrado em O Livro dos Médiuns, em que o próprio Kardec, no Capítulo 24, Da Identidade dos Espíritos, recomenda muito cuidado na identificação dos espíritos, tarefa muito difícil e sujeita a armadilhas sérias e sutis.
Kardec, em suas palavras concisas e diretas, explica a complexidade do tema e selecionamos algumas passagens. Na questão 255, o professor lionês esclarece, neste parágrafo:
"Há sem dúvida a objeção de que um Espírito que tomasse nome suposto, mesmo que só para o bem, não deixaria de cometer uma fraude e por isso não poderia ser bom. É neste ponto que surgem questões delicadas, difíceis de se compreender, e que vamos tentar desenvolver".
Na questão 256, Kardec descreve o seguinte comentário:
"A situação é outra quando um Espírito de ordem inferior se enfeita com um nome respeitável para se fazer acreditar. E esse caso é tão comum que não seria demais manter-se em guarda contra esses embustes.
Porque é graças a nomes emprestados, e sobretudo com a ajuda da fascinação, que certos Espíritos sistemáticos, mais orgulhosos do que sábios, procuram impingir as idéias mais ridículas".
Quanto a este último comentário, o tradutor José Herculano Pires traz a seguinte nota:
"Encontramos na bibliografia espíritas numerosos casos dessa espécie, tendo alguns conseguidos infiltrar-se em respeitáveis setores da divulgação doutrinária, ocasionando graves prejuízos à aceitação do Espiritismo por pessoas sensatas e ilustradas. A fascinação foi tratada no nº 239 do cap. Anterior. Como se vê ali, o Espírito mistificador paralisa a capacidade de julgamento do médium. O mesmo se dá com todas as pessoas a que se deixam envolver. Essa a razão por que idéias absurdas e ridículas se espalham nos meios doutrinários, defendidos por pessoas cultas, às vezes dedicadas ao movimento mas invigilantes e pouco atentas às advertências deste livro".
Como se observa, o livro A Prece Segundo o Evangelho e uma das primeiras mensagens atribuídas ao espírito Allan Kardec divulgadas no Brasil se revelam grandes fraudes. A própria obra de Allan Kardec fornece subsídios seguros de que o livro e a mensagem feitos no Brasil sejam descartados por definitivo, sem que deles se tirasse proveito algum.
Eles não obedecem a diversas orientações, nem colimam objetivos diversos; tudo converge para a
Doutrina Espírita - Revelação da Revelação - que não lhes convém e que precisam destruir, para o que empregam toda a sua inteligência, todo o seu amor do mal, submetendo-se a uma única direção!
Outra apelação igrejista, na qual tem um detalhe: o "Allan Kardec" da mensagem contradiz a natureza do pedagogo francês, porque o próprio Kardec reprovou Roustaing, por apontar falhas diversas no trabalho deste, e nunca iria recorrer à defesa do próprio livro roustanguista reprovado, que usa o subtítulo "A Revelação da Revelação".
Para Kardec, bastava a revelação que ele recebeu quando elaborou seu trabalho, de maneira árdua e exaustiva. O que Allan Kardec fez os "espíritas" brasileiros não conseguem ter noção, pois o pedagogo francês tinha em mãos um assunto bastante complexo que ele procurou analisar com honestidade, cautela, atenção e um apurado senso de lógica e questionamentos.
O QUE DIZ ALLAN KARDEC
O livro que publicou a "instrução", A Prece Segundo o Evangelho, é uma fraude em todos os sentidos. A publicação é exclusivamente brasileira, datada de 1944, mas na sua ficha técnica usa como título original o mesmo de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Dois capítulos da tradução deste livro, por Guillon Ribeiro - dado não creditado em A Prece Segundo o Evangelho - , além das preces incluídas, se somam à "instrução", um capítulo sobre a "Casa de Ismael" (a sede da FEB, hoje filial fluminense localizada na Av. Passos, no centro do Rio de Janeiro), dando na tendenciosa publicação um caráter de "exclusividade".
O livro, porém, deve ser descartado. Ele não faz parte da bibliografia original de Allan Kardec e o próprio fato de incluir um fake já faz a publicação merecer o lixo. Nada desse livro tem condição de ser aproveitado, preferindo investir nos trabalhos de Kardec traduzidos por José Herculano Pires e parceiros, publicados em outras editoras.
O que desmascara de vez a "mensagem" do "Allan Kardec" da FEB é seguramente encontrado em O Livro dos Médiuns, em que o próprio Kardec, no Capítulo 24, Da Identidade dos Espíritos, recomenda muito cuidado na identificação dos espíritos, tarefa muito difícil e sujeita a armadilhas sérias e sutis.
Kardec, em suas palavras concisas e diretas, explica a complexidade do tema e selecionamos algumas passagens. Na questão 255, o professor lionês esclarece, neste parágrafo:
"Há sem dúvida a objeção de que um Espírito que tomasse nome suposto, mesmo que só para o bem, não deixaria de cometer uma fraude e por isso não poderia ser bom. É neste ponto que surgem questões delicadas, difíceis de se compreender, e que vamos tentar desenvolver".
Na questão 256, Kardec descreve o seguinte comentário:
"A situação é outra quando um Espírito de ordem inferior se enfeita com um nome respeitável para se fazer acreditar. E esse caso é tão comum que não seria demais manter-se em guarda contra esses embustes.
Porque é graças a nomes emprestados, e sobretudo com a ajuda da fascinação, que certos Espíritos sistemáticos, mais orgulhosos do que sábios, procuram impingir as idéias mais ridículas".
Quanto a este último comentário, o tradutor José Herculano Pires traz a seguinte nota:
"Encontramos na bibliografia espíritas numerosos casos dessa espécie, tendo alguns conseguidos infiltrar-se em respeitáveis setores da divulgação doutrinária, ocasionando graves prejuízos à aceitação do Espiritismo por pessoas sensatas e ilustradas. A fascinação foi tratada no nº 239 do cap. Anterior. Como se vê ali, o Espírito mistificador paralisa a capacidade de julgamento do médium. O mesmo se dá com todas as pessoas a que se deixam envolver. Essa a razão por que idéias absurdas e ridículas se espalham nos meios doutrinários, defendidos por pessoas cultas, às vezes dedicadas ao movimento mas invigilantes e pouco atentas às advertências deste livro".
Como se observa, o livro A Prece Segundo o Evangelho e uma das primeiras mensagens atribuídas ao espírito Allan Kardec divulgadas no Brasil se revelam grandes fraudes. A própria obra de Allan Kardec fornece subsídios seguros de que o livro e a mensagem feitos no Brasil sejam descartados por definitivo, sem que deles se tirasse proveito algum.
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
Rede de TV confirma decadência do Rio de Janeiro
Enquanto a "boa sociedade" do Grande Rio boicota os próprios amigos que fizerem alguma crítica pesada contra o Estado do Rio de Janeiro e sua outrora imponente capital, fatos mostram que a decadência que transforma o Estado num dos mais atrasados e retrógrados do país e não dá mais para esconder.
Os problemas que acontecem no Estado do Rio de Janeiro, sobretudo na sua homônima capital, são muito maiores do que o que normalmente se aceitaria numa cidade considerada moderna e cosmopolita. São transtornos, prejuízos e retrocessos típicos de cidade provinciana comandada pelo coronelismo.
E o coronelismo existe, e ele se observa no PMDB carioca e seu autoritarismo crônico. É de onde surgiu o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e suas propostas retrógradas que foram conhecidas como "pautas-bombas". Atualmente ele sofre uma decadência política depois que investigações indicaram uso do dinheiro público e de propinas de empresas para suas contas pessoais depositadas na Suíça.
Mas mesmo que Eduardo Cunha esteja "sozinho" na sua decadência no Congresso Nacional, seus pares cariocas não agem de forma diferente: Eduardo Paes, Luiz Fernando Pezão, Sérgio Cabral Filho, Carlos Roberto Osório, a família Picciani (Jorge e seus filhos Leonardo e Rafael), Pedro Paulo Carvalho, todos têm um pouco da prepotência e do apetite de rasgar leis do deputado Cunha.
Eles integram um esquema de corrupção cujas ramificações envolveram tanto o esquema de propinas da Petrobras, investigado pela Operação Lava-Jato, até a farra financeira que envolve uma rede diversificada de poderosos, para construir uma "cidade de mentira" feita para turista ver, uma espécie de paródia misturada de Barcelona, Miami e Los Angeles.
A "rede de relações" envolve desde o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, dirigentes esportivos cariocas, empresários de ônibus, donos de empreiteiras e barões da mídia locais, até empresários de grandes eventos musicais (caríssimos e pomposos), como Roberto Medina, cujo tráfico de influência envolve até mesmo uma "modesta" emissora de rádio, a Rádio Cidade, cujo dono, que não mostra as caras, seria também aliado do grupo de Eduardo Paes.
Até a decadência do sistema de ônibus carioca, com um modelo retrógrado adotado em 2010 - e equivocadamente copiado em cidades como Florianópolis e Recife, que já pagam o "preço caro" da iniciativa - , de redução de trajetos de linhas de ônibus, pintura padronizada nas empresas e dupla função de motorista-cobrador, se insere no contexto de favorecer o enriquecimento ilícito de empresários do setor.
Todos eles estão envolvidos com um processo de "transformação" da cidade do Rio de Janeiro feita para turista ver. É uma elite que está no poder há mais de cinco anos, e que tenta interferir até na cultura para "amenizar" focos de rebelião e revolta sociais.
Dessa maneira, tanto o "funk carioca" é feito para domesticar o povo das favelas, deixando-o inofensivo o suficiente para não interferir nos arbítrios dos governantes - que já expulsaram moradores de casas populares para a construção de complexos olímpicos e pistas de BRT - , quando a "programação rock" da Rádio Cidade é feita para domesticar os jovens e evitar surtos ativistas como os que se verificou em junho de 2013.
Dessa maneira, empresários do entretenimento "das periferias" e executivos de uma rádio FM estariam comprometidos a "suavizar" a rebeldia de jovens pobres e abastados, criando uma "paz social" que permita o enriquecimento ilícito e em doses estratosféricas de políticos locais e seu empresariado associado, inclusive empreiteiros.
Trabalha-se uma "cidade de mentira" na qual o único ponto positivo foi a demolição do Viaduto da Perimetral. Mas ela era uma reivindicação antiga e era considerada um erro desde sua construção, já que deixava a Zona Portuária às escuras e fazia a Av. Rodrigues Alves se tornar perigosa até durante o dia, com pessoas sendo obrigadas a andar em grupos para, pelo menos, diminuir o risco de serem assaltadas.
Os retrocessos refletem também nas atitudes sociais de elites juvenis, associadas a eventos grosseiros que vão da trolagem na Internet ao linchamento de trabalhadores, passando pelo confronto de torcidas organizadas num Estado em que o fanatismo pelo futebol carioca e pelos quatro times (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo) é visto como ferrenha obrigação social.
As trolagens que vitimam negros, homossexuais, feministas e pessoas que pensam diferente do que estabelece o mercado, a mídia e a política dominantes, com humilhações nas mídias sociais e, em certos casos, blogues ofensivos ou paródicos, têm a participação de boa parte de internautas que vivem no Rio de Janeiro.
Quanto à violência, o aspecto estarrecedor ocorreu dias atrás. Um vendedor de gelo discutiu com duas mulheres e um homem por causa de um incidente. As mulheres e o homem participaram de um luau no Arpoador, praia que fica entre Copacabana e Ipanema. Depois da discussão, as mulheres e o homem se retiraram e voltaram com um grupo de pessoas que perseguiu o vendedor e o agrediu até a morte.
Sim, um linchamento digno de cidades atrasadíssimas do interior do país, dessas rurais e com alto índice de analfabetismo, ocorreu na ensolarada Zona Sul carioca, cenário paradisíaco e único "consolo" para cariocas que não aceitam ser desiludidos viverem seus sonhos dourados de uma Cidade Maravilhosa que não existe mais e que eles insistem em acreditar que ainda existe.
E o irônico disso tudo é que a violência foi cometida por pessoas abastadas, contra um trabalhador acusado de assédio e discussão, que pode até ter se alterado com a situação, mas não merecia essa violência covarde. Enquanto isso, inocentes e simpáticos rapazes negros, trabalhadores e estudantes, que moram no Jacarezinho, eram detidos por policiais na Zona Sul só porque estavam sem documentos de identidade.
JORNALISTAS SÉRIOS
O baronato midiático local reagiu a uma série de reportagens da afiliada carioca da Rede Record, intitulada "O Rio de Janeiro na Lama", que mostra os contrastes entre o Rio de Janeiro "pomposo" para as Olimpíadas de 2016 e a corrupção política que oprime a população e enriquece autoridades e empresários associados.
No último dia 25, o jornal O Dia, aliado do grupo político de Eduardo Paes - o periódico costuma noticiar com cautela as irregularidades políticas das autoridades cariocas - , publicou uma notícia contestando a validade das denúncias do Jornal da Record, produzido em São Paulo em rede nacional.
Intitulada "Record denuncia família Picciani, que acusa emissora de fazer campanha", a notícia, só no título, demonstra o seu tendenciosismo, com a posição sutilmente favorável à família Picciani, ou seja, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), Jorge Picciani, o deputado federal Leonardo Picciani, protegido de Eduardo Cunha, e o atual secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro, Rafael Picciani.
As acusações também envolvem Carlos Roberto Osório, secretário estadual de Transportes do Estado, e que havia sido titular da mesma pasta municipal que é conhecida pela sigla pomposa de SMTR.
Osório é ligado tanto a Carlos Arthur Nuzman e à família Picciani. Consta-se que Carlos Roberto Osório também tem relações com Eduardo Cunha e com dirigentes de futebol, e, juntamente com Rafael Picciani e Alexandre Sansão (também ex-secretário municipal), é responsável pela decadência do sistema de ônibus carioca, em que até empresas de ônibus antes conceituadas, como Real e Matias, estão com frotas sucateadas.
O jornal O Dia se comportou como um jornaleco de latifúndio de cidade do interior ao corroborar as réplicas dos Picciani acusando a Rede Record de "fazer propaganda" do "bispo" Marcelo Crivella, um dos "braços-direitos" do também "bispo" Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, dono da rede de televisão.
Todavia, as reportagens são feitas por jornalistas sérios, de visão independente, que, embora trabalhem para não contrariar os interesses de Edir Macedo, têm autonomia e honestidade suficientes para cobrir fatos com o máximo de transparência possível.
O Jornal da Record faz parte de um setor de jornalismo que envolvem jornalistas como Paulo Henrique Amorim, Rodrigo Vianna, Luiz Carlos Azenha e outros, conhecidos por denúncias pertinentes sobre a corrupção política e a concentração do poder de oligarquias midiáticas ultraconservadoras (Globo, Folha, Abril e Estadão).
Luiz Carlos Azenha foi autor, juntamente com Amaury Ribeiro Jr. - que denunciou um esquema de corrupção do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seus colegas do PSDB e seus respectivos familiares - , de um livro, O Lado Sujo do Futebol, sobre os bastidores da corrupção do futebol brasileiro, focalizando as atividades ilícitas de João Havelange e Ricardo Teixeira e do suíço aliado deles, Joseph Blatter.
O livro antecipou os escândalos de futebol que mesmo a imprensa reacionária foi obrigada a cobrir. E alertam para a indústria de "manipulação de resultados" que faz os quatro principais times do Rio de Janeiro terem quase sempre resultados favoráveis no Campeonato Brasileiro, apesar de seus desempenhos bastante desastrosos ou medíocres.
A "ascensão", fácil demais, do Vasco da Gama, é um exemplo disso. Com péssimo desempenho na Série B do Brasileirão de 2014, o time "mudou" da noite para o dia depois que o dirigente esportivo Eurico Miranda, com fama de corrupto, voltou à presidência do clube. Das derrotas irrecuperáveis, vieram vitórias fáceis demais ou, quando muito, empates tendenciosos, sem que houvesse uma mudança de qualidade no time, o que pode sugerir vitórias "compradas".
Mas tudo isso faz parte da "cidade de mentira" que a "boa sociedade" que se diz formadora de opinião no Rio de Janeiro, quer fazer prevalecer. A irritação que ela sente dos questionadores, e que alimenta a fúria zombeteira dos trolls, revela o quanto o "mar de lama" da corrupção carioca, revela que a corrupção política tem respaldo em setores reacionários da socidade do Rio de Janeiro.
Paliativos como a pequena Praia de Rocha Miranda, no Parque Madureira, não conseguem resolver o problema do acesso às praias. A extensão do "laguinho" cercado de areia é insuficiente para as populações das grandes regiões de Madureira e Méier que agora precisam pegar dois ônibus para ir para a Zona Sul, torrando dinheiro de passagens.
O lado sombrio de tudo isso se mostra evidente. Os trolls fazem toda a sua violência moral, com ataques em série junto a outros internautas, e até criam blogues ofensivos parodiando suas vítimas, felizes da vida sem saber que suas páginas caluniosas estão sendo lidas por investigadores da Polícia Federal.
Por outro lado, a indignação das classes populares, diferentes dos "bons cariocas" que publicam selfies felizes com os amigos tomando vinho em adegas de Petrópolis, ou indo à praia e aos pontos turísticos, de uma forma ou de outra se mostra evidente.
Moradores são expulsos de suas casas nos subúrbios para que elas sejam demolidas, dando lugar a complexos olímpicos e corredores de ônibus BRT. Recebem baixa indenização e são jogadas a áreas distantes, isso quando não são deixados à míngua, forçados a sair da cidade ou a morar na rua, com o risco de serem queimados por milicianos ou vândalos.
Para piorar, a política habitacional dos políticos cariocas é desastrosa. Enquanto as propagandas enganosas apontam um "grande projeto" de "novas moradias", não há um projeto de substituir favelas por bairros populares dignos, e as casas, construídas dentro do programa "Minha Casa, Minha Vida", só servem para "mostrar serviço" das empreiteiras (em provável "lavagem de dinheiro") e, não raro, as novas casas são invadidas por traficantes e milicianos, para agravar a situação.
MAIS DECADÊNCIA
A insegurança faz com que cresça a criminalidade nos subúrbios, com cidadãos inocentes e policiais perdendo a batalha contra os bandidos, sendo diariamente assassinados em tiroteios de uma forma ou de outra. Mesmo áreas "pacificadas" pelas UPPs mostram sua farsa: nelas é que mais estão ocorrendo tiroteios e ações criminosas, e os bandidos quase sempre levam a melhor.
Mas a decadência do Rio de Janeiro não para por aí. O setor de cultura está cada vez mais ingrato contra orquestras e projetos teatrais. Livrarias históricas ameaçam fechar as portas. A cultura se reduz a projetos em que a finalidade econômica, o lucro, estão acima de qualquer propósito social, e o rico patrimônio cultural dos cariocas se reduz aos poucos e míseros espaços que restam.
Enquanto isso, o "funk carioca" estabelece parcerias com empresas multinacionais, a grande mídia e até mesmo com dirigentes esportivos e de escolas de samba. São as escolas que se tornam vitrines das "funqueiras" que mostram seus corpos siliconados em desfiles.
E o "rock da Rádio Cidade", com sua programação ruim na qual quase nada do seu "Rock de Verdade" é tocado, senão os greatest hits - , só serve para alimentar a indústria dos grandes shows, que cobram ingressos muito caros e oferecem alimentação ruim a preços exorbitantes.
O Estado do Rio de Janeiro está tão falido que até na Economia o desastre acontece, com produtos faltando nas prateleiras, apesar do Estado ser centro de distribuição de muitos produtos. A sensação que se tem é que se está num mercado do interior do Acre, em que o que só tem são alguns dos produtos "básicos" dos grandes distribuidores nacionais ou multinacionais, geralmente caros.
Essa decadência se acumula em problemas, escãndalos, desastres. O potencial sucessor de Eduardo Paes para a Prefeitura do Rio, Pedro Paulo Carvalho, foi acusado de violentar a ex-mulher. Tantas coisas ruins se acumulam e a "boa sociedade" diz que são apenas "problemas corriqueiros" de uma "complexa metrópole", como se a cidade não perdesse o glamour com sua própria tragédia.
O Rio de Janeiro está falido, em todos os sentidos, e temos que colocar a falência debaixo do tapete. Para todo efeito, vamos para as mídias sociais forjarmos falsa felicidade, fazendo selfies em boates da Zona Sul, em excursões fora do Grande Rio, curtir vídeos engraçados e torcer pelos quatro times de futebol carioca. Caso contrário, seremos tratados como "chatos insuportáveis" por aqueles que não admitem a própria decadência do local onde vivem.
quinta-feira, 26 de novembro de 2015
Carlos Imbassahy previu fase dúbia do "movimento espírita"
O maior problema que a Doutrina Espírita enfrenta no Brasil é a tendência dúbia, a atual fase que o chamado "movimento espírita" vive, e que consiste numa suposta "fidelidade absoluta" a Allan Kardec enquanto adota uma postura mística e religiosa exaltando figuras como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, assim como André Luiz e Emmanuel.
Em seu texto "Radiografia da Deturpação do Espiritismo", o pensador Carlos Imbassahy, um dos que se esforçavam a combater as deturpações catolicizantes da Doutrina Espírita, nos alertou sobre os perigos dos chamados "kardecistas autênticos", uma farsa surgida tanto na crise do roustanguismo explícito quanto na crise do poder centralizador da Federação "Espírita" Brasileira.
Foi a partir dessa crise que, entre outras coisas, apareceu um suposto texto de Adolfo Bezerra de Menezes supostamente arrependido por ter defendido Jean-Baptiste Roustaing, pedindo para "kardequizar", sugerindo uma corruptela da expressão "catequizar", num trocadilho implícito, mantendo a visão religiosista e de matiz católica do Espiritismo.
Com a crise do roustanguismo explícito - o que fez com que Roustaing só fosse apreciado pelo chamado "alto clero" da FEB - , alguns de seus astros, como pombos voando em direção aos milhos jogados ao longe, como os próprios Chico Xavier e Divaldo Franco, passaram também a fazer parte da turma que jurava de joelhos que era "rigorosamente fiel a Allan Kardec".
A fase dúbia, associada ao marketing da caridade que a Rede Globo, inspirada no documentário de Malcolm Muggeridge sobre Madre Teresa de Calcutá, Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), trabalhou sobre Chico Xavier, substituiu o esforço da FEB em manter Roustaing acima de Kardec. Além disso, a fase dúbia descentralizou o poder da federação e deu voz às entidades regionais, como as federações estaduais.
Esta fase, que prevalece hoje no "movimento espírita", consiste em criar artifícios e arremedos discursivos que dessem a falsa impressão do rigoroso cumprimento dos ensinamentos de Allan Kardec. Evoca-se personalidades e assuntos científicos e os "espíritas", como se não fosse com eles, chegam ao ponto de denunciar as deturpações dos outros.
Tudo teatro. Tudo feito para dar a falsa impressão de que o Espiritismo original é respeitado no Brasil. Por debaixo dos panos, há abordagens "científicas" de André Luiz, exaltações aos textos "filosóficos" de Emmanuel e a glorificação de Chico Xavier e Divaldo Franco através de seus estereótipos relativos à humildade, sabedoria e caridade.
Era esse alerta que foi dado por Carlos Imbassahy, pai do também pensador espírita Carlos de Brito Imbassahy, para que se previnam dos "kardecistas autênticos", que representam um outro estágio de mistificação da Doutrina Espírita, desta vez com maior dissimulação. Segue o trecho do referido texto:
"Existe um grupo de espíritas que se autodenomina de “autênticos kardecistas” e que se esmera num ferrenho combate à Federação Espírita Brasileira e ao roustainguismo, centrados no detalhe absolutamente desprezível do corpo fluídico de Jesus.
No dizer de Krishnamurti de Carvalho Dias, esse é o “boi de piranha” que possibilita a entrada de conceitos contrários à grande contribuição kardecista, que é a imortalidade, a lei da evolução, progressiva e contínua.
Entretanto, esse grupo “autêntico”, curiosamente, aceita o aspecto religioso do Espiritismo e de certa forma a CRISTOLATRIA roustainguista ao apoiar-se nas teses de Emmanuel sobre a evolução em linha reta e o papel de “governador” do planeta atribuído ao Cristo, quando nada disso pode ser autenticamente encontrado no pensamento genuíno de Kardec.
Enfim, os combates margeiam o político e o imaginário, pois esses tais de “espíritas autênticos” continuam acreditando que Kardec foi apenas o codificador e não o fundador do Espiritismo.
E ainda continuam atrás do mito cristão do salvador e do mito judaico do messias.
Não aprenderam a lição histórica da evolução geral e do sentido progressista de Kardec. Apegam-se ao aspecto místico da revelação sobrenatural, na chefia mítica de Jesus Cristo, como “o Espírito da Verdade” e daí por diante".
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
Espíritos autoritários não são superiores, são inferiores
Muitos "espíritas" ficam felizes quando veem que Emmanuel e Joana de Angelis são autoritários e que seus subordinados, Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, estabelecem sua servidão a esses espíritos, como se a submissão fosse uma qualidade das mais elevadas.
O contraste entre a prepotência de uns e a submissão de outros não é manifestação de superioridade, mas de desequilíbrio entre aqueles que mandam demais e outros que obedecem demais, os primeiros perdendo a noção de responsabilidade e dever, os segundos perdendo a noção de seus anseios e necessidades.
Que contradição é essa em que se delega superioridade moral a Emmanuel e Joana de Angelis, por mandarem demais, da mesma forma que se delega superioridade moral a Chico Xavier e Divaldo Franco por obedecerem demais? E ainda falam em coerência e equilíbrio?
Emmanuel, em várias ocasiões, demonstrou oprimir Chico Xavier, empurrando-o para uma sobrecarga dos livros, mesmo quando estava cansado e doente. Joana de Angelis fazia a mesma coisa com Divaldo Franco, com o autoritarismo peculiar de uma madame megera.
Devemos fazer uma ressalva quanto a Joana de Angelis. Lembremos que, apesar de Emmanuel poder ter sido o Padre Manuel da Nóbrega, não se pode atribuir a mesma condição de Joana de Angelis quanto à soror Joana Angélica.
Do contrário de Manuel da Nóbrega, cujos registros históricos apontam caraterísticas que se encaixam no mentor de Chico Xavier, eles nunca indicaram em Joana Angélica a mesma índole ferrenha e reacionária da madame do além-túmulo que tornou-se mentora de Divaldo Franco.
Consta-se que Joana Angélica, embora enérgica, era mais tolerante e menos grosseira. Joana Angélica tinha um dom maternal e podia ser tenra conforme a situação. Já Joana de Angelis mais parecia uma aristocrata extravagante mesclada a trejeitos de governanta de mansão (Mansão do Caminho?) e de tirânica diretora de conventos.
Esclarecidos esses detalhes, citamos o caso dos espíritos autoritários, aos quais o moralismo "espírita" atribui uma estranha superioridade espiritual, sem explicar-nos direito se quem merece mais elevação espiritual é quem manda demais ou quem obedece demais.
Essa atribuição de superioridade espiritual a espíritos autoritários, além de ir contra princípios morais de direito e dever, nos quais os que ordenam e obedecem não seguem princípios de hierarquia, mas de habilidades para desenvolver uma tarefa ou fazer alguma decisão, segue o próprio equívoco da natureza de tais espíritos.
Allan Kardec, com sua habitual coerência, citou em O Livro dos Médiuns que os espíritos superiores não são autoritários. Os espíritos de elevação moral não dão ordens, apenas dão conselhos e, se eles tentam impedir o encarnado de fazer alguma coisa, é através da tentativa de intui-lo a não tomar uma decisão arriscada, mas mesmo assim sem imposições.
Para quem duvida de tal postura, cabe aqui reproduzir, na tradução de José Herculano Pires, um dos itens descritos na pergunta 267, referente à necessidade de verificar a qualidade dos espíritos manifestantes. O item 10 não pode ser mais esclarecedor do que mostram suas palavras diretas:
10º) Os Espíritos bons jamais dão ordens: não querem impor-se, apenas aconselham e se não forem ouvidos se retiram. Os maus são autoritários, dão ordens, querem ser obedecidos e não se afastam facilmente. Todo Espírito que se impõe trai a sua condição.
São exclusivistas e absolutos nas suas opiniões e pretendem possuir o privilégio da verdade. Exigem a crença cega e nunca apelam para a razão, pois sabem que a razão lhes tiraria a máscara.
Diante disso, Emmanuel e Joana de Angelis são desmascarados. Só o seu autoritarismo já os derruba e os enquadra na posição de espíritos maus e levianos, algo que é desagradável e traz desconforto para os seguidores do "espiritismo" brasileiro.
Eles querem ser obedecidos, fazem ameaças, impõem tarefas. Emmanuel ameaçou Chico Xavier de ter sua vida abreviada, se caso este abrisse mão da produção de livros. Os dois espíritos não aceitavam sequer ver seus subordinados descansarem, e impunham trabalho até nos momentos de exaustão e doença grave.
Os dois manifestam ideias que, dotadas de incoerência e falta de bom senso, se impõem como "verdade indiscutível". Emmanuel, sobretudo, rejeitava o questionamento e o raciocínio crítico, exigindo que se "acredite" nas ideias por ele defendidas. Sabemos muito bem que o verbo "acreditar" soa como mel na boca para os "espíritas" brasileiros. Uma "fé raciocinada" que nunca raciocina.
Daí as mistificações, mitificações, incoerências, invencionices, fantasias maliciosas que se impõem como se fosse "realidade". E isso deslumbra tanto os "espíritas" brasileiros que o nosso país é o único em que as pessoas reclamam do rigor científico, sob a alegação absurda do "excesso de lógica" e da "overdose de ciência". E reclamam um lugar cativo para a fantasia e a falta de lógica!
Mais surreal é quando surgem as pessoas que clamam por "fidelidade absoluta" a Allan Kardec e "rigoroso respeito" ao seu pensamento científico que, no entanto, exaltam Chico Xavier e Divaldo Franco, além de seus mentores. Contradizem-se, esses "espíritas", ao se apoiarem em deturpadores sob o pretexto de valorizarem as lições do professor lionês.
E assim O Livro dos Médiuns, mais uma vez, derruba Chico Xavier e Divaldo Franco, tal como seus mentores espirituais. A precisão e a simplicidade das ideias kardecianas denuncia a fraude em palavras diretas, e uma simples leitura desse pequeno item mostra o quanto os espíritos envolvidos ainda estão muito longe de serem considerados elevados.
Resta esperar Divaldo Franco conhecer a decepção que encontrará ao retornar ao mundo espiritual. Emmanuel, Joana de Angelis e Chico Xavier já conhecem os amargores que a ilusão terrena de "superioridade espiritual" dada a ídolos religiosos falsamente espíritas.
Ver que, no retorno à "pátria espiritual", não há Nosso Lar nem amiguinhos esperando como que no desembarque num aeroporto, é uma experiência chocante, assim como a noção de que o caminho evolutivo dessas figuras religiosas ainda está nos seus estágios rudimentares.
terça-feira, 24 de novembro de 2015
Emmanuel não aprovava a prática de raciocínio e estudo
EMMANUEL COMPAROU A "MEDIUNIDADE" DE FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER A UMA LARANJEIRA.
"O laboratório afasta-se definitivamente da sacristia, intensificando as comodidades da civilização", escreveu Emmanuel, por intermédio de Chico Xavier, dando a crer o falso apreço do jesuíta aos avanços da Ciência em detrimento da opressão religiosa.
Pura balela. Emmanuel, que havia sido o Padre Manuel da Nóbrega, católico português de formação medieval e tomado de preconceitos sociais muito cruéis, sempre desejou que a Ciência atuasse nos limites que não contrariassem a religião.
Apenas como uma relativa concessão dos "espíritas", que admitem à Ciência certa autonomia, deixando de vê-la como uma atividade condenável por si só, eles diferem dos católicos medievais devido a essa postura, mas nem de longe tornaram-se generosos quanto à valorização do pensamento questionador, tarefa fundamental para o trabalho científico.
Há uma passagem da vida de Chico Xavier, descrita por Marcel Souto Maior no livro As Vidas de Chico Xavier, em que o anti-médium, que no fundo nunca entendeu a prática da forma como sistematizava Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, havia expresso uma vontade de estudar a mediunidade. Foi depois do fim dos trabalhos de produção da obra Nosso Lar, em 1943.
Emmanuel foi contra. Comparou a tarefa de seu subordinado a uma laranjeira. "Se a laranjeira quisesse estudar o que se passa com ela na produção das laranjas, com certeza não produziria fruto algum. Para nós o que interessa é trabalhar".
O espírito do jesuíta era autoritário. Desde quando iniciou sua atuação com Chico Xavier, ele lhe aconselhou "três" princípios: "disciplina, disciplina e disciplina". E, além disso, Emmanuel era contrário às atividades de raciocínio crítico, sempre reprovando qualquer contestação, dos queixumes diante do sofrimento e dos questionamentos diante de alguma ideia ilógica.
Emmanuel não aprovava o raciocínio e o estudo, mas apenas a "crença". Tentava impor como "estudo" e "raciocínio" a aceitação de suas ideias rebuscadas e prolixas. Embelezava seu discurso com palavras da mais habilidosa elaboração, para esconder ideias sem nexo e valores morais retrógrados.
É lamentável que muitos "espíritas" brasileiros hoje, que se gabam da "fidelidade absoluta" que julgam ter por Allan Kardec, sejam tentados a exaltar Emmanuel e colocar suas frases como epígrafes em muitos de seus textos.
Emmanuel é, claramente, o anti-Kardec. Kardec defendia a dúvida como processo de obter respostas, e perguntava e procurava responder o tempo todo, porque sabia que o Espiritismo era um assunto complexo e muito delicado, diante da sociedade preconceituosa do seu tempo.
O pensamento de Allan Kardec investia na busca da maior coerência possível de ideias, e não era uma tarefa fácil. Kardec foi questionado, combatido, ridicularizado. Atribuíram a ele até um suposto racismo. Não era fácil o pedagogo francês lidar com a sociedade do seu tempo, sua trajetória foi extremamente difícil, mas sempre fiel à busca da lógica e da coerência.
Já Emmanuel investia na desonestidade intelectual. O que ele queria era o moralismo religioso, a submissão à fé, ao embelezamento das palavras para que se compense com pompa discursiva o "grande deserto" das ideias.
Daí que, em nome de seu conservadorismo moralista, Emmanuel reprovava o raciocínio e o estudo, que oferecessem risco à credibilidade de suas pregações. Dessa forma, ele manteve os preconceitos medievais, mesmo quando admitia as "mudanças dos tempos".
Observando bem, todavia, nota-se que ele só aceitava a Ciência quando ela, ainda que se fixasse em trabalhos laicos, não confrontasse com as crenças rigorosas da fé religiosa. A Ciência que se preocupasse em estudar doenças ou utensílios tecnológicos, sem que no entanto ousasse desafiar os dogmas religiosos.
Por isso é que vemos as restrições do "espiritismo" brasileiro e até mesmo as delirantes atribuições a Chico Xavier de supostas façanhas científicas que, na verdade, partiram de cientistas que lançaram trabalhos bem antes do anti-médium mineiro, mas que não são conhecidos do grande público.
Neste sentido, até a autonomia científica é reprovada pelos "espíritas" brasileiros. Cientistas menos badalados acabam, no Brasil, "dando a patente" para Chico Xavier e seus livros mistificadores. Os "espíritas" acabam criando dificuldades para a compreensão honesta e verdadeira dos feitos científicos.
"O laboratório afasta-se definitivamente da sacristia, intensificando as comodidades da civilização", escreveu Emmanuel, por intermédio de Chico Xavier, dando a crer o falso apreço do jesuíta aos avanços da Ciência em detrimento da opressão religiosa.
Pura balela. Emmanuel, que havia sido o Padre Manuel da Nóbrega, católico português de formação medieval e tomado de preconceitos sociais muito cruéis, sempre desejou que a Ciência atuasse nos limites que não contrariassem a religião.
Apenas como uma relativa concessão dos "espíritas", que admitem à Ciência certa autonomia, deixando de vê-la como uma atividade condenável por si só, eles diferem dos católicos medievais devido a essa postura, mas nem de longe tornaram-se generosos quanto à valorização do pensamento questionador, tarefa fundamental para o trabalho científico.
Há uma passagem da vida de Chico Xavier, descrita por Marcel Souto Maior no livro As Vidas de Chico Xavier, em que o anti-médium, que no fundo nunca entendeu a prática da forma como sistematizava Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, havia expresso uma vontade de estudar a mediunidade. Foi depois do fim dos trabalhos de produção da obra Nosso Lar, em 1943.
Emmanuel foi contra. Comparou a tarefa de seu subordinado a uma laranjeira. "Se a laranjeira quisesse estudar o que se passa com ela na produção das laranjas, com certeza não produziria fruto algum. Para nós o que interessa é trabalhar".
O espírito do jesuíta era autoritário. Desde quando iniciou sua atuação com Chico Xavier, ele lhe aconselhou "três" princípios: "disciplina, disciplina e disciplina". E, além disso, Emmanuel era contrário às atividades de raciocínio crítico, sempre reprovando qualquer contestação, dos queixumes diante do sofrimento e dos questionamentos diante de alguma ideia ilógica.
Emmanuel não aprovava o raciocínio e o estudo, mas apenas a "crença". Tentava impor como "estudo" e "raciocínio" a aceitação de suas ideias rebuscadas e prolixas. Embelezava seu discurso com palavras da mais habilidosa elaboração, para esconder ideias sem nexo e valores morais retrógrados.
É lamentável que muitos "espíritas" brasileiros hoje, que se gabam da "fidelidade absoluta" que julgam ter por Allan Kardec, sejam tentados a exaltar Emmanuel e colocar suas frases como epígrafes em muitos de seus textos.
Emmanuel é, claramente, o anti-Kardec. Kardec defendia a dúvida como processo de obter respostas, e perguntava e procurava responder o tempo todo, porque sabia que o Espiritismo era um assunto complexo e muito delicado, diante da sociedade preconceituosa do seu tempo.
O pensamento de Allan Kardec investia na busca da maior coerência possível de ideias, e não era uma tarefa fácil. Kardec foi questionado, combatido, ridicularizado. Atribuíram a ele até um suposto racismo. Não era fácil o pedagogo francês lidar com a sociedade do seu tempo, sua trajetória foi extremamente difícil, mas sempre fiel à busca da lógica e da coerência.
Já Emmanuel investia na desonestidade intelectual. O que ele queria era o moralismo religioso, a submissão à fé, ao embelezamento das palavras para que se compense com pompa discursiva o "grande deserto" das ideias.
Daí que, em nome de seu conservadorismo moralista, Emmanuel reprovava o raciocínio e o estudo, que oferecessem risco à credibilidade de suas pregações. Dessa forma, ele manteve os preconceitos medievais, mesmo quando admitia as "mudanças dos tempos".
Observando bem, todavia, nota-se que ele só aceitava a Ciência quando ela, ainda que se fixasse em trabalhos laicos, não confrontasse com as crenças rigorosas da fé religiosa. A Ciência que se preocupasse em estudar doenças ou utensílios tecnológicos, sem que no entanto ousasse desafiar os dogmas religiosos.
Por isso é que vemos as restrições do "espiritismo" brasileiro e até mesmo as delirantes atribuições a Chico Xavier de supostas façanhas científicas que, na verdade, partiram de cientistas que lançaram trabalhos bem antes do anti-médium mineiro, mas que não são conhecidos do grande público.
Neste sentido, até a autonomia científica é reprovada pelos "espíritas" brasileiros. Cientistas menos badalados acabam, no Brasil, "dando a patente" para Chico Xavier e seus livros mistificadores. Os "espíritas" acabam criando dificuldades para a compreensão honesta e verdadeira dos feitos científicos.
segunda-feira, 23 de novembro de 2015
O absurdo do personagem André Luiz
André Luiz, o suposto médico que divulgava ideias através de Francisco Cândido Xavier, nunca existiu na realidade. Independente de quem teria contribuído para conceber o personagem - Xavier, Antônio Wantuil de Freitas, a influência de George Vale Owen ou mesmo a colaboração do então jovem Waldo Vieira - , o que se constata é que o personagem foi pura obra de ficção.
Como é de praxe no "espiritismo" brasileiro, o rol de confusões e desentendimentos faz com que se suponha, sem qualquer precisão de dados, vários possíveis personagens históricos reais que teriam se transformado em "André Luiz", de acordo com as delirantes suposições dos "espíritas".
Há uma hipótese de que ele teria sido Osvaldo Cruz, médico sanitarista brasileiro. Outra, defendida por Waldo Vieira, alega que teria sido Carlos Chagas. Outra tese, de Luciano dos Anjos, afirma que ele teria sido Faustino Esporel, médico e ex-dirigente do Clube de Regatas Flamengo, entidade que chegou a presidir em 1921.
O "cientista" André Luiz já começa mal com isso. Há outros que atribuem até mesmo ao médico Miguel Couto. Fora o que vier por aí. Ver que, na doutrina "unificadora" que se autoproclama o "espiritismo" brasileiro, há dados divergentes sobre quem teria sido André Luiz entre nós, mostra o quanto a situação é ridícula.
Mas é evidente que André Luiz é fictício. Seu molde inicial foi o livro A Vida Além do Véu (Life Beyond the Veil), de George Vale Owen, que teria também inspirado em parte a "carreira" de Chico Xavier, já que Owen também dizia fazer psicografia sob intuição de sua mãe e um mentor.
Alguns aspectos estranhos se relacionam ao suposto espírito de André Luiz, e que remetem ao dado da "evolução em linha reta" (imediata e sem etapas) descrito por Jean-Baptiste Roustaing na sua obra Os Quatro Evangelhos.
Consta-se que André teria sido um médico fanfarrão, boêmio, alcoolista, e teria falecido prematuramente de ataque cardíaco, durante um jantar com a esposa. Ele também era usuário de remédios prescritos, sobretudo contra depressão.
Ele teria sido de caráter moral mediano. Não era uma pessoa cruel, mas quando voltou ao mundo espiritual foi dirigido para zonas sombrias que são conhecidas como "umbral", ambiente visto de forma controversa como a analogia ao Inferno católico, para algumas fontes, e ao Purgatório da mesma religião, para outras fontes.
Em Nosso Lar, o umbral é narrado como se fosse o Inferno, enquanto a suposta colônia espiritual que leva esse nome parece um misto de Purgatório com Paraíso, talvez um misto desses dois paradigmas trazidos pela mitologia católica.
Aí tem uma confusão. André não era considerado uma pessoa perversa. Era um dedicado médico que apenas tinha vícios alimentícios e lúdicos. No umbral, foi tratado como suicida por uma multidão que parecia zumbis de filme de terror.
Ele foi para o umbral porque "comeu besteira" e "se divertiu demais". Isso sugere um julgamento moralista, em que pese serem reprováveis, sim, os excessos na alimentação e no lazer. O moralismo consiste na grave sentença para vícios como estes, como se eles não fossem apenas vícios, mas crimes.
Mas aí entra outra contradição. André ficou oito anos no umbral. O tempo não existe no mundo espiritual, não há a convenção que se adota no Ocidente da Terra (a antiga Rússia e a China adotavam outro tipo de calendário e a Antiguidade Clássica tinha outro critério de tempo, diferente do "antes de Cristo" que hoje adotamos).
Se as formas de calcular o tempo na Terra são divergentes e o tempo não existe no mundo espiritual, que sentido tem os "oito anos" de André no umbral? Eles seriam mais rápidos ou mais lentos? Ele teria que passar por esse tempo todo, ou mais, ou menos? Ou bastava uma avaliação de consciência?
Aí André vai para a colônia Nosso Lar depois que sua mãe, na Terra, tenha feito toda uma porção de preces e súplicas para Jesus e Deus. Ela era devota religiosa, mas no fundo era uma cover da mãe de Owen, se bem que o autor de A Vida Além do Véu, com sua "trindade" envolvendo o próprio reverendo e os espíritos de sua mãe e de seu mentor inspiraram Chico Xavier a fazer o mesmo, com Maria João de Deus e Emmanuel.
Outro aspecto estranho. No mundo espiritual, as habilidades intelectuais costumam ser ampliadas e não diminuídas, por causa do desprendimento do corpo físico. Mas André Luiz "decai" nos seus conhecimentos e tem que reaprender a ser médico em Nosso Lar. Isso porque "bebeu demais" e "se divertiu demais". A comilança e a boemia o deixaram meio burro, contrariando nossa tradição de que cientistas e intelectuais boêmios continuam sendo cientistas e intelectuais.
Aí, passam se os anos e André Luiz passa a ter como missão socorrer pessoas que eram dizimadas na Europa durante o começo da Segunda Guerra Mundial. Era o ano 1939 e o super-herói da ficção científica de quinta categoria, mas com pretensões de ser "realidade fidedigna", foi fazer sua poderosa missão, como um super-homem do além-túmulo.
E aí, o que acontece? André se torna, num piscar de olhos, "espírito superior", e em 1943 lança seu "testemunho", Nosso Lar, dando início a uma "pequena dívida" que ele, agora "iluminado", passou a desempenhar: transmitir sua "sabedoria" recuperada na colônia espiritual para os leitores.
E aí vieram os trabalhos "científicos", que na verdade camuflam pregações religiosas com arremedos de análises científicas, de estudos sobre Espiritismo, de reflexões filosóficas. Tem desde uma "resposta" brasileira ao kardeciano O Livro dos Médiuns - Nos Domínios da Mediunidade, de 1955 - até relatos supostamente pioneiros de dados sobre Biologia.
E isso tudo também traz muita incoerência. Afinal, são livros lançados por Chico Xavier. E, além do mais, a pretensão "científica" piora, na medida em que a transmissão de conhecimento é confusa e deturpada por uma série de mistificações e pelo pedantismo. O conteúdo dessas obras completa e consagra a figura absurda e aberrante do fictício médico da imaginária cidade de Nosso Lar.
domingo, 22 de novembro de 2015
Livro 'A Caminho da Luz' previu "reunião da data-limite"
O "movimento espírita" tem dessas situações insólitas. A religião que queria "unir" se desune diante de certas divergências. No caso da "profecia" da "data-limite", os que não compartilham dessa visão acusam Geraldo Lemos Neto de inventar as estórias que alegou ter ouvido de Francisco Cândido Xavier.
Conforme essas pessoas, Chico Xavier não teria dito o que Geraldinho divulgou, e por isso a "profecia" não tem valor. O "médium" baiano Ariston Teles, em suposta psicofonia de Chico Xavier, divulgou que o anti-médium mineiro não teria previsto o que está escrito no livro Não Será em 2012, que Geraldo e a falecida Marlene Nobre publicaram, e foi trabalhado no documentário Data-Limite Segundo Chico Xavier, de Fábio Medeiros.
Coisa de louco. Uns, que se consideram "espíritas" exemplares, estão com Geraldo Lemos Neto, sobretudo o "conceituado" Divaldo Franco. Outros, que também se consideram "espíritas" exemplares, não estão com ele, sobretudo o "conceituado" Eurípedes Higino, "filho" de Chico Xavier.
E se, no time de Geraldo, a intenção é transformar Chico Xavier em "profeta" e "cientista político" - com todos os equívocos referentes a esta área e ao absurdo correspondente àquela - , no time adversário há a delirante crença de Ariston na inconcebível tese de que o Xavier teria sido Allan Kardec reencarnado. Algo tão estúpido quanto dizer que MC Gui é reencarnação de Tom Jobim.
Quanto à suposta profecia, sabe-se que ela havia sido prenunciada por Emmanuel, o patrão do além de Chico Xavier, no livro A Caminho da Luz, do início de 1939. A obra está para História Geral assim como Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho está para História do Brasil: uma obra historiográfica ruim, tirada de livros didáticos terrenos, sem qualquer caráter revelador.
O livro é uma interpretação de cunho católico - mas tendenciosamente "oposta" aos abusos do Catolicismo medieval - da trajetória política, social e religiosa da humanidade planetária, e seguia o livro do "irmão Humberto" (o suposto Humberto de Campos que escrevia feito padre) na transmissão da "boa nova" do "espiritismo" brasileiro.
Dois capítulos descrevem passagens que podem indicar que Chico Xavier realmente transmitiu o relato descrito por Geraldo Lemos Neto. Seria difícil entender que Geraldo, entusiasmado admirador e amigo do anti-médium, teria inventado a coisa para se autopromover por si só.
No capítulo I, intitulado A Gênese Planetária, e logo no primeiro subtítulo "A comunidade dos espíritos puros", Emmanuel descreve as duas primeiras vezes em que um suposto Jesus, líder das "orbes angelicais", se reuniu duas vezes com as lideranças do universo para discutir os rumos do planeta Terra.
Já no capítulo XXIV, O Espiritismo (sic) e as Grandes Transições, subtítulo "Jesus", é descrita em um breve parágrafo a possibilidade de uma terceira reunião, cuja data não foi estipulada. Note-se que o contexto desta mensagem é a ascensão dos movimentos fascistas que daria na Segunda Guerra Mundial, pouco depois, e a "profecia" da "data-limite" acontecia num avanço da competição espacial entre os EUA e a hoje extinta União Soviética.
Note-se que o livro de Emmanuel é cheio de termos rebuscados e passagens prolixas, num pretenso eruditismo que seria reprovado imediatamente por Allan Kardec, que havia advertido sobre tais abordagens de espíritos e médiuns mistificadores ainda no século XIX, muito antes de Chico Xavier lançar seus livros.
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TRECHOS DO LIVRO A CAMINHO DA LUZ
Francisco Cândido Xavier - ditado por Emmanuel - FEB, 1939
CAPÍTULO I - A GÊNESE PLANETÁRIA - A Comunidade dos Espíritos Puros
Rezam as tradições do mundo espiritual que na direção de todos os fenômenos, do nosso sistema, existe uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo Senhor Supremo do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas diretoras da vida de todas as coletividades planetárias. Essa Comunidade de seres angélicos e perfeitos, da qual é Jesus um dos membros divinos, ao que nos foi dado saber, apenas já se reuniu, nas proximidades da Terra, para a solução de problemas decisivos da organização e da direção do nosso planeta, por duas vezes no curso os milênios conhecidos.
A primeira, verificou-se quando o orbe terrestre se desprendia da nebulosa solar, a fim de que se lançassem, no Tempo e no Espaço, as balizas do nosso sistema cosmogônico e os pródromos da vida na matéria em ignição, do planeta, e a segunda, quando se decidia a vinda do Senhor à face da Terra, trazendo à família humana a lição imortal do seu Evangelho de amor e redenção.
CAPÍTULO XXIV - O ESPIRITISMO (SIC) E AS GRANDES TRANSIÇÕES - Jesus
Espíritos abnegados e esclarecidos falam-nos de uma nova reunião da comunidade das potências angélicas do sistema solar, da qual é Jesus um dos membros divinos. Reunir-se-á, de novo, a sociedade celeste, pela terceira vez, na atmosfera terrestre, desde que o Cristo recebeu a sagrada missão de abraçar e redimir a nossa Humanidade, decidindo novamente sobre os destinos do nosso mundo. Que resultará desse conclave dos Anjos do Infinito? Deus o sabe. Nas grandes transições do século que passa, aguardemos o seu amor e a sua misericórdia.
sábado, 21 de novembro de 2015
"Espiritismo" brasileiro, moralismo e suicídio
"MOVIMENTO ESPÍRITA" RECORRE A NARRATIVAS DE TERROR PARA DESCREVER O "VALE DOS SUICIDAS".
O mais recente apelo dos ideólogos "espíritas", diante da crise que o "movimento espírita" sofre diante dos efeitos naturais de suas contraditórias e equivocadas escolhas, é dizer que a doutrina, pelo menos, "salva vidas" e "evita" o ato do suicídio, trazendo a esperança do "futuro".
Alguns textos em blogues ou periódicos "espíritas" foram escritos neste sentido, enfatizando a religiosidade e a crença em Deus como supostos remédios para o pessimismo, para as angústias e para as dificuldades pesadas que as pessoas encontram em suas vidas.
Tudo parece bem intencionado, bastante positivista e, à primeira vista, parece uma demonstração de amor fraterno, caridade, dedicação ao próximo e consolo contra quem se afunda nos sentimentos de desespero e insegurança, não fosse por um detalhe: o "espiritismo" defende a Teologia do Sofrimento.
Invenção nossa? Não. É só prestar atenção em muitas das frases "dóceis" trazidas por Francisco Cândido Xavier. Acreditando que o sofrimento humano é apenas uma etapa "momentânea" da vida de cada indivíduo, ele recomendava suportá-lo sem queixas e, de preferência, sem gemer de dor ou reagir bruscamente contra o motivo desse infortúnio.
A depender de suas frases, pouco importa se o infortúnio dura décadas ou a encarnação inteira. Ele chegava a usar como desculpa que o sofrimento de décadas era apenas "um segundo" na eternidade da vida, e alegava que "tudo passa" e que Deus reserva "dias melhores" na "vida futura".
Esse é o problema. Pouco importa se uma pessoa diferenciada desperdiça uma encarnação inteira com infortúnios, com barreiras severas, e, em vez de usar seus potenciais para ajudar alguém, se torna subordinada aos arbítrios de alguém mais estúpido e ignorante que a tal pessoa.
Para um "espiritismo" que não tem a sensibilidade necessária para compreender a individualidade de cada pessoa, se submeter a um algoz "também é caridade", ainda que a pessoa seja impedida em toda sua encarnação a dar proveito de seus potenciais para ajudar alguém. E os "espíritas", sádicos, ainda têm a coragem de dizer, em seu juízo de valor: "Não está na hora de aproveitar tais potenciais".
PROGRESSO PERDIDO
Pouco importa se gerações inteiras se perdem diante de um projeto de progresso humano perdido. No Brasil, é ilustrativo que a maioria de pessoas diferenciadas morre cedo, de Leila Diniz a Glauber Rocha, de Mário de Andrade a João do Rio, de Renato Russo a Humberto de Campos, ou morrem no auge de suas atividades intelectuais, como o geógrafo Milton Santos e o ator José Wilker.
Tivemos um processo de avanços sócio-políticos, econômicos e culturais para o Brasil, traçados e debatidos entre os anos de 1958 e 1963, interrompidos e dissolvidos pela ditadura militar. O país passou por retrocessos profundos desde então, e muitos desses retrocessos passaram a ser apoiados pela sociedade pelo ideal de conveniências, jogos de interesses e zonas de conforto que representam.
Difícil progredir o país quando nossas melhores mentes morrem cedo ou não completam sua missão, deixando, para sempre, muitos planos de vida. E os "espíritas", sem perceber a noção do tempo, contraditórios entre o materialismo dos cronogramas terrenos, dos calendários ocidentais, mas ignorando a cronologia existencial de séculos, décadas ou minutos, ignora tudo isso.
No seu julgamento moralista, o "espiritismo" pouco se sensibiliza com o sofrimento alheio. Pouco percebe que uma encarnação não é igual a outra, e o que se deixa de fazer numa encarnação pode ser impossível de se fazer em outra. Pouco importa os longos sofrimentos, os potenciais abortados, os progressos comprometidos. Os "espíritas" se iludem ao achar que amanhã é igual a hoje.
Ignorando que o espírito humano tenha suas necessidades de aproveitar a vida material para intervir com suas qualidades espirituais, o moralismo "espírita" vê a encarnação como algo qualquer nota, como um processo em que só se pode suportar uma imposição, só se experimenta relações de obediência submissa de um lado e arbítrio abusivo de outro, como "o melhor meio" de evolução humana.
Claro que limitações podem trazer lições de vida, mas da forma que o "espiritismo" prega, como se fosse um campeonato de infortúnios visando o prêmio da "vida futura", só prejudica as pessoas que recorrem à doutrina, em seus tratamentos espirituais, e, em vez de superar suas dificuldades iniciais, contrai outras piores ainda.
MORALISMO E MATERIALISMO
Como é que a religião que se gaba em "prevenir o suicídio" - prática que o moralismo "espírita" define como crime hediondo, pior do que o homicídio - estabelece o sofrimento em si mesmo como caminho seguro para o progresso espiritual?
A Teologia do Sofrimento, popularizada por Teresa de Lisieux e defendida tanto por Madre Teresa de Calcutá (que por causa disso chegou a ser chamada de "anjo do inferno") quanto por Chico Xavier (erroneamente chamado de "ativista" e "progressista" por tal postura), cria, por sua própria natureza, as condições para levar alguém ao suicídio.
A segurança com que os líderes e palestrantes "espíritas" supõem ter em dizer que sua doutrina "salva vidas" e por isso "previne o suicídio" é contestada pela própria natureza com que julgam o suicídio, através de seus preconceitos moralistas.
Como é que um suicida, que apesar do seu erro tem como atenuante o fato de tirar sua própria vida, por decisão própria, pode ser pior do que um homicida, que leva o egoísmo humano às últimas consequências, interrompendo a vida de outro sem a permissão deste, mas é visto como uma espécie de "justiceiro dos reajustes espirituais", que só "pagará pelo que fez" uma ou duas encarnações depois?
O moralismo "espírita" vê o suicídio como um ato deplorável, mas também não oferece condições para que as pessoas evitem o ato. Contraditoriamente, a moral "espírita" diz para o indivíduo não se matar, mas também o "aconselha" a aceitar o sofrimento que potencialmente seria motivo de suicídio.
Mas aí o "espiritismo" deixa sua máscara cair e mostra seu grau materialista, tomando emprestado o antigo moralismo católico que inventou o Céu e o Inferno e, no meio deles, o Purgatório. No "espiritismo", o que há é o "mundo superior", a "zona inferior" do umbral e as "colônias espirituais", numa analogia mais exata.
O "umbral" é normalmente conhecido como "inferno", embora as fontes "espíritas" divirjam quanto à função do "purgatório", uns creditando as "cidades espirituais" (creditadas por outros como "mundos superiores"), outros creditando os "umbrais" não como Inferno, mas como Purgatório.
E aí as narrativas "espíritas", a partir do exemplo de Nosso Lar, livro de Chico Xavier que, com base numa obra estrangeira, A Vida Além do Véu, de George Vale Owen, mistura narrativas de folhetim com elementos de ficção científica e terror, num possível tributo ao então menino-prodígio da "mediunidade", Waldo Vieira, admirador de Chico Xavier e colecionador de revistas em quadrinhos.
O umbral é narrado como se fosse em obras do terror, pois descreve zonas macabras, com pessoas se comportando feito zumbis, com roupas rasgadas, aparência sombria e comportamentos tenebrosos, como se não tivessem consciência do que realmente são ou foram.
Cria-se uma visão materialista do inferno, o que vai contra o pensamento de Allan Kardec, que definia as "zonas inferiores" apenas como percepções imaginárias de cada indivíduo. São apenas meras impressões pessoais, como alguém que fica mal-humorado e sofre uma encrenca durante o dia, mesmo que este fosse um dia ensolarado.
Os "espíritas" querem apenas assustar, com sua "psicologia do terror", e tentam não resolver os problemas dos suicidas, mas simplesmente intimidá-los com a suposta descrição do "inferno espiritual". É como se dissessem que a criança não deveria se matar, porque "lá no além" o "homem do saco" recolherá as almas infelizes para serem jogadas em lodos fervendo como caldos ebulindo numa panela, sobre o fogão.
Só que isso não existe. E o "espiritismo" erra mais uma vez tentando convencer o mal do suicídio não pela busca de soluções reais, mas pela intimidação de um ato que já é erroneamente considerado "hediondo". E isso não resolve, porque o "espiritismo" e sua apologia ao sofrimento só faz criar condições para alguém se suicidar. Se a pessoa não se suicida, é muito mais pela perseverança pessoal dela do que por qualquer ajuda da religião.
Os "espíritas" acabam agindo mal. Considerando o suicídio como um crime hediondo, transformam pobres coitados em "monstros". Criam uma visão materialista do inferno, para justificar seu moralismo. E acabam sendo insensíveis aos sofrimentos humanos que levam as pessoas a se matarem, porque a doutrina tem como princípio a apologia do sofrimento.
O mais recente apelo dos ideólogos "espíritas", diante da crise que o "movimento espírita" sofre diante dos efeitos naturais de suas contraditórias e equivocadas escolhas, é dizer que a doutrina, pelo menos, "salva vidas" e "evita" o ato do suicídio, trazendo a esperança do "futuro".
Alguns textos em blogues ou periódicos "espíritas" foram escritos neste sentido, enfatizando a religiosidade e a crença em Deus como supostos remédios para o pessimismo, para as angústias e para as dificuldades pesadas que as pessoas encontram em suas vidas.
Tudo parece bem intencionado, bastante positivista e, à primeira vista, parece uma demonstração de amor fraterno, caridade, dedicação ao próximo e consolo contra quem se afunda nos sentimentos de desespero e insegurança, não fosse por um detalhe: o "espiritismo" defende a Teologia do Sofrimento.
Invenção nossa? Não. É só prestar atenção em muitas das frases "dóceis" trazidas por Francisco Cândido Xavier. Acreditando que o sofrimento humano é apenas uma etapa "momentânea" da vida de cada indivíduo, ele recomendava suportá-lo sem queixas e, de preferência, sem gemer de dor ou reagir bruscamente contra o motivo desse infortúnio.
A depender de suas frases, pouco importa se o infortúnio dura décadas ou a encarnação inteira. Ele chegava a usar como desculpa que o sofrimento de décadas era apenas "um segundo" na eternidade da vida, e alegava que "tudo passa" e que Deus reserva "dias melhores" na "vida futura".
Esse é o problema. Pouco importa se uma pessoa diferenciada desperdiça uma encarnação inteira com infortúnios, com barreiras severas, e, em vez de usar seus potenciais para ajudar alguém, se torna subordinada aos arbítrios de alguém mais estúpido e ignorante que a tal pessoa.
Para um "espiritismo" que não tem a sensibilidade necessária para compreender a individualidade de cada pessoa, se submeter a um algoz "também é caridade", ainda que a pessoa seja impedida em toda sua encarnação a dar proveito de seus potenciais para ajudar alguém. E os "espíritas", sádicos, ainda têm a coragem de dizer, em seu juízo de valor: "Não está na hora de aproveitar tais potenciais".
PROGRESSO PERDIDO
Pouco importa se gerações inteiras se perdem diante de um projeto de progresso humano perdido. No Brasil, é ilustrativo que a maioria de pessoas diferenciadas morre cedo, de Leila Diniz a Glauber Rocha, de Mário de Andrade a João do Rio, de Renato Russo a Humberto de Campos, ou morrem no auge de suas atividades intelectuais, como o geógrafo Milton Santos e o ator José Wilker.
Tivemos um processo de avanços sócio-políticos, econômicos e culturais para o Brasil, traçados e debatidos entre os anos de 1958 e 1963, interrompidos e dissolvidos pela ditadura militar. O país passou por retrocessos profundos desde então, e muitos desses retrocessos passaram a ser apoiados pela sociedade pelo ideal de conveniências, jogos de interesses e zonas de conforto que representam.
Difícil progredir o país quando nossas melhores mentes morrem cedo ou não completam sua missão, deixando, para sempre, muitos planos de vida. E os "espíritas", sem perceber a noção do tempo, contraditórios entre o materialismo dos cronogramas terrenos, dos calendários ocidentais, mas ignorando a cronologia existencial de séculos, décadas ou minutos, ignora tudo isso.
No seu julgamento moralista, o "espiritismo" pouco se sensibiliza com o sofrimento alheio. Pouco percebe que uma encarnação não é igual a outra, e o que se deixa de fazer numa encarnação pode ser impossível de se fazer em outra. Pouco importa os longos sofrimentos, os potenciais abortados, os progressos comprometidos. Os "espíritas" se iludem ao achar que amanhã é igual a hoje.
Ignorando que o espírito humano tenha suas necessidades de aproveitar a vida material para intervir com suas qualidades espirituais, o moralismo "espírita" vê a encarnação como algo qualquer nota, como um processo em que só se pode suportar uma imposição, só se experimenta relações de obediência submissa de um lado e arbítrio abusivo de outro, como "o melhor meio" de evolução humana.
Claro que limitações podem trazer lições de vida, mas da forma que o "espiritismo" prega, como se fosse um campeonato de infortúnios visando o prêmio da "vida futura", só prejudica as pessoas que recorrem à doutrina, em seus tratamentos espirituais, e, em vez de superar suas dificuldades iniciais, contrai outras piores ainda.
MORALISMO E MATERIALISMO
Como é que a religião que se gaba em "prevenir o suicídio" - prática que o moralismo "espírita" define como crime hediondo, pior do que o homicídio - estabelece o sofrimento em si mesmo como caminho seguro para o progresso espiritual?
A Teologia do Sofrimento, popularizada por Teresa de Lisieux e defendida tanto por Madre Teresa de Calcutá (que por causa disso chegou a ser chamada de "anjo do inferno") quanto por Chico Xavier (erroneamente chamado de "ativista" e "progressista" por tal postura), cria, por sua própria natureza, as condições para levar alguém ao suicídio.
A segurança com que os líderes e palestrantes "espíritas" supõem ter em dizer que sua doutrina "salva vidas" e por isso "previne o suicídio" é contestada pela própria natureza com que julgam o suicídio, através de seus preconceitos moralistas.
Como é que um suicida, que apesar do seu erro tem como atenuante o fato de tirar sua própria vida, por decisão própria, pode ser pior do que um homicida, que leva o egoísmo humano às últimas consequências, interrompendo a vida de outro sem a permissão deste, mas é visto como uma espécie de "justiceiro dos reajustes espirituais", que só "pagará pelo que fez" uma ou duas encarnações depois?
O moralismo "espírita" vê o suicídio como um ato deplorável, mas também não oferece condições para que as pessoas evitem o ato. Contraditoriamente, a moral "espírita" diz para o indivíduo não se matar, mas também o "aconselha" a aceitar o sofrimento que potencialmente seria motivo de suicídio.
Mas aí o "espiritismo" deixa sua máscara cair e mostra seu grau materialista, tomando emprestado o antigo moralismo católico que inventou o Céu e o Inferno e, no meio deles, o Purgatório. No "espiritismo", o que há é o "mundo superior", a "zona inferior" do umbral e as "colônias espirituais", numa analogia mais exata.
O "umbral" é normalmente conhecido como "inferno", embora as fontes "espíritas" divirjam quanto à função do "purgatório", uns creditando as "cidades espirituais" (creditadas por outros como "mundos superiores"), outros creditando os "umbrais" não como Inferno, mas como Purgatório.
E aí as narrativas "espíritas", a partir do exemplo de Nosso Lar, livro de Chico Xavier que, com base numa obra estrangeira, A Vida Além do Véu, de George Vale Owen, mistura narrativas de folhetim com elementos de ficção científica e terror, num possível tributo ao então menino-prodígio da "mediunidade", Waldo Vieira, admirador de Chico Xavier e colecionador de revistas em quadrinhos.
O umbral é narrado como se fosse em obras do terror, pois descreve zonas macabras, com pessoas se comportando feito zumbis, com roupas rasgadas, aparência sombria e comportamentos tenebrosos, como se não tivessem consciência do que realmente são ou foram.
Cria-se uma visão materialista do inferno, o que vai contra o pensamento de Allan Kardec, que definia as "zonas inferiores" apenas como percepções imaginárias de cada indivíduo. São apenas meras impressões pessoais, como alguém que fica mal-humorado e sofre uma encrenca durante o dia, mesmo que este fosse um dia ensolarado.
Os "espíritas" querem apenas assustar, com sua "psicologia do terror", e tentam não resolver os problemas dos suicidas, mas simplesmente intimidá-los com a suposta descrição do "inferno espiritual". É como se dissessem que a criança não deveria se matar, porque "lá no além" o "homem do saco" recolherá as almas infelizes para serem jogadas em lodos fervendo como caldos ebulindo numa panela, sobre o fogão.
Só que isso não existe. E o "espiritismo" erra mais uma vez tentando convencer o mal do suicídio não pela busca de soluções reais, mas pela intimidação de um ato que já é erroneamente considerado "hediondo". E isso não resolve, porque o "espiritismo" e sua apologia ao sofrimento só faz criar condições para alguém se suicidar. Se a pessoa não se suicida, é muito mais pela perseverança pessoal dela do que por qualquer ajuda da religião.
Os "espíritas" acabam agindo mal. Considerando o suicídio como um crime hediondo, transformam pobres coitados em "monstros". Criam uma visão materialista do inferno, para justificar seu moralismo. E acabam sendo insensíveis aos sofrimentos humanos que levam as pessoas a se matarem, porque a doutrina tem como princípio a apologia do sofrimento.
sexta-feira, 20 de novembro de 2015
José Bonifácio, abolição e o ufanismo "espírita"
Há muita fantasia na história do "movimento espírita" e, relacionada ao final do Segundo Império, muitos dados nebulosos e mistificadores cercam não só personalidades "espíritas", como também figuras políticas conhecidíssimas, como o imperador Dom Pedro II.
No que se refere à abolição da escravatura, que no fundo não foi mais do que uma iniciativa inócua que só causou o desequilíbrio social que gera efeitos até os dias atuais, o "espiritismo" faz a maior festa, e até hoje investe em uma mitificação que nem os historiadores defendem mais.
Até hoje o 13 de Maio de 1888 é coroado pelos "espíritas" como uma "data crucial" para o que acreditam ser o início de um "novo tempo de fraternidade e luz". Com um deslumbramento que chega ao ponto do patético, os "espíritas" até hoje exaltam a Princesa Isabel, Dom Pedro II e outros figurões, sobretudo o próprio dirigente "espírita" Adolfo Bezerra de Menezes.
Há que se admitir que o livro A escravidão no Brasil e as Medidas que Convém Tomar para Extingui-la sem Dano para a Nação, que dr. Bezerra lançou em 1869, é um bom trabalho, com ideias válidas para eliminar a escravidão. No entanto, isso não faz Bezerra um grande líder abolicionista, até porque, fora de sua religião, seu papel histórico é considerado menos expressivo.
Não bastasse as atuações de nomes como José do Patrocínio e os irmãos André e Antônio Rebouças, os três negros emancipados, e de nomes como Joaquim Nabuco, terem sido mais viscerais, ainda no primeiro quartel do século XIX a figura de José Bonifácio de Andrada e Silva, estadista do Primeiro Império, é bastante expressiva na sua posição abolicionista.
Conhecido como o Patriarca da Independência - foi José Bonifácio que estabeleceu os acordos parlamentares que consolidaram a emancipação política do Brasil, não um Dom Pedro I montado num burrico e seu "grito no Ipiranga", que foi apenas um ato simbólico - e habilidoso articulador político, de atuação considerada arrojada para a época, o estadista já se manifestava a favor da extinção da escravidão.
Naquela época, cerca de 1823, o Reino Unido já pressionava para o Brasil abolir o trabalho escravo, mas o lobby que grandes proprietários de terras tinham na sociedade, influenciando até os intelectuais da época, impedia que alguma coisa fosse feita nesse sentido.
José Bonifácio tinha uma visão de mundo considerada contemporânea no seu tempo, uma época em que as pessoas levavam tempo para perceber as necessidades e demandas da vida moderna. Bem intencionado, ele não podia no entanto realizar a Abolição, porque a pressão dos grandes fazendeiros, o "empresariado" do Brasil na época, era muitíssimo grande.
Sabemos que o trabalho de libertação dos negros escravos sempre foi gradual, paliativa e inexpressiva. Medidas legislativas foram feitas, como a Lei do Ventre Livre e a Lei do Sexagenário, que pouparam crianças e idosos de sofrerem a sina da escravidão.
Depois de José Bonifácio, foi necessário mais de meio século para que a escravidão fosse declarada oficialmente extinta. No entanto, até hoje existem focos de trabalho escravo no interior do Brasil, envolvendo não apenas negros, mas mestiços em geral ou qualquer um que seja ligado às classes populares e esteja a procura de um emprego.
A situação do negro não melhorou e os senhores do engenho, para se vingarem do fato de não terem sido indenizados pelo Império, apoiaram a República e financiaram um golpe que instaurou o atual sistema de governo no Brasil.
Devemos esclarecer algumas coisas sobre a abolição que os "espíritas" ignoram. Em especial a postura hesitante do imperador Dom Pedro II em extinguir o trabalho escravo. Sua filha, Isabel, era apenas a "funcionária" de plantão e ela não foi a "ativista da Abolição" como os "espíritas" tanto acreditam, mas alguém que assinou um documento resultante da luta de muitos parlamentares.
A assinatura do documento foi um fato menor, diante dos esforços que os parlamentares tiveram bem antes de 1888. Também seria simplório dizer que foi o trio Pedro II - Isabel - Dr. Bezerra que, conforme acreditam os "espíritas", teriam sido os maiores ativistas da Abolição, porque sua participação foi bem menor. A de Joaquim Nabuco foi bem mais expressiva.
E ver que ainda tem muito a se resolver no problema da negritude brasileira. Há poucas semanas, a prestigiada e talentosa atriz, Taís Araújo, com toda sua popularidade, foi vítima de terríveis ofensas raciais. Isso reflete o atraso que o Brasil ainda sofre em relação ao mundo, e ver que boa parte da juventude "irada" ainda vive no tempo dos velhos engenhos é preocupante.
A realidade mostra que a fantasia "espírita" a respeito da Abolição, neste dia em que se lembra a morte do lendário ativista negro Zumbi dos Palmares, não faz sentido e que os problemas que vivem o Brasil o impedem de ser o tão sonhado "coração do mundo" que o "movimento espírita" tanto desejou para o país. E mostram que a visão da História pelos "espíritas" é muito, muito defasada.
quinta-feira, 19 de novembro de 2015
Leah Remini e sua militância contra a Cientologia
O que é o Primeiro Mundo. Diferente do Brasil, pessoas podem denunciar armadilhas e farsas sem que enfrentem o filtro da visibilidade seletiva - que no nosso país discrimina quem questiona o "estabelecido" - , e chama a atenção o caso da atriz do seriado King of Queens, Leah Remini, e sua campanha de denúncia contra a Cientologia, seita que ela seguiu durante 30 anos.
Ela lançou o livro Troublemaker: Surviving Hollywood and Scientology (algo como "Causadora de Aborrecimentos: Sobrevivendo a Hollywood e à Cientologia"), no qual relata sua experiência de vida e denuncia os bastidores da Cientologia.
A Cientologia é uma seita religiosa, que se apoia em abordagens pseudo-científicas e ocultistas, que em muitos aspectos parece uma versão mais sofisticada, neurótica e alucinada do "espiritismo" brasileiro. É conhecida pelos seus adeptos e pregadores, os atores Tom Cruise e John Travolta.
A doutrina estadunidense foi fundada pelo escritor de enredos pulp (obras de suspense publicadas em revistas ou livros de papel mais rudimentar), o cientista fracassado Lafayette Ronald Hubbard, ou simplesmente L. Ron Hubbard (1911-1986).
A Cientologia surgiu em 1952, na mesma época em que Madre Teresa de Calcutá inaugurava as primeiras "casas dos moribundos" na Índia, Chico Xavier "ampliava" suas atividades "mediúnicas" para supostas materializações e, depois, psicofonias, e Divaldo Franco inaugurava a Mansão do Caminho, então na Cidade Baixa, em Salvador.
As práticas da Cientologia envolvem hipnose, e um tipo de rituais e dogmas que consistem na subordinação dos indivíduos às suas crenças surreais, de caráter esotérico e "espiritualista", com conceitos falsamente filosóficos e científicos.
A crença gira em torno de uma forma de fonte de vida, o "thetan", termo que se refere à "verdadeira identidade de uma pessoa", um núcleo onisciente e não-material. O sentido de thetan se aproxima ao do espírito humano, conforme a abordagem do "espiritismo" brasileiro.
Os thetans teriam concebido o universo material como meio de expressão do prazer. Logo se identificaram com a matéria mas se esqueceram de sua natureza espiritual. Para reparar seus erros, recorrem à "hipótese", que é o renascimento em novos corpos, semelhante ao que entendemos como reencarnação.
ALGUMAS CARATERÍSTICAS DA SEITA
A Cientologia criou uma estória sobre a origem dos thetans, através do governante tirânico da Confederação Galática, chamado Xenu, que havia enviado milhares de milhões de pessoas para habitar a Terra em naves espaciais que se assemelham a aviões do tipo Douglas DC-8. Vulcões foram bombardeados com hidrogênio e thetans foram colocados juntos aos corpos dos vivos.
O sistema moralista da Cientologia está em privar os valores considerados "elevados" por sua doutrina para os iniciantes considerados "despreparados". A seita também possui estrutura hierárquica rígida e há severos rituais de persuasão, que em muitos casos consiste no entrevistador manipula a mente de seu interlocutor através de frases repetidas.
Um desses rituais é a "auditoria", nas quais as pessoas participam de sessões de aconselhamento e são convidadas a libertar-se dos chamados "engramas", espécie de energias mentais negativas. Correspondem a uma analogia mais engenhosa dos tratamentos espirituais dos "centros espíritas".
Há muito autoritarismo e processos de intimidação e punições para quem não cumpre o rigor dos ritos e crenças da Cientologia. Segundo Leah Remini, um aspecto estranho que ela notou foi quando a filha de Tom Cruise e sua ex-mulher, Katie Holmes, Suri Cruise, então bebê, foi deixada deitada no chão enquanto mulheres gritavam a ela como se fosse uma adulta.
Leah abandonou a Cientologia quando percebeu o risco de sua filha ser manipulada pela doutrina, depois que a atriz conheceu alguns aspectos estranhos da doutrina, que mostram seu nível opressivo e sua disciplina por demais rigorosa e castradora. A doutrina enfatiza a sobrevivência, a procriação e a família, dentro do rigor moralista e religioso que conhecemos, como princípios "elevados".
A influência de Tom Cruise na Cientologia, na qual ele não é só integrante, mas seu pregador mais famoso e um dos mais importantes, na instituição hoje presidida por David Miscavige, sucessor de Hubbard na seita, não apenas fez Katie Holmes se separar do ator, como este havia se separado antes de outra atriz, Nicole Kidman, pelo mesmo motivo.
Tanto Nicole quanto Katie estavam preocupadas com as pressões que Tom impunha à família por influência da seita e de seus dogmas opressivos. Leah, que largou a seita por influência de Nicole, denuncia o fato de que a seita torna as pessoas arrogantes, citando um episódio em que Tom Cruise gritou com um assistente só porque não encontrou um pacote fechado de biscoitos.
DENÚNCIAS
Leah não é a única a denunciar a Cientologia. O escritor Lawrence Wright publicou o livro Prisão da Fé - Cientologia, Celebridades e Hollywood (Going Clear: Scientology, Hollywood, and the Prison of Belief), e ele mesmo co-produziu a adaptação do livro no documentário feito e também produzido por Alex Gibney.
O filme foi produzido pelo HBO, foi premiado no Festival Sundance e mostra o quanto, lá fora, se peitam instituições religiosas quando elas demonstram irregularidades diversas. Questionar é algo que mesmo o mainstream não teme, mesmo que seja para derrubar totens consagrados.
No exterior, charlatães religiosos podem ser denunciados. A fé religiosa não é uma corrente castradora na qual as pessoas têm que aceitar tudo e nunca questionar coisa alguma. As fraudes podem ser investigadas até mesmo em documentários, monografias e reportagens em veículos de grande projeção e por pessoas que podem exercer grande visibilidade.
No Brasil, porém, nada se investiga. Quer dizer, já houve o tempo em que Francisco Cândido Xavier, o popular Chico Xavier, era bem mais investigado. Hoje, a complacência quase generalizada, que se manifesta com seus múltiplos seguidores no Facebook, YouTube e outros veículos das mídias sociais, é preocupante e castra qualquer esforço de investigação e questionamento.
Muito pelo contrário, a mídia está quase toda de rabo preso com o "espiritismo" brasileiro, com a exceção da Rede Record e similares. Mesmo assim, é por causa da influência evangélica da Igreja Universal do Reino de Deus.
As famílias midiáticas não querem que as fraudes de Chico Xavier sejam investigadas. O meio acadêmico estabelece muitas restrições e há braços chiquistas na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal de Juiz de Fora, fora outras instituições semelhantes.
A Justiça não averigua irregularidades. Apesar dos avanços jurídicos, o medo de advogados e juristas enfrentarem o "movimento espírita" é muito grande. E olha que lá nos EUA a Cientologia rebate críticas e investigações, até com arrogância e agressividade, mas mesmo assim isso não intimida em coisa alguma os trabalhos de contestação e investigação de irregularidades da seita religiosa.
O exemplo de Leah Remini dá mais visibilidade para as investigações a respeito dos males da Cientologia. Um exemplo que não dá para haver no Brasil, diante de um mercado midiático oligárquico, meios acadêmico e jurídico tendenciosos e uma reputação descomunal que a ideia de religiosidade tem no Brasil, de maneira praticamente totalitária.
Com isso, o Brasil está mais uma vez em situação de profundo atraso e ainda há o risco de maiores retrocessos. Não há a menor condição do Brasil comandar a comunidade das nações, nesse quadro em que o país ameaça andar ainda mais para trás.