segunda-feira, 31 de agosto de 2015
O "espiritismo" brasileiro é uma religião burguesa?
Sabe-se que o "movimento espírita" surgiu na aristocracia, através de dissidentes católicos que apenas variavam por aceitar conceitos de paranormalidade. E que o "espiritismo" brasileiro nunca passou de um Catolicismo paranormal, muito distante da essência de Allan Kardec.
Tido como o movimento religioso "mais transformador" do Brasil, sob o pretexto de promover a "reforma íntima" em prol da "vida futura", o "espiritismo" brasileiro consiste, todavia, num conjunto de valores moralistas, práticas mediúnicas precárias (para não dizer falsas) e filantropia paliativa que, na verdade, está muito longe de representar qualquer sentido transformador.
O "espiritismo" só é considerado "transformador" para uma parcela da sociedade ainda presa a valores conservadores, por mais que se diga "progressista". Seu apego ideológico à ideia do sofrimento "resignado" e da caridade superficial revela a origem elitista desse movimento.
A doutrina que se trabalha no Brasil já se distancia de Allan Kardec por recusar a seguir rigorosamente seu cientificismo. Quando muito, finge que o segue, enquanto mistura um cientificismo muito mal compreendido com esoterismo e crendice religiosa.
O "espiritismo" brasileiro não tem compromisso com a transformação social profunda. A filantropia se limita a se dividir entre as esmolas organizadas por "centros espíritas", doações que por si só nunca resolvem as questões da pobreza, e projetos educativos que não fazem as pessoas terem uma visão crítica e analítica do mundo em volta.
Por outro lado, os líderes "espíritas" são cortejados de uma forma acima do normal pelas elites, pela aristocracia, o que nos faz pensar além de uma simples aparência da vocação "ecumênica" e "conciliadora" dessas lideranças e também dos astros do "espiritismo", sobretudo os anti-médiuns.
Para quem ainda não entendeu, se Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco são chamados de "anti-médiuns", é porque eles deixaram de ter o papel intermediário que um médium deveria ter, para se tornarem as estrelas principais do espetáculo paranormal, bancando dublês de pensadores e virando "grifes" para um padrão de atividades tidas como "mediúnicas".
Tudo parece equilibrado. O assistencialismo aparente aos pobres e a cordialidade às elites diante de homenagens, festas e jantares. Eventos de palestras, os chamados workshops, dedicados ao "espiritismo" e com taxas de inscrições caras e realizadas em hotéis de luxo, são realizados, geralmente perdendo tempo com receituário moralista e pregações igrejistas.
No entanto, o que se observa é o mesmo jogo de aparências entre elites que trocam elogios e afagos entre si e pobres que só recebem benefícios provisórios, as tais cestas básicas e outros donativos que se esgotam em menos de um mês.
A burguesia elogiando os "astros" do "espiritismo", geralmente os anti-médiuns que se tornam centro das atenções pelo seu pastiche de filosofia barato, pela "boa palavra" que transmitem e pela falsa sensação de que a aristocracia usufruiria de uns quinze minutos de aparente humildade e elevação espiritual.
E ai, a cobertura das colunas sociais envolvendo "espíritas" é de uma adulação viscosa, que pouco influi na transformação das classes mais ricas, que ficam felizes posando ao lado de um Divaldo Franco ou similares ou, no passado, visitando Chico Xavier em Uberaba.
Em muitos casos, a única coisa "transformadora" que ocorre é que as elites passam a doar seus pertences não mais àquele brechó situado em um bairro de classe média da cidade, mas a um "centro espírita" que, muito provavelmente, desviará para das doações aos pobres para um outro brechó situado em um bairro de classe média.
Aquele vestido rasgado, aquela camiseta desbotada, aquele jeans que ficou apertado porque a madame que o usava engordou, tudo isso vai para o "centro espírita". E, obviamente, como os vestidos das madames não iriam ser doados para os pobres, eles vão diretamente para os brechós.
Infelizmente, o ato de doar pertences mais parece um "depósito de lixo" do que uma forma de renovar o acervo através do descarte de velhos objetos. As elites se livram de roupas como se livram de entulhos, e qualquer esboço de aparente humildade não elimina por completo os preconceitos elitistas dos mais ricos.
Um exemplo é a socialite Hildegard Angel, que se tornou esquerdista, simpatizante de movimentos sociais, amiga das causas progressistas, mas que manteve seus piores preconceitos elitistas, quando condenou a existência de linhas da Zona Norte para a Zona Sul como fator de "declínio" das praias cariocas por causa do aumento da frequência do povo pobre.
Em tempos que a ação do autoritário PMDB carioca quer mutilar itinerários de ônibus tradicionais como forma de dificultar o acesso das periferias para a Zona Sul - passando a pegar ônibus para o Centro e, daí, BRTs superlotados para a ZS - , Hildegard, além de defender a medida, chegou a escrever que as praias deveriam cobrar ingressos, para evitar a frequência do povo pobre.
Os "espíritas" têm consciência de que as elites são gananciosas, discriminadoras e egoístas? Aparentemente, sim. Mas não seriam eles uma elite dotada de seus preconceitos? O "espiritismo", pelo que se desenvolveu, é em si mesmo elitista, preconceituoso, é carregado de preconceitos místicos e moralistas, de uma visão discriminatória de justiça social.
Vide, por exemplo, os dois pesos e duas medidas em várias coisas, como a culpabilidade das vítimas de crimes e uma certa complacência com o crime e a corrupção, acreditando que os algozes "serão punidos, com certeza", mas acreditando num fiado moral, cujo pagamento será daqui a cem anos.
A religião "espírita" acaba permitindo o mau agouro a Juscelino Kubitschek, o qual não adiantou ser amigo de Chico Xavier e benfeitor da Federação "Espírita" Brasileira, pois o azar lhe bateu à porta, perdendo direitos políticos e passando por uma decadência que sucumbiu numa estranha tragédia automobilística, que oficialmente é dada como "um simples acidente".
Já Fernando Collor, mesmo investigado por corrupção, nem foi tão amigo de Chico Xavier, mas parece que foi beneficiado por esse jogo de relações - Chico Xavier, no fundo, foi um dos maiores espertalhões do país - a ponto de parecer capaz de passar por cima de qualquer encrenca, a não ser que Rodrigo Janot, procurador da República, mantenha sua firme atuação contra o ex-presidente.
O que se tem certeza é que o "espiritismo" não conseguiu cumprir as promessas de transformação social, e, mesmo se autoproclamando a vanguarda dos movimentos espiritualistas, reduziu-se em ser um engodo religioso-assistencialista que não vai além dos paradigmas de um Catolicismo paranormal.
Por efeito de seus valores medievais que inspiram todo o seu receituário moralista, seguindo de forma não-assumida a essência dos delírios místicos de Jean-Baptiste Roustaing - por mais que seu nome seja visto como "palavrão" entre os "espíritas" - , o "movimento espírita" consente com o contexto de desigualdades sociais, apenas resolvendo injustiças de forma que não afete o "sistema".
domingo, 30 de agosto de 2015
O que sempre foi esperado para os líderes "espíritas"
UMBRAL, NA VERDADE, É UMA FANTASIA COMPARTILHADA POR ALMAS ATORMENTADAS NO ALÉM-TÚMULO.
O "movimento espírita" brasileiro é um caminho que supõe ser um meio menos árduo para conseguir a evolução espiritual, desde que faça da encarnação presente um roteiro de infortúnios ou de submissão à fé e espere prêmios futuros no além-túmulo, na "verdadeira vida" que, em verdade, pouco tempos noção do que se trata.
As deturpações "espíritas" tentam dar uma visão de "vida espiritual" que não é mais do que especulativa. Tentam desenvolver noções de mediunidade e de comunicação com espíritos que não vão além do âmbito da especulação ou mesmo da fraude, vide as pinturas "mediúnicas" que destoam completamente dos estilos que os pintores alegados deixaram em vida.
A "vida espiritual" é um enigma que mesmo Allan Kardec teve cautela para analisar. Ele era cauteloso e evitava especular sobre o incerto, não supunha detalhes da vida espiritual que ele mesmo não era ainda capaz de entender, pois a novidade do tema Espiritismo era algo a ser pesquisado e debatido e esse processo estava somente no começo.
Mas, no Brasil, o "movimento espírita" criou fantasias dignas de ficção científica, especulando o mundo espiritual da forma mais materialista possível, já que a religião espiritualista em que se reduziu a Doutrina Espírita é muitíssimo materialista.
Em princípio, como se vê em Nosso Lar, o mundo espiritual é narrado como se fosse um grande parque, no qual possuem alguns edifícios, uns administrativos e outros hospitalares, geralmente imponentes e parecendo mistos de shopping center com hospitais privados. As pessoas vestem roupas que lembram pijamas brancos e se comportam como se fossem "zumbis do bem".
O comportamento é bondoso, mas frio. A personalidade é sisuda, embora cordial e aparentemente generosa. Existem cargos políticos e, no caso da famosa obra do fictício "André Luiz", existe até unidade monetária, os "bônus-hora", que serve como moeda de pagamento de alimentos, mercadorias e até de ingressos para cinemas e teatros.
A maioria dos "espíritas" define esse mundo como "superior", embora há quem diga que eles são mundos ainda medianos. O umbral é visto como "inferno", mas há quem o atribua a um "purgatório". As alegorias de Céu e Inferno no "movimento espírita" são bastante confusas e contraditórias, mas a orientação predominante é que a "colônia espiritual" é o "céu" e o umbral, o "inferno".
É risível que os líderes "espíritas", pretensos sábios e sempre se apoiando por uma aparente caridade - que não raro não vai além de medidas paliativas - , se achem na certeza de que, quando desencarnarem, irão para o céu ou poderão escolher serem missionários para "completar" suas tarefas humanas às quais "falta pouco para cumprir".
Há o caso de Chico Xavier que, quando faleceu num dia de "muita felicidade para os brasileiros" - embora na verdade essa "felicidade" seja autêntica para Ricardo Teixeira, João Havelange, José Maria Marin, Marco Polo Del Nero etc - , foi considerado "espírito puro" e por isso "sem necessidade" de reencarnar.
Existe até mesmo uma lenda anunciada por "espíritas" de que o anti-médium mineiro, depois que viu seus entes queridos, ao receber o chamado de Jesus Cristo para ir para o "reino dos puros", se "evaporou" como se tivesse sido sugado por um aspirador de pó.
Isso é mito. Afinal, um anti-médium de trajetória confusa, cheio de graves contradições, acusado de pastiches literários que se confirmam em comparações e pesquisas, não pode ser considerado "espírito puro" só porque errou demais, mas era "bonzinho". Ele teve que reencarnar e, como todo líder "espírita", ficou chocado com a realidade espiritual que encontrou no além-túmulo.
Chico Xavier, como Yvonne Pereira, Antônio Wantuil de Freitas, Luciano dos Anjos, Waldo Vieira, Arnaldo Rocha, Wanda Canutti, "Tio" Nilson Pereira, Marlene Nobre e outros que na Terra compartilharam das manobras igrejistas para a Doutrina Espírita, todos eles encontraram no desenlace o "umbral" que supunham em suas mentes.
Todos tiveram algum peso na consciência, porque ficaram chocados com a ilusão que tiveram na Terra. Imaginavam um gigantesco parque com enormes prédios imponentes, com céu azul a combinar com a relva verde e muita luz ao redor, com crianças brincando, dóceis bichinhos e árvores frondosas e jardins floridos, entre outras coisas.
Não sabemos como é o mundo espiritual, mas com certeza sabemos que os líderes "espíritas" levaram um choque violento, vendo o "umbral" de suas almas, já que o vazio que se deu diante da desilusão os deixou desnorteados, confusos, atormentados ou, na melhor das hipóteses, bastante tristes e decepcionados.
Chico Xavier foi o que mais levou choque. Ele, que imaginava ser acolhido pelos seus melhores amigos e por Jesus que o convidaria para sentar no banquete dos puros, sentiu o grande choque de estar sozinho, desamparado no além-túmulo, e com a consciência bastante pesada, enquanto algum conselheiro espiritual seu lhe advertia que ele teria muito que pagar pelos erros na vida.
Quanta desilusão Chico Xavier teve, assim que retornou ao mundo espiritual. Não sabemos detalhes, mas as informações do parágrafo anterior são verídicas pelo aspecto lógico das mesmas, e é muito mais chocante para o anti-médium essa desilusão porque ele imaginava que apenas aristocratas com excesso de extravagâncias sofreriam tais choques.
Ele, o anti-médium, pela apropriação indevida que teve dos mortos, um processo que misturava ostentação publicitária, exploração sensacionalista e falsidade ideológica, representando ações que juntam oportunismo e desonestidade, viu o "horizonte" espiritual de maneira muito sombria e deprimente.
Ele, que realizou pastiches literários e ainda por cima glamourizava o sofrimento, recomendando as pessoas a aguentarem seus problemas caladas, sem questionar e, de preferência, sem sequer chorar ou gemer de dor, mas "amando" e "agradecendo a Deus", retornou ao mundo espiritual quase que de forma traumática, com a reputação rebaixada pela consciência pesada da decepção.
Isso é o que se espera para Divaldo Franco em breve, que teve o agravante de dissimular o que Chico Xavier já fazia de ruim, em poses professorais e pseudo-científicas, em verborragia envolvente, em falsa elegância de espírito, criando em si a ilusão de pureza e enobrecimento que o túmulo desmanchará de forma ainda mais devastadora.
Pois a ilusão dos "espíritos puros" da Terra, apoiados no tendenciosismo da aparente caridade, criando arremedos de superioridade moral, inteligência refinada e ação fraternal, que no fundo escondem mistificações e moralismos traiçoeiros, ela pode ser considerada indiscutível aos olhos materialistas de seus seguidores.
No entanto, com a morte, essas lideranças veem ruir, como um prédio em implosão, suas ilusões uma a uma, que lhe davam a falsa certeza de que encontrariam áreas paradisíacas e os convites de Jesus e de Deus Pai para o jantar dos puros e justos.
Pela injustiça que fizeram através da desonestidade doutrinária, eles acabam sofrendo um desfecho ainda mais chocante quando voltam à "pátria espiritual", se decepcionando com o nível de recepção, ou melhor, de falta de recepção que encontram no além-túmulo.
O "movimento espírita" brasileiro é um caminho que supõe ser um meio menos árduo para conseguir a evolução espiritual, desde que faça da encarnação presente um roteiro de infortúnios ou de submissão à fé e espere prêmios futuros no além-túmulo, na "verdadeira vida" que, em verdade, pouco tempos noção do que se trata.
As deturpações "espíritas" tentam dar uma visão de "vida espiritual" que não é mais do que especulativa. Tentam desenvolver noções de mediunidade e de comunicação com espíritos que não vão além do âmbito da especulação ou mesmo da fraude, vide as pinturas "mediúnicas" que destoam completamente dos estilos que os pintores alegados deixaram em vida.
A "vida espiritual" é um enigma que mesmo Allan Kardec teve cautela para analisar. Ele era cauteloso e evitava especular sobre o incerto, não supunha detalhes da vida espiritual que ele mesmo não era ainda capaz de entender, pois a novidade do tema Espiritismo era algo a ser pesquisado e debatido e esse processo estava somente no começo.
Mas, no Brasil, o "movimento espírita" criou fantasias dignas de ficção científica, especulando o mundo espiritual da forma mais materialista possível, já que a religião espiritualista em que se reduziu a Doutrina Espírita é muitíssimo materialista.
Em princípio, como se vê em Nosso Lar, o mundo espiritual é narrado como se fosse um grande parque, no qual possuem alguns edifícios, uns administrativos e outros hospitalares, geralmente imponentes e parecendo mistos de shopping center com hospitais privados. As pessoas vestem roupas que lembram pijamas brancos e se comportam como se fossem "zumbis do bem".
O comportamento é bondoso, mas frio. A personalidade é sisuda, embora cordial e aparentemente generosa. Existem cargos políticos e, no caso da famosa obra do fictício "André Luiz", existe até unidade monetária, os "bônus-hora", que serve como moeda de pagamento de alimentos, mercadorias e até de ingressos para cinemas e teatros.
A maioria dos "espíritas" define esse mundo como "superior", embora há quem diga que eles são mundos ainda medianos. O umbral é visto como "inferno", mas há quem o atribua a um "purgatório". As alegorias de Céu e Inferno no "movimento espírita" são bastante confusas e contraditórias, mas a orientação predominante é que a "colônia espiritual" é o "céu" e o umbral, o "inferno".
É risível que os líderes "espíritas", pretensos sábios e sempre se apoiando por uma aparente caridade - que não raro não vai além de medidas paliativas - , se achem na certeza de que, quando desencarnarem, irão para o céu ou poderão escolher serem missionários para "completar" suas tarefas humanas às quais "falta pouco para cumprir".
Há o caso de Chico Xavier que, quando faleceu num dia de "muita felicidade para os brasileiros" - embora na verdade essa "felicidade" seja autêntica para Ricardo Teixeira, João Havelange, José Maria Marin, Marco Polo Del Nero etc - , foi considerado "espírito puro" e por isso "sem necessidade" de reencarnar.
Existe até mesmo uma lenda anunciada por "espíritas" de que o anti-médium mineiro, depois que viu seus entes queridos, ao receber o chamado de Jesus Cristo para ir para o "reino dos puros", se "evaporou" como se tivesse sido sugado por um aspirador de pó.
Isso é mito. Afinal, um anti-médium de trajetória confusa, cheio de graves contradições, acusado de pastiches literários que se confirmam em comparações e pesquisas, não pode ser considerado "espírito puro" só porque errou demais, mas era "bonzinho". Ele teve que reencarnar e, como todo líder "espírita", ficou chocado com a realidade espiritual que encontrou no além-túmulo.
Chico Xavier, como Yvonne Pereira, Antônio Wantuil de Freitas, Luciano dos Anjos, Waldo Vieira, Arnaldo Rocha, Wanda Canutti, "Tio" Nilson Pereira, Marlene Nobre e outros que na Terra compartilharam das manobras igrejistas para a Doutrina Espírita, todos eles encontraram no desenlace o "umbral" que supunham em suas mentes.
Todos tiveram algum peso na consciência, porque ficaram chocados com a ilusão que tiveram na Terra. Imaginavam um gigantesco parque com enormes prédios imponentes, com céu azul a combinar com a relva verde e muita luz ao redor, com crianças brincando, dóceis bichinhos e árvores frondosas e jardins floridos, entre outras coisas.
Não sabemos como é o mundo espiritual, mas com certeza sabemos que os líderes "espíritas" levaram um choque violento, vendo o "umbral" de suas almas, já que o vazio que se deu diante da desilusão os deixou desnorteados, confusos, atormentados ou, na melhor das hipóteses, bastante tristes e decepcionados.
Chico Xavier foi o que mais levou choque. Ele, que imaginava ser acolhido pelos seus melhores amigos e por Jesus que o convidaria para sentar no banquete dos puros, sentiu o grande choque de estar sozinho, desamparado no além-túmulo, e com a consciência bastante pesada, enquanto algum conselheiro espiritual seu lhe advertia que ele teria muito que pagar pelos erros na vida.
Quanta desilusão Chico Xavier teve, assim que retornou ao mundo espiritual. Não sabemos detalhes, mas as informações do parágrafo anterior são verídicas pelo aspecto lógico das mesmas, e é muito mais chocante para o anti-médium essa desilusão porque ele imaginava que apenas aristocratas com excesso de extravagâncias sofreriam tais choques.
Ele, o anti-médium, pela apropriação indevida que teve dos mortos, um processo que misturava ostentação publicitária, exploração sensacionalista e falsidade ideológica, representando ações que juntam oportunismo e desonestidade, viu o "horizonte" espiritual de maneira muito sombria e deprimente.
Ele, que realizou pastiches literários e ainda por cima glamourizava o sofrimento, recomendando as pessoas a aguentarem seus problemas caladas, sem questionar e, de preferência, sem sequer chorar ou gemer de dor, mas "amando" e "agradecendo a Deus", retornou ao mundo espiritual quase que de forma traumática, com a reputação rebaixada pela consciência pesada da decepção.
Isso é o que se espera para Divaldo Franco em breve, que teve o agravante de dissimular o que Chico Xavier já fazia de ruim, em poses professorais e pseudo-científicas, em verborragia envolvente, em falsa elegância de espírito, criando em si a ilusão de pureza e enobrecimento que o túmulo desmanchará de forma ainda mais devastadora.
Pois a ilusão dos "espíritos puros" da Terra, apoiados no tendenciosismo da aparente caridade, criando arremedos de superioridade moral, inteligência refinada e ação fraternal, que no fundo escondem mistificações e moralismos traiçoeiros, ela pode ser considerada indiscutível aos olhos materialistas de seus seguidores.
No entanto, com a morte, essas lideranças veem ruir, como um prédio em implosão, suas ilusões uma a uma, que lhe davam a falsa certeza de que encontrariam áreas paradisíacas e os convites de Jesus e de Deus Pai para o jantar dos puros e justos.
Pela injustiça que fizeram através da desonestidade doutrinária, eles acabam sofrendo um desfecho ainda mais chocante quando voltam à "pátria espiritual", se decepcionando com o nível de recepção, ou melhor, de falta de recepção que encontram no além-túmulo.
sábado, 29 de agosto de 2015
Pensamento de Allan Kardec podia ser reformulado, mas não deturpado
O pensamento de Allan Kardec poderia ser questionado, contestado e reformulado? Sim, e essa ideia vem do próprio pedagogo francês, que, por mexer num assunto novo que era a temática espírita, ele próprio não a via como um assunto fechado e acabado.
Infelizmente, no Brasil, há uma facção do Espiritismo - e nem se fala das formas deturpadas - que, mesmo compreendendo corretamente o pensamento de Kardec, insiste numa "igreja kardeciana" e supõe que o assunto está "fechado" a novas questões e problemas.
Essa facção pode não ser chiquista ou divaldista, mas peca por distorcer, à sua maneira, o cientificismo kardeciano em um igrejismo de ideias científicas. O cuidado de evitar a religiosização das coisas deve ser feito, para evitar tamanhos equívocos.
No Rio de Janeiro, a mania de religiosizar as coisas permite que seus retrocessos prevaleçam, porque se endeusa o diploma de fulano, a visibilidade de sicrano e o poder mercadológico de beltrano. A gravidade disso foi questionada até pelo seriado South Park, que imaginou uma sociedade de religiões formadas a partir do ateísmo, que brigam entre si.
Kardec lidava com um assunto novo e, em seu tempo, a única tecnologia contemporânea que havia era a fotografia. E, mesmo assim, sem a linguagem dinâmica que temos hoje. O bonachão Kardec, bem humorado e gentil, teve sua imagem marcada para a posteridade como um homem supostamente sisudo. Mas era a regra que os fotógrafos da época determinavam para as pessoas.
As transformações da Comunicação só vieram para valer no século XX para cá. Fazer um selfie em 1857 era impossível. O que havia de próximo à Internet nos tempos de Kardec eram os correios e o noticiário da imprensa escrita. Kardec não sobreviveu à criação do fonógrafo, feita oito anos após o falecimento do pedagogo.
Isso condiz muito quanto ao sistema de conhecimentos de Allan Kardec ser contemporâneo, pertinente e em muitos aspectos atualíssimo. Mas é evidente que a abordagem era de acordo com a época, e Kardec previu isso quando estabeleceu o Controle Universal do Ensino dos Espíritos, que era uma tentativa de seu pensamento ser atualizado com o tempo.
Nesse Controle Universal, Kardec estabeleceu as diretrizes que pudessem aperfeiçoar as pesquisas espíritas. Ele não temia ser questionado. Aliás, tudo era uma questão de transmissão de ideias, de debate em prol do conhecimento e da honestidade da lógica, e era isso o que Kardec queria, sem se preocupar em fazer o seu nome pessoal em torno disso.
O grande problema é que o pensamento de Kardec foi traído, depois que ele faleceu. O debate que ele promovia foi eliminado, mesmo seus discípulos amenizaram o tom e distorceram os ensinamentos ao religiosismo para tentar agradar os católicos.
A Ciência Espírita se limitou a um objeto de bajulação, cuja prática nunca foi realmente feita como Kardec esperava que fosse. E, em vez de seu pensamento ser reformulado e atualizado com as transformações dos tempos, que não deveriam trair com a essência original de seu pensamento embora pudesse pôr à prova seus conceitos, houve tão somente uma deturpação, e das piores.
No Brasil, então, as ideias do deturpador Jean-Baptiste Roustaing prevaleceram, mas como é da mania de muitos brasileiros dissimular as coisas, tudo se rumou para que o roustanguismo seja feito enquanto seus seguidores fingem adotar "fidelidade absoluta" ao pensamento de Allan Kardec.
Com isso, o pensamento espírita e as questões acerca do mundo ficaram comprometidos. Tudo virou um igrejismo dos mais traiçoeiros, em que pretextos aparentemente bonitos como "amor", "caridade", "fraternidade", "solidariedade", "compaixão" e "luz" são usados para acobertar os piores erros, tão constrangedores e danosos para a apreciação adequada do Espiritismo.
A deturpação gerou um prejuízo enorme, que só beneficia quem lucra com os prejuízos alheios. E assim, os lideres "espíritas", com seu personalismo, seu pretenso bom-mocismo e sua verborragia, se autopromovem às custas de uma violenta deturpação da doutrina de Allan Kardec, enquanto fingem expressar respeito absoluto ao pensamento do pedagogo francês.
sexta-feira, 28 de agosto de 2015
Ideia de crianças-índigo revela uma grande estupidez
A ideia de criança-índigo é muito mais estúpida e ridícula do que se pode imaginar. Primeiro, porque se trata de uma discriminação, anunciada em argumentação "positiva", contra pessoas que são dotadas de personalidade diferenciada e inteligência peculiar. Segundo, porque enxerga a perspectiva materialista de "estoques de pessoas inteligentes" com a missão de "transformar o planeta".
A primeira alegação é até confusa, porque no meio do caminho, os "espíritas" colocam no mesmo balaio cheiradores de crack e jovens cientistas. Caindo em contradições o tempo todo, eles tentam argumentar que algumas crianças-índigo "não conseguem" aproveitar "adequadamente" seus potenciais.
Os partidários dessa ideia, que não passa de engodo místico e sensacionalista, não conseguem decidir se tal classificação se refere às pessoas com elevado grau de moralidade, combinada a uma inteligência precocemente adquirida, ou se refere a pessoas muito inteligentes mas eventualmente perturbadas e relapsas.
O anti-médium baiano, Divaldo Franco, que os incautos entendem como "fiel e rigoroso discípulo de Allan Kardec" mas que comete asneiras que o pedagogo francês reprovaria sem um milésimo de segundo de hesitação, chegou ao cúmulo de dizer que o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade) era uma "virtude" das ditas crianças-índigo.
Para evitar críticas, os partidários dessa ideia absurda reservam a classificação de crianças-cristais para "espíritos de maior evolução", e alguns se limitam a definir as crianças-índigo apenas como "muito inteligentes" e "bastante engenhosas".
Perde-se muito tempo com isso e o próprio Divaldo Franco, com seus simulacros de "cientista" através de suas poses, seu teatrinho professoral e sua verborragia, tenta dar um caráter "científico" a essa bobagem, que revela um gritante aspecto materialista que envergonharia aqueles que se apoiam nas bases kardecianas.
Isso porque a ideia de que uma série de "crianças especiais" que nasceriam num determinado período para "salvar a humanidade" e "cumprir uma função missionária", além de deixar subentendidos dogmas de caráter esotérico e religioso, trazem um ranço materialista que, por incrível que pareça, é o que mais contamina o "espiritismo" brasileiro.
Esse ranço se observa quando a ideia de "crianças especiais" se apoia numa abordagem que lembra um envio de estoques para abastecimento no mercado. A ideia então expressa a visão de que "estoques de pessoas especiais", o que traz uma série de preconceitos sociais graves.
Afinal, cria-se uma discriminação de pessoas que se tornam bastante inteligentes e são capazes de perceber as coisas até na adolescência. É a forma de dizer e de acreditar que o ideal na sociedade é a mediocridade e que o rótulo "criança-índigo" ou "criança-cristal" - há ainda outro similar, a "criança-estrela" - seria uma forma de segregar pessoas que manifestam um saber fora do comum.
Recentemente, uma atriz estadunidense, Rowan Blanchard, do seriado Garota Conhece o Mundo (Girl Meets World), do Disney Channel, havia escrito um texto sobre feminismo que parece escrito por uma universitária de 25 anos. Mas Rowan ainda vai fazer 14 anos em outubro próximo.
Só para uma comparação, a funqueira Valesca Popozuda passou a defender um arremedo de feminismo que não passa de um amontoado de estereótipos e valores deturpados, voltados mais a uma afirmação narcisista de um tipo de sensualismo grosseiro, que nada tem de feminista e mostra uma essência sutilmente machista. Um "feminismo" pensado pelo silicone.
Valesca fará 37 anos uma semana antes de Rowan. E, com todo o arremedo de feminismo que tenta desenvolver, a funqueira não tem a relevância e a sinceridade da atriz da Disney, que ainda nos seus treze anos traz uma visão muito mais consistente e realista de feminismo do que a intérprete de "Beijinho no Ombro". Rowan mandou um "beijinho no ombro" ao "feminismo" da funqueira e preferiu conhecer o mundo.
Rowan é uma criança-índigo? De jeito nenhum! Como também não são crianças-índigo as irmãs atrizes Dakota Fanning e Elle Fanning. Se elas se tornaram bastante inteligentes e capazes de dar opiniões já na infância, é porque elas tiveram um contexto em que combina uma excelente educação familiar e escolar e a vontade delas próprias em compreender o mundo.
Muitos casos a inteligência peculiar é uma combinação da própria vontade da criança, da curiosidade que ela tem das coisas e do interesse de pais que, por si, possuem uma boa vivência de vida, darem uma educação que aproveitasse esse potencial. Nada de bobagens como Kryon, estrelas cósmicas, profecias místicas. Tudo é uma questão de educação e convívio social.
Daí que a classificação de "crianças-índigo" e similares são inválidas, no sentido de que se trata de mistificações que escondem preconceitos. E mostram o quanto religiosos, no fundo, sempre desejaram uma sociedade medíocre e submissa para que estivesse sempre sob o controle de suas seitas. E os "espíritas" não são exceção a essa regra.
quinta-feira, 27 de agosto de 2015
A tragédia dos homicidas em relação a si mesmos
ATIRADOR QUE MATOU UMA REPÓRTER E UM CINEGRAFISTA É FILMADO PELA CÂMERA POR ESTE LIGADA, NOS EUA.
Há uma canção do grupo O Rappa, versão do sucesso "Hey Joe", consagrado por Jimi Hendrix Experience - cuja letra original, feita por um obscuro cantor de blues, se dirige curiosamente a um feminicida conjugal - , que diz "também morre quem atira". É bastante duro escrever sobre a tragédia dos que tiram a vida de outrem, mas ela é um caso pouco analisado, mesmo pela mídia.
Não há noticiários de antigos homicidas que já faleceram. Aparentemente, quem tira a vida dos outros se acha um Deus e acredita que sua vida ocorrerá linearmente sem que outra tragédia lhes apanhe de surpresa. Quem planta tragédia nos outros parece nunca colher a sua como fruto e a morte só lhes chega, em tese, no ocaso da mais tardia velhice.
O homicídio é um ato que leva o egoísmo humano às últimas consequências e geralmente é praticado por pessoas que já sofrem alguma pressão ou sobrecarga na vida. Evidentemente, é um ato que não pode ser visto como um desabafo pessoal cuja prática "lava a alma" de seu responsável.
Pelo contrário, uma vez praticado o homicídio, uma série interminável e irrecuperável de consequências infelizes está à espera do homicida, que dificilmente viverá, mesmo na mais absoluta impunidade, com a mesma tranquilidade de antes.
A tragédia do homicida está nas pressões que essa pessoa recebe na vida e que as motivam a cometer o ato. Isso em si já abala sua saúde e integridade física, e, como no caso dos pistoleiros a serviço da contravenção ou do latifúndio, os homicídios praticados, pela brutalidade e frieza com que são feitos, acabam envelhecendo fisicamente seus praticantes em 20 anos.
A própria imprensa não informa a respeito das tragédias que os homicidas atraem para si. Estima-se que 20% dos que cometem assassinatos mas não se suicidam nem são mortos por outrem tendem a morrer antes dos 60 anos de forma acidental ou por algum problema de saúde. Mesmo aqueles que parecem saudáveis e socialmente mais abastados.
O homicídio atrai, para seu praticante, uma carga pesadíssima de pressões dos mais diversos lados. E se o homicida não é um criminoso "de carreira", a situação piora, vide a alta, mas silenciosa, vulnerabilidade que pessoas comuns que passam a tirar a vida de alguém passam a sofrer.
A mídia não informa a respeito disso, talvez porque muitos desses óbitos acontecem quando não há mais interesse em divulgar o paradeiro de um homicida. Mas também há quem supõe que seria uma forma de evitar festejos, já que em muitos casos o homicida causou indignação popular e um simple óbito num leito hospitalar pode causar uma euforia muito grande em várias pessoas.
Mas, independente dessas tragédias, não raro prematuras - consta-se que os homicidas tendem a morrer com mais frequência entre os 42 e 70 anos, geralmente de infarto, câncer ou acidentes de trânsito - , causarem euforia ou pesar, elas ocorrem devido às situações da própria vida.
É certo que, num país como o Brasil, mas também nos EUA ou mesmo no Oriente Médio, os homicídios se apoiam em alegações moralistas. Há vários motivos famosos: a "defesa da honra" para o feminicídio, a "defesa de um divindade" no fundamentalismo religioso, o "combate ao comunismo" nas ditaduras e a "defesa da propriedade" no caso do coronelismo nos latifúndios.
Em muitos casos, os homicidas passam a posar de "pessoas simpáticas" para justificar a impunidade, achando que viraram "pessoas legais", como se seus crimes tivessem se comparado a um acidente sem importància, como se matar alguém se comparasse a manchar uma camisa limpa de alguém com o tempero de um sanduiche.
A mídia ultraconservadora brasileira já cometeu "gentilezas" assim com feminicidas como Antônio Pimenta Neves, o promotor Igor Ferreira e o médico Farah Jorge Farah, além de Doca Street e Guilherme de Pádua e o fazendeiro que mandou matar Chico Mendes, Darli Alves.
Esse aparente bom-mocismo soa uma forma materialista de fazer com que homicidas que se encontram impunes possam apenas promover a "limpeza" de suas condições sócio-materiais, na tentativa de salvar a simbologia terrena de seus nomes, que perecerão nos túmulos sem que suas almas pudessem ter algum benefício com isso.
Enquanto suas almas são abaladas pelo ato extremamente egoísta, eles tentam salvar o irrecuperável, que é apenas a "boa imagem" de seus nomes terrenos e de seus status materialistas já arranhados pelos crimes de morte, como se pudessem morrer deixando essas condições materiais, que parecem nos túmulos e nas cinzas, de pé diante da moralidade e da simpatia social.
A consciência dos homicidas de sua própria tragédia deveria ser difundida. Não é uma questão de defender penas de morte ou leis de Talião, mas de ver que homicidas cometem também suas imprudências e outros efeitos negativos de um ato devastador. Pois o que eles fazem é gravíssimo, porque impedem que outros desempenhem suas trajetórias de evolução social e devastam relações, projetos e perspectivas sociais de maneira irrecuperável.
A vida é complexa e tensa, cheia de injustiças e tensões, que não se pode esperar que homicidas sejam os menos vulneráveis a essas pressões. Pelo contrário, eles são os primeiros a serem vulneráveis, os primeiros a se sujeitarem a alguma tragédia repentina, mesmo que seja um infarto, ameaça potencial sobretudo para a ansiedade de quem matou pela primeira vez.
Um atirador, recentemente, havia matado, nos EUA, uma repórter e um cinegrafista da rede CBS. O misterioso atentado, que feriu uma entrevistada, está sendo investigado pela polícia. O suspeito, ex-profissional da CBS. Vester Lee Flanigan, conhecido como Bryce Williams, atirou contra si mesmo, teve a prisão decretada e, pouco após ser internado, faleceu.
Imagine se esse atirador, se não tivesse se suicidado, estivesse na fuga e fosse rendido, numa esquina, por um assaltante a lhe ordenar que passasse o telefone celular e alguma soma de dinheiro. O cara que acabou de matar outras pessoas reagiria nervoso ao ladrão, que, naturalmente irritado, o mataria, sem se importar se esta vítima cometeu tantos, mais ou menos homicídios que o meliante.
No Brasil, em que os homicidas parecem ter a ilusão do período colonial de uma caricata "antropofagia", achando que, matando alguém, somaria mais vida para eles mesmos, a ilusão de invulnerabilidade os faz acharem que sempre viverão para contar para os netos a "façanha" ou a "besteira" dos crimes cometidos.
Se jogadores de futebol morrem de infarto em campo e motoristas falecem de mal súbito no volante, o que esperar de maridos tensos que experimentam a primeira vez de matar suas esposas por causa de um ciúme doentio? A ansiedade que eles contraem com o crime feito contra suas companheiras os torna altamente vulneráveis a ataques cardíacos fulminantes, por mais saudáveis e jovens que eles aparentem.
E os grupos de extermínio que usam automóveis em péssimo estado de conservação, se equiparam, em risco trágico, a empresários e até celebridades cujos jatos particulares têm o mesmo estado e provocaram tragédias em várias circunstâncias. Nada impede que um grupo que matou alguém ou provocou uma chacina possa também morrer num desastre de carro alguns metros adiante.
É certo que existem homicidas que têm vida longa, mas aí é o contexto em que vivem. Podem não serem poucos, mas também não são tantos assim e não são todos. No meio do caminho, seus "colegas" de crime falecem até antes de conhecer a velhice, embora os noticiários não tenham o menor interesse de informarem a respeito.
Mas a verdade é que tirar a vida de outra pessoa é um ato que, pela sua própria natureza, traz complicações de extrema gravidade, praticamente irreparável. Embora se condene com toda firmeza penas de morte e vinganças de qualquer natureza contra os homicidas, deve-se reconhecer que eles mesmos produzem a tragédia que deverão encarar.
Eles é que, cometendo homicídio, criam estragos irreparáveis e consequências extremamente danosas. E esses efeitos não são eliminados e até se agravam, porque um homicida cria prejuízos sérios, atrai revolta e ódio e sua vida, pela obviedade de sua situação, torna-se um rol de incertezas, infortúnios e imprevistos.
Mas se a tragédia lhes ocorrer mais cedo, resta a reencarnação para reparar as faltas com um nome "limpo", e isso é bem mais proveitoso do que perder tanto tempo só para salvar um nome e condições sócio-materiais que já ficaram arruinadas pelo crime comtido.
Há uma canção do grupo O Rappa, versão do sucesso "Hey Joe", consagrado por Jimi Hendrix Experience - cuja letra original, feita por um obscuro cantor de blues, se dirige curiosamente a um feminicida conjugal - , que diz "também morre quem atira". É bastante duro escrever sobre a tragédia dos que tiram a vida de outrem, mas ela é um caso pouco analisado, mesmo pela mídia.
Não há noticiários de antigos homicidas que já faleceram. Aparentemente, quem tira a vida dos outros se acha um Deus e acredita que sua vida ocorrerá linearmente sem que outra tragédia lhes apanhe de surpresa. Quem planta tragédia nos outros parece nunca colher a sua como fruto e a morte só lhes chega, em tese, no ocaso da mais tardia velhice.
O homicídio é um ato que leva o egoísmo humano às últimas consequências e geralmente é praticado por pessoas que já sofrem alguma pressão ou sobrecarga na vida. Evidentemente, é um ato que não pode ser visto como um desabafo pessoal cuja prática "lava a alma" de seu responsável.
Pelo contrário, uma vez praticado o homicídio, uma série interminável e irrecuperável de consequências infelizes está à espera do homicida, que dificilmente viverá, mesmo na mais absoluta impunidade, com a mesma tranquilidade de antes.
A tragédia do homicida está nas pressões que essa pessoa recebe na vida e que as motivam a cometer o ato. Isso em si já abala sua saúde e integridade física, e, como no caso dos pistoleiros a serviço da contravenção ou do latifúndio, os homicídios praticados, pela brutalidade e frieza com que são feitos, acabam envelhecendo fisicamente seus praticantes em 20 anos.
A própria imprensa não informa a respeito das tragédias que os homicidas atraem para si. Estima-se que 20% dos que cometem assassinatos mas não se suicidam nem são mortos por outrem tendem a morrer antes dos 60 anos de forma acidental ou por algum problema de saúde. Mesmo aqueles que parecem saudáveis e socialmente mais abastados.
O homicídio atrai, para seu praticante, uma carga pesadíssima de pressões dos mais diversos lados. E se o homicida não é um criminoso "de carreira", a situação piora, vide a alta, mas silenciosa, vulnerabilidade que pessoas comuns que passam a tirar a vida de alguém passam a sofrer.
A mídia não informa a respeito disso, talvez porque muitos desses óbitos acontecem quando não há mais interesse em divulgar o paradeiro de um homicida. Mas também há quem supõe que seria uma forma de evitar festejos, já que em muitos casos o homicida causou indignação popular e um simple óbito num leito hospitalar pode causar uma euforia muito grande em várias pessoas.
Mas, independente dessas tragédias, não raro prematuras - consta-se que os homicidas tendem a morrer com mais frequência entre os 42 e 70 anos, geralmente de infarto, câncer ou acidentes de trânsito - , causarem euforia ou pesar, elas ocorrem devido às situações da própria vida.
É certo que, num país como o Brasil, mas também nos EUA ou mesmo no Oriente Médio, os homicídios se apoiam em alegações moralistas. Há vários motivos famosos: a "defesa da honra" para o feminicídio, a "defesa de um divindade" no fundamentalismo religioso, o "combate ao comunismo" nas ditaduras e a "defesa da propriedade" no caso do coronelismo nos latifúndios.
Em muitos casos, os homicidas passam a posar de "pessoas simpáticas" para justificar a impunidade, achando que viraram "pessoas legais", como se seus crimes tivessem se comparado a um acidente sem importància, como se matar alguém se comparasse a manchar uma camisa limpa de alguém com o tempero de um sanduiche.
A mídia ultraconservadora brasileira já cometeu "gentilezas" assim com feminicidas como Antônio Pimenta Neves, o promotor Igor Ferreira e o médico Farah Jorge Farah, além de Doca Street e Guilherme de Pádua e o fazendeiro que mandou matar Chico Mendes, Darli Alves.
Esse aparente bom-mocismo soa uma forma materialista de fazer com que homicidas que se encontram impunes possam apenas promover a "limpeza" de suas condições sócio-materiais, na tentativa de salvar a simbologia terrena de seus nomes, que perecerão nos túmulos sem que suas almas pudessem ter algum benefício com isso.
Enquanto suas almas são abaladas pelo ato extremamente egoísta, eles tentam salvar o irrecuperável, que é apenas a "boa imagem" de seus nomes terrenos e de seus status materialistas já arranhados pelos crimes de morte, como se pudessem morrer deixando essas condições materiais, que parecem nos túmulos e nas cinzas, de pé diante da moralidade e da simpatia social.
A consciência dos homicidas de sua própria tragédia deveria ser difundida. Não é uma questão de defender penas de morte ou leis de Talião, mas de ver que homicidas cometem também suas imprudências e outros efeitos negativos de um ato devastador. Pois o que eles fazem é gravíssimo, porque impedem que outros desempenhem suas trajetórias de evolução social e devastam relações, projetos e perspectivas sociais de maneira irrecuperável.
A vida é complexa e tensa, cheia de injustiças e tensões, que não se pode esperar que homicidas sejam os menos vulneráveis a essas pressões. Pelo contrário, eles são os primeiros a serem vulneráveis, os primeiros a se sujeitarem a alguma tragédia repentina, mesmo que seja um infarto, ameaça potencial sobretudo para a ansiedade de quem matou pela primeira vez.
Um atirador, recentemente, havia matado, nos EUA, uma repórter e um cinegrafista da rede CBS. O misterioso atentado, que feriu uma entrevistada, está sendo investigado pela polícia. O suspeito, ex-profissional da CBS. Vester Lee Flanigan, conhecido como Bryce Williams, atirou contra si mesmo, teve a prisão decretada e, pouco após ser internado, faleceu.
Imagine se esse atirador, se não tivesse se suicidado, estivesse na fuga e fosse rendido, numa esquina, por um assaltante a lhe ordenar que passasse o telefone celular e alguma soma de dinheiro. O cara que acabou de matar outras pessoas reagiria nervoso ao ladrão, que, naturalmente irritado, o mataria, sem se importar se esta vítima cometeu tantos, mais ou menos homicídios que o meliante.
No Brasil, em que os homicidas parecem ter a ilusão do período colonial de uma caricata "antropofagia", achando que, matando alguém, somaria mais vida para eles mesmos, a ilusão de invulnerabilidade os faz acharem que sempre viverão para contar para os netos a "façanha" ou a "besteira" dos crimes cometidos.
Se jogadores de futebol morrem de infarto em campo e motoristas falecem de mal súbito no volante, o que esperar de maridos tensos que experimentam a primeira vez de matar suas esposas por causa de um ciúme doentio? A ansiedade que eles contraem com o crime feito contra suas companheiras os torna altamente vulneráveis a ataques cardíacos fulminantes, por mais saudáveis e jovens que eles aparentem.
E os grupos de extermínio que usam automóveis em péssimo estado de conservação, se equiparam, em risco trágico, a empresários e até celebridades cujos jatos particulares têm o mesmo estado e provocaram tragédias em várias circunstâncias. Nada impede que um grupo que matou alguém ou provocou uma chacina possa também morrer num desastre de carro alguns metros adiante.
É certo que existem homicidas que têm vida longa, mas aí é o contexto em que vivem. Podem não serem poucos, mas também não são tantos assim e não são todos. No meio do caminho, seus "colegas" de crime falecem até antes de conhecer a velhice, embora os noticiários não tenham o menor interesse de informarem a respeito.
Mas a verdade é que tirar a vida de outra pessoa é um ato que, pela sua própria natureza, traz complicações de extrema gravidade, praticamente irreparável. Embora se condene com toda firmeza penas de morte e vinganças de qualquer natureza contra os homicidas, deve-se reconhecer que eles mesmos produzem a tragédia que deverão encarar.
Eles é que, cometendo homicídio, criam estragos irreparáveis e consequências extremamente danosas. E esses efeitos não são eliminados e até se agravam, porque um homicida cria prejuízos sérios, atrai revolta e ódio e sua vida, pela obviedade de sua situação, torna-se um rol de incertezas, infortúnios e imprevistos.
Mas se a tragédia lhes ocorrer mais cedo, resta a reencarnação para reparar as faltas com um nome "limpo", e isso é bem mais proveitoso do que perder tanto tempo só para salvar um nome e condições sócio-materiais que já ficaram arruinadas pelo crime comtido.
quarta-feira, 26 de agosto de 2015
Rio de Janeiro e a tentativa de isolar os subúrbios e "limpar" a Zona Sul
AS ELITES DA ZONA SUL PARECEM QUERER RETROCEDER AO TEMPO.
A "novidade" da extinção dos trajetos diretos da Zona Norte para a Zona Sul, o pior do já nocivo pacote de esquartejamento de percursos de linhas de ônibus no Rio de Janeiro, pode representar um desestímulo para as populações dos subúrbios irem a esses bairros, simbolizando um gradual processo de "limpeza social" nessas áreas.
Embora tente se desmentir esse processo de apartheid social, já que a desculpa é eliminar a "sobreposição de itinerários" (?!), evitar os ônibus rodarem vazios (?!?!) e aumentar a velocidade do trânsito nas ruas (?!?!?!), a intenção é dificultar o acesso do povo pobre por ônibus, diminuindo os carros em circulação e forçando a superlotação de BRTs.
Como dizer que é "sobreposição de itinerários" linhas com percurso exclusivo como 465 Cascadura / Gávea, 676 Méier / Penha, 910 Bananal / Madureira e 952 Penha / Praça Seca, como foi feito no caso do terminal de Madureira? Os ônibus rodam sempre vazios quando chegam ao ponto final? E que aumento de velocidade se espera em ruas congestionadas de carros?
Essas desculpas, que o autoritário subsecretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro, Alexandre Sansão, o "Eduardo Cunha da mobilidade urbana" (não, não estamos aqui citando o admirável busólogo com esse nome, profundo conhecedor do ramo, mas o prepotente presidente da Câmara dos Deputados), insiste em afirmar, esconde o lado cruel da coisa.
É só observar quem é que realmente aplaude essa ideia. Representantes de moradores ricos, de patrões, de empresários de ônibus, de tecnocratas isolados em seus gabinetes diante de seus computadores que produzem a "cidadania de computação digital".
POLICIAIS REPRIMEM MORADORES POBRES E NEGROS, DETIDOS EM VIATURA DA PM. OS JOVENS VINHAM DA ZONA NORTE PARA CURTIREM AS PRAIAS DA ZONA SUL. FOTO DE THIAGO FREITAS, DO JORNAL EXTRA.
As populações da Zona Sul estão saudosas dos tempos dos antigos balneários de Copacabana de cem anos atrás, em que o acesso era exclusivo apenas de gente abastada. Querem forçar esse saudosismo quando os tempos são outros e as elites não conseguem esconder seus preconceitos cruéis.
No último dia 24, de manhã, policiais detiveram um grupo de adolescentes vindos da Zona Norte - um deles afirmou que vinha do Jacaré, atendido pela linha 474 - , só porque estavam indo a caminho das praias da Zona Sul carioca. O assunto é verídico, reportado pela imprensa, e revela o que está por trás dos planos "racionais" e "positivos" do subsecretário Sansão e do prefeito Eduardo Paes.
Os adolescentes detidos não eram ladrões. Só um deles não era negro. Aliás, a maioria dos pobres que vai para as praias da Zona Sul é de bem, gente trabalhadora que valoriza as praias cariocas, está lá para se divertirem. O problema é que isso perturba o sossego das elites, que querem um reduto só para elas.
Ver que o plano de linhas de ônibus a ser imposto em outubro seja uma esperança gradual para "limpar" a Zona Sul anima as elites. Embora o subsecretário Sansão, só para "não assustar", destinar algumas linhas para a estação de Siqueira Campos, ainda em Copacabana, a finalidade elitista se expressa pela redução dos percursos de linhas para a Candelária.
Nada impede, no entanto, que a médio prazo mesmo as linhas para Siqueira Campos sejam reduzidas numa outra etapa do plano, num processo ainda mais progressivo de "limpeza" para dificultar o acesso do povo pobre à Zona Sul. Só o fato da maioria das linhas reduzir seu percurso para a Candelária afetará negativamente para a população.
Da mesma forma, a redução de alguns trajetos para Mourisco e Largo do Machado representará um caminho muito longo para as populações das periferias irem até as praias da Zona Sul, se contentando em ir para as praias de Botafogo e Flamengo, consideradas poluídas e impróprias para banho.
Por outro lado, mesmo essas praias, "livres" da "ralé" que ficará no fim de linha da Candelária ou da Central, Em dezembro, mais linhas serão encurtadas e a ideia é dificultar o acesso das periferias à Zona Sul, e até lá mesmo as praias de Botafogo e Flamengo serão transformadas gradualmente em redutos de classe média, deixando o corredor Leme-Leblon para os ricos.
A realidade é muito diferente dos discursos "simpáticos" de Sansão. Os terminais de ônibus do Centro já são superlotados mesmo com as linhas que serão extintas ou esquartejadas. Ficarão mais lotados com as mudanças de outubro e dezembro.
Com as Olimpíadas, a coisa será pior até para turistas, por mais ricos que sejam, e isso mesmo quando o projeto de Alexandre Sansão "limpar" as praias da Zona Sul tirando a dita "ralé" de suas areias. Isso porque a minoria de bandidos que vive nos subúrbios não temerá baldeações nem percursos reduzidos. Eles roubam e acham que têm recursos para enfrentar tudo.
Quem se dará mal são os trabalhadores, as pessoas de bem, que terão que reembolsar mais dinheiro, porque, com percursos longos e trânsito congestionado, o Bilhete Único perderá a validade já no fim do percurso do primeiro ônibus. Eles é que se virem acordando cedo para não sofrerem atrasos no emprego e nas instituições de ensino.
Alexandre Sansão bolou as mudanças nos ônibus às vésperas das Olimpíadas, para apresentar as praias da Zona Sul "limpinhas" para os turistas. Claro que quem quer prejudicar não vai abrir o jogo, vai usar as melhores desculpas para os piores atos. É como diz o ditado popular, "de boas intenções, o inferno (ou o umbral, para os "espíritas") está cheio".
A "novidade" da extinção dos trajetos diretos da Zona Norte para a Zona Sul, o pior do já nocivo pacote de esquartejamento de percursos de linhas de ônibus no Rio de Janeiro, pode representar um desestímulo para as populações dos subúrbios irem a esses bairros, simbolizando um gradual processo de "limpeza social" nessas áreas.
Embora tente se desmentir esse processo de apartheid social, já que a desculpa é eliminar a "sobreposição de itinerários" (?!), evitar os ônibus rodarem vazios (?!?!) e aumentar a velocidade do trânsito nas ruas (?!?!?!), a intenção é dificultar o acesso do povo pobre por ônibus, diminuindo os carros em circulação e forçando a superlotação de BRTs.
Como dizer que é "sobreposição de itinerários" linhas com percurso exclusivo como 465 Cascadura / Gávea, 676 Méier / Penha, 910 Bananal / Madureira e 952 Penha / Praça Seca, como foi feito no caso do terminal de Madureira? Os ônibus rodam sempre vazios quando chegam ao ponto final? E que aumento de velocidade se espera em ruas congestionadas de carros?
Essas desculpas, que o autoritário subsecretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro, Alexandre Sansão, o "Eduardo Cunha da mobilidade urbana" (não, não estamos aqui citando o admirável busólogo com esse nome, profundo conhecedor do ramo, mas o prepotente presidente da Câmara dos Deputados), insiste em afirmar, esconde o lado cruel da coisa.
É só observar quem é que realmente aplaude essa ideia. Representantes de moradores ricos, de patrões, de empresários de ônibus, de tecnocratas isolados em seus gabinetes diante de seus computadores que produzem a "cidadania de computação digital".
POLICIAIS REPRIMEM MORADORES POBRES E NEGROS, DETIDOS EM VIATURA DA PM. OS JOVENS VINHAM DA ZONA NORTE PARA CURTIREM AS PRAIAS DA ZONA SUL. FOTO DE THIAGO FREITAS, DO JORNAL EXTRA.
As populações da Zona Sul estão saudosas dos tempos dos antigos balneários de Copacabana de cem anos atrás, em que o acesso era exclusivo apenas de gente abastada. Querem forçar esse saudosismo quando os tempos são outros e as elites não conseguem esconder seus preconceitos cruéis.
No último dia 24, de manhã, policiais detiveram um grupo de adolescentes vindos da Zona Norte - um deles afirmou que vinha do Jacaré, atendido pela linha 474 - , só porque estavam indo a caminho das praias da Zona Sul carioca. O assunto é verídico, reportado pela imprensa, e revela o que está por trás dos planos "racionais" e "positivos" do subsecretário Sansão e do prefeito Eduardo Paes.
Os adolescentes detidos não eram ladrões. Só um deles não era negro. Aliás, a maioria dos pobres que vai para as praias da Zona Sul é de bem, gente trabalhadora que valoriza as praias cariocas, está lá para se divertirem. O problema é que isso perturba o sossego das elites, que querem um reduto só para elas.
Ver que o plano de linhas de ônibus a ser imposto em outubro seja uma esperança gradual para "limpar" a Zona Sul anima as elites. Embora o subsecretário Sansão, só para "não assustar", destinar algumas linhas para a estação de Siqueira Campos, ainda em Copacabana, a finalidade elitista se expressa pela redução dos percursos de linhas para a Candelária.
Nada impede, no entanto, que a médio prazo mesmo as linhas para Siqueira Campos sejam reduzidas numa outra etapa do plano, num processo ainda mais progressivo de "limpeza" para dificultar o acesso do povo pobre à Zona Sul. Só o fato da maioria das linhas reduzir seu percurso para a Candelária afetará negativamente para a população.
Da mesma forma, a redução de alguns trajetos para Mourisco e Largo do Machado representará um caminho muito longo para as populações das periferias irem até as praias da Zona Sul, se contentando em ir para as praias de Botafogo e Flamengo, consideradas poluídas e impróprias para banho.
Por outro lado, mesmo essas praias, "livres" da "ralé" que ficará no fim de linha da Candelária ou da Central, Em dezembro, mais linhas serão encurtadas e a ideia é dificultar o acesso das periferias à Zona Sul, e até lá mesmo as praias de Botafogo e Flamengo serão transformadas gradualmente em redutos de classe média, deixando o corredor Leme-Leblon para os ricos.
A realidade é muito diferente dos discursos "simpáticos" de Sansão. Os terminais de ônibus do Centro já são superlotados mesmo com as linhas que serão extintas ou esquartejadas. Ficarão mais lotados com as mudanças de outubro e dezembro.
Com as Olimpíadas, a coisa será pior até para turistas, por mais ricos que sejam, e isso mesmo quando o projeto de Alexandre Sansão "limpar" as praias da Zona Sul tirando a dita "ralé" de suas areias. Isso porque a minoria de bandidos que vive nos subúrbios não temerá baldeações nem percursos reduzidos. Eles roubam e acham que têm recursos para enfrentar tudo.
Quem se dará mal são os trabalhadores, as pessoas de bem, que terão que reembolsar mais dinheiro, porque, com percursos longos e trânsito congestionado, o Bilhete Único perderá a validade já no fim do percurso do primeiro ônibus. Eles é que se virem acordando cedo para não sofrerem atrasos no emprego e nas instituições de ensino.
Alexandre Sansão bolou as mudanças nos ônibus às vésperas das Olimpíadas, para apresentar as praias da Zona Sul "limpinhas" para os turistas. Claro que quem quer prejudicar não vai abrir o jogo, vai usar as melhores desculpas para os piores atos. É como diz o ditado popular, "de boas intenções, o inferno (ou o umbral, para os "espíritas") está cheio".
terça-feira, 25 de agosto de 2015
A cruel realidade da "exclusão social" que muitos se recusam a ver
A DEMOLIÇÃO DE CASAS PARA CONSTRUÇÃO DA AV. RIO BRANCO, EM 1904, FOI PREJUDICIAL PARA O POVO CARIOCA, MAS NADA COMPARÁVEL COM HOJE.
O Rio de Janeiro quer impor seus retrocessos ao Brasil e tais retrocessos ainda ameaçam ser impostos para o mundo. Faz-se um "coração do mundo" assim, através de medidas autoritárias e exclusão social e muita gente não acredita.
As pessoas ainda tentam crer que vivem numa belle-èpoque, ainda que num cotidiano caótico e amalucado como o do Rio de Janeiro. Mascaram preconceitos sociais com alegações falsamente "progressistas". Aceitam imposições das autoridades, dos tecnocratas, do "deus mercado" e dos executivos de mídia como se fossem decisões divinas.
Essas pessoas têm medo de admitir que mudanças de linhas de ônibus e construções de complexos hoteleiros ou condomínios de luxo possam envolver processos perversos de exclusão social. Boa parte da "boa sociedade" que monopoliza a "opinião pública" que predomina na Internet mal se sensibiliza sequer quando moradores protestam contra ameaças de despejos.
A aberrante ideia do subsecretário de Planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, Alexandre Sansão, de eliminar a ligação direta entre Zona Norte e Zona Sul, no intuito de complicar o acesso das periferias para Copacabana, Ipanema e Leblon, é aceita por boa parte dos cariocas que não creem que isso possa gerar apartheid social.
Claro, raciocinam do alto de suas rodas de cerveja ou do conforto de seus prédios e não conseguem imaginar um morador do Méier acordando 5h30 da manhã, para pegar um ônibus que só vai para o Centro e, daí, com o terminal da Central amontoado de gente, ter que pegar um BRT superlotado, em pé, para ir ao trabalho.
Fazer o quê? Essa realidade que se agravará a partir de outubro não é a realidade de quem vai de carro da Gávea para a Barra da Tijuca, do condomínio para o escritório ou do prédio confortável para o cursinho numa instituição particular de ensino.
O que é Pinheirinho, a comunidade popular extinta em São José dos Campos pela decisão política do governador Geraldo Alckmin? Salvar uma empresa é mais importante. Sob a desculpa de tirar "arruaceiros" do Arpoador, dificulta-se um morador do Méier que trabalha em Copacabana em ir e vir na comodidade de um transporte direto.
O Rio de Janeiro passa por retrocessos diversos, estando numa situação calamitosa. De bueiros explodindo a livrarias tradicionais ameaçadas de fecharem - há quem achará isso ótimo, se colocar um tempo evangélico, um bar ou uma loja de material para torcedores de futebol no lugar - , o Rio que serve de referencial para o país reduz-se a um Estado mais provinciano e retrógrado.
DECADÊNCIA E CONFORMISMO
Nem parece que, depois de Pereira Passos realizar seus projetos urbanísticos em 1905, quando deu início à modernização carioca inaugurando a Av. Central (atual Av. Rio Branco), a novidade impulsionou intelectuais e artistas a lutarem por uma modernização cultural e, mais tarde, surgindo ativistas para lembrarem o lado social da coisa.
O Rio de Janeiro que planejaria ser uma "Paris dos trópicos" enfrenta uma decadência pior que a de Paris de hoje - cidade que sofreu o pesadelo da chacina aos redatores do Charlie Hebdo - e comparável à crise que vive a Grécia.
O problema é que parte dos cariocas que ainda sonham com o "borogodó perdido" ("borogodó" é gíria para um sentimento que mistura charme e senso de humor) não quer ver isso. Mesmo as balas perdidas, os tiroteios, os ônibus superlotados, os roubos, as mortes de policiais da UPP, todas essas tragédias e desastres são vistos como "casos isolados", por mais constantes que sejam.
O Rio de Janeiro parece Troia à beira da invasão de soldados de Esparta. A cidade retrocede e mesmo assim ainda vende a imagem de "moderna", "cosmopolita" e "atraente", mesmo quando o preocupante surto provinciano que faz a Cidade Maravilhosa parecer pior do que uma cidade do interior no Norte do país, é de saltar aos olhos.
Claro, as pessoas que avisam sobre o retrocesso do Rio de Janeiro e sua região metropolitana - Niterói se comporta como uma cidade perdida no Amapá - não são ouvidas, porque boa parte dos cariocas parece conformada com seus poucos benefícios imediatos.
Que diferença faz tais retrocessos, se a "boa sociedade" continua tomando cerveja como antes (ou talvez nem tanto, pois o sabor da cerveja, segundo muitos, piorou, mas tudo fica nisso mesmo), torcendo por futebol mais do que nunca (apesar do futebol carioca ter decaído, mas se continua ganhando partidas mesmo jogando mal, tudo bem), entre outras conformidades?
Poucos levam a sério que um subsecretário de Planejamento, que lança um modelo autoritário de sistema de ônibus, responsável pelo caos que se tornou, possa criar uma exclusão social com as baldeações a serem criadas dentro de um contexto de trânsito congestionado e terminais superlotados.
A ilusão de "superioridade" que faz com que não só Alexandre Sansão, como, em outros contextos, Luciano Huck, William Bonner, Neymar Jr. etc conforta as pessoas. É o diploma de Sansão, a visibilidade de Huck e Neymar, a "boa sociedade" não pode ver exclusão social nem qualquer outro deslize por parte de seus "deuses".
E no Rio de Janeiro que "religiosiza" tudo, que "diviniza" todo tipo de arbitrariedade que vem "do alto" e é protegida pela visibilidade e prestígio de quem impõe tais decisões. O prejuízo diagnosticado só é prejudicial depois que acontece.
REALIDADE DURA
"Pimenta nos olhos dos outros é refresco". Pouco importa, para um Sansão trancado em seu escritório e vendo a realidade pelos simulacros virtuais no computador, se o morador do Jacarezinho que trabalha em Ipanema, podendo ser uma empregada doméstica, por exemplo, pegar um ônibus até o Centro e depois pegar um superlotado para a Zona Sul.
Pouco importa se ela viajará em pé, com o risco de ter seu celular, comprado com muita dificuldade, furtado por algum engraçadinho, ou ser assediada por um tarado que encostará seu corpo no dela. E pouco importa publicar para internautas de classe média esse drama social.
E as balas perdidas? "Ah, só matam gente lá da favela". Não é o rapagão sarado que conta piada para a "galera" em Ipanema. Amarildo desapareceu, lá na Rocinha? Coisa de nada, não é o amigão divertido das rodas de cerveja no Baixo Gávea. Rio de Janeiro demitiu mais de 45 mil pessoas? Ora, não é o ricaço que vive da mesada do pai empresário no "apê" do Recreio dos Bandeirantes.
O que são os tiroteios na Mangueira, se seus sons são sufocados pelos fogos de artifício soltos durante um "clássico" com algum time do futebol carioca. Cultura popular em crise? Tanto faz, para a "boa sociedade", se o povo pobre é reduzido a uma caricatura através do "funk carioca". Melhor "descer até o chão" do que fazer passeatas por melhorias.
Policiais são assassinados nas UPPs? Isso não atinge a segurança da "galera" das boates e condomínios de grande porte. Arrastões nas praias? Não atinge o grupo que vai até para uma praia de elite, isolada na sua farra.
O mais grave disso tudo é que o Rio de Janeiro sofre um retrocesso calamitoso que poucos querem admitir. Um retrocesso profundo, estarrecedor, mas aberrantemente ignorado. Um caos que é até visto como natural, diante da conformação generalizada com tudo, em que se endeusa a prepotência alheia protegida pela visibilidade, pelo diploma ou pelo poder político.
Aceita-se o prejuízo social se ele é consequência de decisões "técnicas". Aceita-se as desculpas dos poderosos, se o prestígio ou a formação político-acadêmica lhes protege. O Rio de Janeiro ultrapassou São Paulo, tornando-se a primeira no ranking da poluição, e ultrapassou Salvador no ranking do desemprego, atingindo a triste primeira colocação.
De que adianta? Rio de Janeiro poluído, cheio de desempregados, caótico, desigual, injusto, prepotente, confuso. Mas ainda tem a praia, o futebol, a cerveja. E se os absurdos são decididos "de cima", todos dizem amém e vão para o Maracanã tranquilos, voltando felizes da vida porque os fogos de artifício esconderam o som trágico das metralhadoras e revólveres da vizinha Mangueira.
O Rio de Janeiro quer impor seus retrocessos ao Brasil e tais retrocessos ainda ameaçam ser impostos para o mundo. Faz-se um "coração do mundo" assim, através de medidas autoritárias e exclusão social e muita gente não acredita.
As pessoas ainda tentam crer que vivem numa belle-èpoque, ainda que num cotidiano caótico e amalucado como o do Rio de Janeiro. Mascaram preconceitos sociais com alegações falsamente "progressistas". Aceitam imposições das autoridades, dos tecnocratas, do "deus mercado" e dos executivos de mídia como se fossem decisões divinas.
Essas pessoas têm medo de admitir que mudanças de linhas de ônibus e construções de complexos hoteleiros ou condomínios de luxo possam envolver processos perversos de exclusão social. Boa parte da "boa sociedade" que monopoliza a "opinião pública" que predomina na Internet mal se sensibiliza sequer quando moradores protestam contra ameaças de despejos.
A aberrante ideia do subsecretário de Planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, Alexandre Sansão, de eliminar a ligação direta entre Zona Norte e Zona Sul, no intuito de complicar o acesso das periferias para Copacabana, Ipanema e Leblon, é aceita por boa parte dos cariocas que não creem que isso possa gerar apartheid social.
Claro, raciocinam do alto de suas rodas de cerveja ou do conforto de seus prédios e não conseguem imaginar um morador do Méier acordando 5h30 da manhã, para pegar um ônibus que só vai para o Centro e, daí, com o terminal da Central amontoado de gente, ter que pegar um BRT superlotado, em pé, para ir ao trabalho.
Fazer o quê? Essa realidade que se agravará a partir de outubro não é a realidade de quem vai de carro da Gávea para a Barra da Tijuca, do condomínio para o escritório ou do prédio confortável para o cursinho numa instituição particular de ensino.
O que é Pinheirinho, a comunidade popular extinta em São José dos Campos pela decisão política do governador Geraldo Alckmin? Salvar uma empresa é mais importante. Sob a desculpa de tirar "arruaceiros" do Arpoador, dificulta-se um morador do Méier que trabalha em Copacabana em ir e vir na comodidade de um transporte direto.
O Rio de Janeiro passa por retrocessos diversos, estando numa situação calamitosa. De bueiros explodindo a livrarias tradicionais ameaçadas de fecharem - há quem achará isso ótimo, se colocar um tempo evangélico, um bar ou uma loja de material para torcedores de futebol no lugar - , o Rio que serve de referencial para o país reduz-se a um Estado mais provinciano e retrógrado.
DECADÊNCIA E CONFORMISMO
Nem parece que, depois de Pereira Passos realizar seus projetos urbanísticos em 1905, quando deu início à modernização carioca inaugurando a Av. Central (atual Av. Rio Branco), a novidade impulsionou intelectuais e artistas a lutarem por uma modernização cultural e, mais tarde, surgindo ativistas para lembrarem o lado social da coisa.
O Rio de Janeiro que planejaria ser uma "Paris dos trópicos" enfrenta uma decadência pior que a de Paris de hoje - cidade que sofreu o pesadelo da chacina aos redatores do Charlie Hebdo - e comparável à crise que vive a Grécia.
O problema é que parte dos cariocas que ainda sonham com o "borogodó perdido" ("borogodó" é gíria para um sentimento que mistura charme e senso de humor) não quer ver isso. Mesmo as balas perdidas, os tiroteios, os ônibus superlotados, os roubos, as mortes de policiais da UPP, todas essas tragédias e desastres são vistos como "casos isolados", por mais constantes que sejam.
O Rio de Janeiro parece Troia à beira da invasão de soldados de Esparta. A cidade retrocede e mesmo assim ainda vende a imagem de "moderna", "cosmopolita" e "atraente", mesmo quando o preocupante surto provinciano que faz a Cidade Maravilhosa parecer pior do que uma cidade do interior no Norte do país, é de saltar aos olhos.
Claro, as pessoas que avisam sobre o retrocesso do Rio de Janeiro e sua região metropolitana - Niterói se comporta como uma cidade perdida no Amapá - não são ouvidas, porque boa parte dos cariocas parece conformada com seus poucos benefícios imediatos.
Que diferença faz tais retrocessos, se a "boa sociedade" continua tomando cerveja como antes (ou talvez nem tanto, pois o sabor da cerveja, segundo muitos, piorou, mas tudo fica nisso mesmo), torcendo por futebol mais do que nunca (apesar do futebol carioca ter decaído, mas se continua ganhando partidas mesmo jogando mal, tudo bem), entre outras conformidades?
Poucos levam a sério que um subsecretário de Planejamento, que lança um modelo autoritário de sistema de ônibus, responsável pelo caos que se tornou, possa criar uma exclusão social com as baldeações a serem criadas dentro de um contexto de trânsito congestionado e terminais superlotados.
A ilusão de "superioridade" que faz com que não só Alexandre Sansão, como, em outros contextos, Luciano Huck, William Bonner, Neymar Jr. etc conforta as pessoas. É o diploma de Sansão, a visibilidade de Huck e Neymar, a "boa sociedade" não pode ver exclusão social nem qualquer outro deslize por parte de seus "deuses".
E no Rio de Janeiro que "religiosiza" tudo, que "diviniza" todo tipo de arbitrariedade que vem "do alto" e é protegida pela visibilidade e prestígio de quem impõe tais decisões. O prejuízo diagnosticado só é prejudicial depois que acontece.
REALIDADE DURA
"Pimenta nos olhos dos outros é refresco". Pouco importa, para um Sansão trancado em seu escritório e vendo a realidade pelos simulacros virtuais no computador, se o morador do Jacarezinho que trabalha em Ipanema, podendo ser uma empregada doméstica, por exemplo, pegar um ônibus até o Centro e depois pegar um superlotado para a Zona Sul.
Pouco importa se ela viajará em pé, com o risco de ter seu celular, comprado com muita dificuldade, furtado por algum engraçadinho, ou ser assediada por um tarado que encostará seu corpo no dela. E pouco importa publicar para internautas de classe média esse drama social.
E as balas perdidas? "Ah, só matam gente lá da favela". Não é o rapagão sarado que conta piada para a "galera" em Ipanema. Amarildo desapareceu, lá na Rocinha? Coisa de nada, não é o amigão divertido das rodas de cerveja no Baixo Gávea. Rio de Janeiro demitiu mais de 45 mil pessoas? Ora, não é o ricaço que vive da mesada do pai empresário no "apê" do Recreio dos Bandeirantes.
O que são os tiroteios na Mangueira, se seus sons são sufocados pelos fogos de artifício soltos durante um "clássico" com algum time do futebol carioca. Cultura popular em crise? Tanto faz, para a "boa sociedade", se o povo pobre é reduzido a uma caricatura através do "funk carioca". Melhor "descer até o chão" do que fazer passeatas por melhorias.
Policiais são assassinados nas UPPs? Isso não atinge a segurança da "galera" das boates e condomínios de grande porte. Arrastões nas praias? Não atinge o grupo que vai até para uma praia de elite, isolada na sua farra.
O mais grave disso tudo é que o Rio de Janeiro sofre um retrocesso calamitoso que poucos querem admitir. Um retrocesso profundo, estarrecedor, mas aberrantemente ignorado. Um caos que é até visto como natural, diante da conformação generalizada com tudo, em que se endeusa a prepotência alheia protegida pela visibilidade, pelo diploma ou pelo poder político.
Aceita-se o prejuízo social se ele é consequência de decisões "técnicas". Aceita-se as desculpas dos poderosos, se o prestígio ou a formação político-acadêmica lhes protege. O Rio de Janeiro ultrapassou São Paulo, tornando-se a primeira no ranking da poluição, e ultrapassou Salvador no ranking do desemprego, atingindo a triste primeira colocação.
De que adianta? Rio de Janeiro poluído, cheio de desempregados, caótico, desigual, injusto, prepotente, confuso. Mas ainda tem a praia, o futebol, a cerveja. E se os absurdos são decididos "de cima", todos dizem amém e vão para o Maracanã tranquilos, voltando felizes da vida porque os fogos de artifício esconderam o som trágico das metralhadoras e revólveres da vizinha Mangueira.
segunda-feira, 24 de agosto de 2015
Mudança nos ônibus da Zona Sul carioca indica risco de "limpeza social"
Mobilidade urbana usada como pretexto de "limpeza social"? Pois esse é o modo de governar do PMDB carioca, famoso por suas medidas autoritárias que vão contra as leis e o interesse público, e que em boa parte é responsável por uma série de retrocessos que fazem a decadência vertiginosa do Rio de Janeiro, ameaçando até mesmo o progresso do país.
Isso porque o Rio de Janeiro, ao lado de São Paulo - cuja decadência é promovida pelo PSDB e pelas heranças do malufismo - , é visto como centro de referência de valores e práticas a prevalecerem em todo o Brasil, culturalmente tidos como "modelos" a serem seguidos em diversos âmbitos das atividades humanas.
Pois na semana passada, foi anunciado um plano de reformulação de linhas da Zona Sul carioca que irá eliminar a ligação direta da Zona Norte com a Zona Sul. Se ela já era imperfeita e precária - não havia a ligação direta, por ônibus, de Cascadura e Madureira até Copacabana e Ipanema - , se tornará ainda mais complicada com as baldeações previstas visando o uso do Bilhete Único.
Decidida arbitrariamente pelo tecnocrata Alexandre Sansão, ex-secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro e hoje subsecretário de Planejamento, a mudança eliminará 33 linhas, retirará centenas de ônibus de circulação e substituirá por linhas "troncais" de BRT, que pela limitada quantidade não serão capazes de comportar toda a demanda das linhas desativadas.
A redução de linhas irá sobrecarregar o terminal da Central, para onde se destinarão as linhas de percurso reduzido. Cinco "troncais" se destinarão a cobrir as linhas desativadas diversas, com destino para o Centro, Alvorada e Recreio dos Bandeirantes.
Com a mudança, os passageiros que transitarem entre os subúrbios da Zona Norte ou de áreas como Cidade de Deus e Rio das Pedras terão que fazer baldeação para pegar outros ônibus, enfrentando o desconforto da superlotação. A pretexto de racionalizar o trânsito, a medida visa dificultar o acesso das populações pobres às praias da Zona Sul, algo visto de forma repulsiva pelos moradores desta.
EXTINÇÃO DA LINHA 442 LINS / URCA ABRIU PRECEDENTE PARA A RESTRIÇÃO DE ACESSO À ZONA SUL POR ÔNIBUS PELA POPULAÇÃO POBRE. FOTO DE DONALD HUDSON, TIRADA EM 1982.
O discurso de "racionalidade" adotado por Alexandre Sansão e pelas elites - que envolvem acadêmicos do COPPE, programa de pós-graduação em Engenharia da UFRJ, associações de moradores da Zona Sul e sindicatos patronais de ônibus - esconde um gritante processo de apartheid social, além das mudanças serem nocivas para a sociedade como um todo.
Afinal, a redução drástica dos ônibus irá transferir demandas gigantescas de passageiros para as linhas "troncais", reduzindo as linhas da Zona Norte em "alimentadoras" para o Centro. Isso criará uma superlotação nos trajetos novos, além de trazer desconforto, porque dificilmente o passageiro que viajará sentado no primeiro ônibus terá o mesmo conforto no segundo.
Além disso, o que chama a atenção é que a validade do Bilhete Único, que permite pegar dois ônibus pagando uma só passagem, tem validade de duas horas. Com trânsito tranquilo, o percurso do Leblon para o Centro dura cerca de duas horas, o cartão eletrônico já perde a validade no ponto final, o que obriga o pagamento de outra tarifa. Com os congestionamentos frequentes, a situação piora.
Isso já é observado no corredor Fundão-Madureira-Alvorada, quando linhas como 465 Cascadura / Gávea, 676 Méier / Penha, 910 Bananal / Madureira e 952 Penha / Praça Seca, foram extintas e substituídas por "alimentadoras" que só reproduzem parcialmente os percursos originais.
SUPERLOTADO, BRT TRANSCARIOCA NÃO COBRE TODA A DEMANDA DAS LINHAS DESATIVADAS.
Com essa mudança, os BRTs passaram a circular superlotados, a ponto de serem apelidados de "latas de sardinha" pela população, já que não conseguem atender a toda a demanda acumulada pelas linhas desativadas que passavam pelos arredores de Madureira, Alvorada e Cidade Universitária.
A medida, que será implantada a partir de outubro, por etapas, irá desestimular o deslocamento das populações pobres que vivem na Zona Norte, em Cidade de Deus ou em Rio das Pedras para a Zona Sul, com as baldeações que, inevitavelmente, resultarão em ônibus superlotados.
O higienismo, aparentemente, não evita a presença da população pobre vinda da própria Zona Sul (como Rocinha e Pavão-Pavãozinho), que possivelmente será "resolvida" com outras medidas "racionais", mas o afastamento da população da Zona Norte das praias da Zona Sul é uma perspectiva que as elites mal conseguem esconder.
ESSE É O MOVIMENTO MAIS "FRACO" QUE TERÁ O NOVO SISTEMA DE LINHAS PARA A ZONA SUL CARIOCA, NO TERMINAL DA CENTRAL DO BRASIL.
ELITISMO É REALIDADE
Embora muitos tentem desmentir o caráter segregatório das mudanças de linhas de ônibus, o preconceito elitista é uma realidade que, eventualmente, se manifesta por atitudes movidas pelas populações de classe média alta e ricos que tentam "limpar" a Zona Sul do que pejorativamente definem como "a ralé".
No final de década de 1980, a associação de moradores da Urca entrou com uma ação para extinguir a tradicional e bastante funcional linha 442 Lins / Urca, alegando que os ônibus traziam de bairros como Méier, Engenho Novo e o próprio Lins, pessoas "incômodas" para se banharem na praia do bairro famoso pelo mundialmente conhecido Pão de Açúcar.
Há poucos meses, a jornalista e socialite Hildegard Angel que, apesar de ter se tornado esquerdista, ainda não se despojou de seus preconceitos de elite, reclamou que os ônibus da Zona Norte levavam marginais para as praias da Zona Sul e chegou a escrever um texto na Internet pedindo a cobrança de ingressos nas praias da região. O texto foi retirado depois da repercussão negativa.
Agora é a reclamação de que "tem ônibus demais" que move as elites da Zona Sul a apoiar a reformulação de linhas do subsecretário Sansão, famoso por medidas antipopulares como a pintura padronizada nas empresas de ônibus e a dupla função do motorista-cobrador. Pela sua atuação, Alexandre Sansão é visto por muitos como o "Eduardo Cunha da mobilidade urbana".
Só que a reclamação não corresponde aos trajetos realmente sobrepostos das linhas que vão da Zona Sul para o Centro, estranhamente tolerados e até apoiados pelas elites. A queixa era apenas um pretexto para que fossem extintas linhas com ligação direta para a Zona Norte, contra as quais as elites da Zona Sul acusam de promover a "invasão das periferias".
Em entrevista ao jornal Extra, a presidente da Associação de Moradores de Ipanema, Maria Amélia Loureiro, tentou desconversar dizendo que as linhas de ônibus a serem desativadas já passam por lugares "onde há metrô", enquanto o professor do COPPE/UFRJ, Paulo Cezar Martins Ribeiro, tomou como desculpa o mito de que "poucos (?!) passageiros" pegavam os trajetos inteiros.
O próprio Alexandre Sansão disse que "a maioria dos passageiros" não precisaria pegar transbordo, o que é uma visão completamente equivocada, se observarmos a realidade das ruas. Tecnocratas não andam de ônibus e Sansão, a exemplo de Martins Ribeiro, pensam a mobilidade urbana no isolamento de seus gabinetes e pela "realidade" dos seus computadores.
OUTRA AMOSTRA DA FUTURA REALIDADE: ESTAÇÃO DO METRÔ DE BOTAFOGO DÁ IDEIA DE QUE ATÉ O METRÔ FICARÁ SUPERLOTADO COM A MUDANÇA NOS ÔNIBUS.
Outro aspecto a se levar em conta é que, não bastasse a superlotação que terá o Terminal da Central do Brasil, com a redução dos trajetos Zona Norte-Zona Sul para o Centro, que transformará os pontos em ambientes tumultuados - algo já visto nos terminais da Alvorada e Madureira - , as estações de metrô também ficarão superlotadas.
O caos que as elites tentam diminuir nas ruas da Zona Sul, com o projeto de mudança de linhas de ônibus a ser feita em outubro, será transferido para as novas linhas. Os metrôs sairão tão superlotados quanto os trens vindos da Baixada Fluminense. Além disso, plano higienista não é garantia de segurança, até porque os ladrões não se incomodam em fazer baldeação.
Muito pelo contrário. Transtornos que deveriam ser combatidos, como os assaltos nas linhas 474 Jacaré / Jardim de Alah e 484 Olaria / Copacabana, serão mantidos em trajetos "comportados" das linhas "troncais" do Centro para a Zona Sul. Recentemente, um ônibus da 484 foi sequestrado por bandidos que faziam arrastão dentro dos ônibus e nos pontos em que eles desembarcavam.
A superlotação aumentará os furtos e os assédios sexuais. Por outro lado, o desconforto dos BRTs com lotação máxima inutilizará o frescor do ar condicionado, com tanta gente suada dentro de um recinto fechado, como esses ônibus de janelas lacradas.
Portanto, o novo projeto de Alexandre Sansão será catastrófico para os cariocas. As fotos e os relatos acima mostram casos verídicos que podem se repetir de forma mais constante e piorada. E se as elites da Zona Sul querem prejudicar as populações dos subúrbios, quem levará a pior serão os cidadãos de bem, que se complicarão no acesso entre as duas zonas, prejudicando a ida e vinda ao trabalho.
Já quanto aos desordeiros e ladrões, eles continuarão indo para a Zona Sul fazendo arrastões, porque eles não temem a baldeação nem os ônibus superlotados. O que eles querem é roubar e praticar desordem, e podem até mesmo viajarem de graça, porque nada lhes faz temer. A dificuldade do acesso do povo da Zona Norte à Zona Sul não evitará sequer os arrastões nas praias, independente de haver favelas como a Rocinha e o Pavão-Pavãozinho.
A "limpeza social" só serve para prejudicar quem realmente é de bem nas comunidades pobres. Para quem vem dos subúrbios para prejudicar os outros, tanto faz se tudo fica na mesma ou fica na pior, porque eles não se sentem prejudicados com isso. A insegurança continua, ou pode até piorar.
domingo, 23 de agosto de 2015
Corrupção política e corrupção "espírita"
No último domingo, setores da classe média brasileira realizaram mais uma passeata contra o Governo Federal, sob o pretexto de protestar contra a corrupção. Embora a grande imprensa anunciasse as manifestações do último 16 de agosto como "grandiosas", a verdade é que elas repetiram a morna repercussão das manifestações anteriores, em que a cobertura jornalística dominante faz mais barulho do que os fatos soaram.
Como manifestações voltadas para setores conservadores, a exemplo da antiga Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade - apoiada por Chico Xavier e a Federação "Espírita" Brasileira - , ocorrida em 1964, as passeatas "contra a corrupção" cometeram as suas habituais gafes, como defender a ideia de que uma intervenção militar seria feita "em respeito à Constituição" e manifestar solidariedade ao prepotente e anti-legalista presidente de Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
É verdade que o Partido dos Trabalhadores anda envolvido em corrupção, e as esquerdas, mesmo a petista, já não conseguem mais esconder.
A recente prisão do ex-chefe da Casa Civil do governo Luís Inácio Lula da Silva, José Dirceu, antiga figura histórica do movimento estudantil de 1968, sinalizou esse quadro, que causa profundo desgaste ao partido fundado em 1980. O PT está no comando do Governo Federal desde 2003, depois de Lula ter enfrentado várias derrotas eleitorais na campanha eleitoral, a primeira delas contra Fernando Collor, em 1989.
A corrupção do PT envolveu alianças políticas e empresariais suspeitas, das quais as primeiras denúncias se referiram ao esquema de propinas montado pelo publicitário Marcos Valério, esquema conhecido como Mensalão. Nessa época, figuras da corrupção política nacional, como Paulo Maluf, José Sarney, Fernando Collor ou mesmo o baiano Mário Kertèsz, se aliaram a Lula dentro de um esquema de conveniências e favorecimentos pessoais.
Ultimamente, se investiga o esquema de propinas da Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras), num processo conhecido como Operação Lava-Jato. Dirceu havia sido denunciado por envolvimento com Marcos Valério, assim como outra figura história da luta contra a ditadura, o ex-presidente do PT, José Genoíno, remanescente dos guerrilheiros que lutaram no Araguaia, em 1972. Preso, Genoíno acabou vivendo seu inferno astral político.
No caso da Petrobras, a corrupção envolve três partidos: PT, PMDB e PP. O PMDB é remanescente dos dois partidos da ditadura, correspondendo a uma versão repaginada do antigo MDB, Movimento Democrático Brasileiro, oposição de fachada que misturou comunistas menos radicais e pessedistas (ligados ao antigo PSD de Juscelino Kubitschek) moderados.
Atualmente, o PMDB, oficialmente sem uma linha ideológica definida por ter sido um histórico balaio de gatos se comportando ultimamente como um parasita político - estabelece seu poder na carona de outros partidos, às vezes o PSDB, outras o PT - , demonstra sua linha autoritária através de sua filial carioca, por meio de figuras como Eduardo Paes, Sérgio Cabral Filho, Luiz Fernando Pezão, Carlos Roberto Osório e, sobretudo, Eduardo Cunha.
É uma tendência autoritária que impõe decisões nem sempre benéficas para a população, sancionadas à revelia da lei. Eles agem com arbitrariedade, mas tentam, no discurso, fazer crer que estão agindo a favor da lei e do interesse público, como se observa na praxe dissimuladora típica de nosso país.
Mas a corrupção pode se expandir para outros partidos políticos e envolve pessoas autoritárias, mas nem por isso mais responsáveis no tratamento da coisa pública. Eduardo Cunha também está envolvido no esquema investigado pela Lava-Jato, tendo sido denunciado por cobrar propina de um empresário. Há também outros esquemas de corrupção, como o dos trens de São Paulo, chamado de Trensalão.
O esquema do Trensalão envolveu uma empresa estrangeira que, através de um duvidoso esquema de concessão para o transporte ferroviário paulistano, injetou uma grande soma financeira que favoreceu não só o governo estadual e a prefeitura da capital paulista, então comandados pelo PSDB, como também o então candidato à reeleição à Presidência da República, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso.
O que preocupa os setores conservadores, definidos como a direita brasileira, é que as investigações pudessem incriminar seus próprios ídolos. Mesmo o senador Aécio Neves, derrotado nas eleições presidenciais de 2014, está envolvido em diversos casos de corrupção.
Segundo a revista Carta Capital, os protestos anti-PT escondem uma intenção de, usando o pretexto do "combate à corrupção", pedir a expulsão do PT do Governo Federal e assim paralizar ou enfraquecer as investigações, evitando atingir setores da oposição.
A CORRUPÇÃO "ESPÍRITA"
A corrupção no "movimento espírita" também atinge dimensões estratosféricas, com o agravante dela ser justificada pelos pretextos de "amor e bondade". Desde os primórdios da FEB, a corrupção se deu a partir da adoção de conceitos anti-kardecianos trazidos por Jean-Baptiste Roustaing, nome hoje tendenciosamente descartado pelo movimento, apesar de suas ideias serem seguidas até pelos dissidentes da FEB ou por supostos "kardecistas autênticos".
Até mesmo a figura do doutor Adolfo Bezerra de Menezes, contrariando o que aconteceu com seus contemporâneos Rui Barbosa e Machado de Assis, por exemplo, teve sua figura de político "fisiológico" (afeito a conchavos em troca de vantagens pessoais) substituída pela figura mítica e fantasiosa do "anjo encarnado", "unificador dos espíritas".
A fantasia substituiu a realidade, Bezerra foi trabalhado à imagem de um "Papai Noel brasileiro" e, para completar, supostas psicografias e psicofonias sob o nome do dr. Bezerra foram feitas coroando a atual tendência do "movimento espírita" trair o pensamento de Allan Kardec e, no entanto, declarar suposta fidelidade a este.
Desvios grosseiros eram feitos em relação à Doutrina Espírita e enxertos católicos eram inseridos sutilmente, criando equivalentes diversos como a "reunião doutrinária", o "auxílio fraterno", o "evangelho no lar" e a "água fluidificada", que no Catolicismo correspondem, respectivamente, à missa, ao confessionário, à novena e à água benta.
Por outro lado, não houve qualquer estudo a respeito de vida espiritual nem de atividade mediúnica. Sem a educação necessária, supostos médiuns não quiseram ter a concentração necessária para se comunicarem com espíritos falecidos e preferiram redigir, de suas próprias mentes, mensagens de apelo religioso, mesmo o mais sutil, as quais eles apenas usavam o crédito das pessoas falecidas.
Essa prática infeliz, popularizada por Francisco Cândido Xavier - ele mesmo um católico fervoroso e adorador, dos mais materialistas, de imagens religiosas - , criou uma péssima "escola espírita" que seduz até acadêmicos e cria todo um rol de mistificações e mentiras que monografias de metodologia engenhosa, mas falha em muitos aspectos, tentam em vão legitimar.
A corrupção "espírita" é tanta que Chico Xavier está associado a terríveis pastiches literários, já a partir de seus livros mais conhecidos, Parnaso de Além-Túmulo e Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Uma análise comparativa entre as obras "espirituais" e o correspondente ao que os autores alegados fizeram em vida derruba qualquer veracidade do trabalho de Xavier.
Para piorar, sua apropriação a personagens falecidos, como o escritor Humberto de Campos, a poetisa Auta de Souza e a anônima professora Irma de Castro Rocha, a Meimei, fez aumentar ainda mais a corrupção "espírita", que de forma preocupante foi legitimada por uma ideologia expressa por apelos piegas de "amor e bondade", com palavras dóceis e arremedos de filantropia.
Assim, Chico Xavier virou um dos maiores "donos dos mortos" que se tornaram os ditos "médiuns espíritas". Ele deixou de ser um intermediário do contato entre vivos e mortos e virou a atração principal do sensacionalismo no "movimento espírita", em espetáculos com um apelo popularesco semelhante ao das "mesas girantes" e "tábuas Ouija".
Isso criou um caminho inverso do que Allan Kardec havia feito na França. Se ele examinava e questionava esses espetáculos ocultistas e desenvolvia, através desses questionamentos, conceitos e questões que compõem a Ciência Espírita, Chico Xavier fez essa ciência regredir para o nível dos mesmos espetáculos duvidosos que atraíram multidões que queriam "falar com os mortos".
Através de Chico Xavier, veio uma "indústria" de anti-médiuns que, como ele, se recusaram a assumir um papel intermediário e viraram estrelas, virando dublês de pensadores e arremedos de filantropos. Depois de Chico, Divaldo Franco puxou toda uma tendência de falsos médiuns e palestrantes pretensiosos, falsos sábios que se passavam por "filósofos" num Brasil carente de grandes filósofos (pelo menos aqueles cujo pensamento está à prova do tempo).
A corrupção se torna tão aberrante que três manobras são observadas. Primeiro, a pretensão de "originalidade" na restrição da Doutrina Espírita, no Brasil, a um mero movimento religioso (claramente influenciado pelo Catolicismo medieval português). Segundo, a bajulação a Allan Kardec sob alegação de "rigorosa fidelidade a seu pensamento", enquanto na prática se comete traições severas a ele. E, terceiro, diante das acusações de irregularidades, o bom-mocismo através das alegações de "amor e caridade" como tentativa de validação do "movimento espírita".
A traição ao pensamento de Allan Kardec e às suas recomendações, que os "espíritas" fazem, com toda a sua bajulação e alegação de "rigorosa fidelidade", faz o movimento se tornar a mais corrompida tendência religiosa no Brasil. Isso porque o "espiritismo", em princípio, assumiu responsabilidades que foi incapaz e até indisposto a seguir.
A desonestidade ideológica agrava a corrupção que já causou sérios danos à apreciação do pensamento de Allan Kardec pelos brasileiros. E esse quadro terrível não pode ser dissimulado por alegações de "amor e caridade" que nada contribuem para resolver as confusões e irregularidades observadas.
sábado, 22 de agosto de 2015
PMDB e a catastrófica decadência do Rio de Janeiro
"#SOMOSTODOSEDUARDOCUNHA" - O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e seus colegas do autoritário PMDB carioca.
O Rio de Janeiro passa por intensos retrocessos que causa muita preocupação para o país. Afinal, o eixo Rio-São Paulo é considerado referência para a prevalência de valores e práticas no país, e os retrocessos vividos pelos dois Estados, sobretudo o Rio, podem levar o Brasil a uma situação catastrófica.
É extremamente grave a atuação do PMDB carioca, tanto no âmbito regional, quanto no âmbito federal. Este último é bastante conhecido pela atuação arbitrária do deputado Eduardo Cunha que, como chefe da Câmara Federal, tem ainda o direito de exercer a Presidência da República se a titular Dilma Rousseff e seu vice Michel Temer estiverem fora do país ou sob algum impedimento.
Cunha é famoso por diversas pautas que comprometem ou simplesmente eliminam conquistas sociais. Vão desde a terceirização no mercado de trabalho, em que uma profissão retrocede aos padrões do começo da Revolução Industrial, quando pessoas trabalhavam com baixos salários e sem garantias sociais, até a redução da maioridade penal.
A redução, neste caso, praticamente inocenta os verdadeiros responsáveis pela criminalidade feita por adolescentes, que são os programas policialescos de televisão e apresentadores como José Luiz Datena e Marcelo Rezende, que "põem coisa" nas cabeças das crianças com seus "jornalísticos" transmitidos de tarde, abertamente expostos a todos, sobretudo o público infanto-juvenil.
Seria longo demais comentar uma a uma das propostas reacionárias e antissociais de Eduardo Cunha, mas elas seguem a pauta autoritária do PMDB carioca, um "frankenstein" partidário que mistura um brizolismo deturpado com um tucanato acanhado trazidos por "caciques" como os falecidos Marcello Alencar e Luiz Paulo Conde e o hoje oposicionista César Maia.
Eduardo Cunha começa a ser investigado pela sua participação no esquema de corrupção que envolve a Petrobras, vendo para si o começo de seu declínio político ele que, ligado a movimentos neo-pentecostais, é famoso por "governar com o estômago" suas "pautas-bombas" e por ser comparado pelos analistas políticos ao famoso senador estadunidense Joseph McCarthy (1908-1957).
De brevíssima mas bombástica trajetória, Joe McCarthy, como era conhecido, era um senador ultrarreacionário do Partido Republicano que se empenhava em promover as denúncias contra qualquer personalidade, que vivesse nos EUA, que se demonstrasse simpatizante do esquerdismo.
A partir de McCarthy, os especialistas passaram a denominar "macartismo" toda a fúria direitista de combater os movimentos sociais e defender práticas autoritárias que fossem feitas sob o pretexto de "manter a ordem" e "evitar a subversão".
McCarthy exagerou tanto no seu reacionarismo que nem a direita, sobretudo seus colegas de partido, aguentou ele, que depois sofreu um declínio político após sua breve campanha - que durou de 1950 a 1955 - e, já decadente, faleceu prematuramente, aos 49 anos.
No Brasil, Cunha já começa também a receber oposição de parte da direita, como as Organizações Globo, pelo fato do deputado, por representar grupos neo-pentecostais, estar, desta forma, próximo do "bispo" Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, dona da Rede Record, principal concorrente da Rede Globo de Televisão.
"MOBILIDADE URBANA" COM APARTHEID SOCIAL
O que muitos esquecem é que, se Eduardo Cunha sofre um ocaso político, sua metodologia autoritária é compartilhada até mesmo pelo discreto subsecretário de Planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, Alexandre Sansão, que na ironia de seu sobrenome, não possui os "atributos bíblicos" do famoso guerreiro dos imaginários católico e protestante. Sansão é careca.
Responsável por implantar medidas impopulares e nocivas para o sistema de ônibus do Rio de Janeiro, como a pintura padronizada em diferentes empresas de ônibus - que confunde os passageiros e estimula a corrupção político-empresarial - e a dupla função do motorista-cobrador - causadora de muitos acidentes, dos quais a queda num viaduto de Bonsucesso foi o mais trágico, com oito mortos, motivado por uma briga por causa de um troco de passagem - , Sansão está desenvolvendo um projeto que pode representar um apartheid social para os cariocas.
Extinguindo longos trajetos de linhas e criando uma farra de "linhas alimentadoras" e "linhas troncais" Sansão promete, a partir de outubro, extinguir a ligação direta Zona Norte-Zona Sul, agravando ainda mais a discriminação das classes populares que terão dificuldades para se deslocarem dos subúrbios para as praias da Zona Sul.
Sansão já eliminou várias linhas tradicionais e bastante funcionais: 676 Méier / Penha, 910 Bananal / Madureira, 952 Penha / Praça Seca, entre tantas outras, substituídas por "alimentadoras" que apenas reproduzem parcialmente os itinerários, hoje "esquartejados", para forçar o uso do Bilhete Único, que nem sempre funciona e, numa cidade congestionada, se esgota facilmente em duas horas.
Ele pretende fazer isso com as linhas da Zona Sul com destino ao Centro e à Barra da Tijuca, o que irá aumentar ainda mais o apartheid, já que, a exemplo do que fez para "cobrir" as estações de BRT em Madureira e no Fundão, ele irá ceifar linhas de ônibus funcionais e com grande frota (cada uma com uma média de 25 ônibus) para substituir por corredores de BRT que só comportam 10% da demanda das linhas desativadas. Daí os BRTs superlotados.
Os moradores dos subúrbios não poderão mais ir às praias cariocas de maneira confortável, havendo ainda o grande risco do Bilhete Único se esgotar em pouco tempo. O deslocamento de Copacabana para o Centro é longo e com trânsito congestionado e, frequentemente, dura mais de duas horas, tempo de validade do cartão eletrônico. O passageiro chega ao Centro já sendo obrigado a pagar mais uma tarifa, na volta para o subúrbio.
Os pobres vão "torrar" seus salários, já baixos. Em certos casos, terão dificuldade até para se deslocarem para o Piscinão de Ramos, no desconforto da baldeação por ônibus. Terão que se contentar em fazer festas na laje e gastar dinheiro com piscinas em suas casas, e forjar um "clima de praia" em suas residências.
A medida torna-se um aberrante caso de higienização social - há até a desculpa de "evitar arrastões", como se não houvessem subúrbios em plena Zona Sul, como Rocinha e Pavãozinho - e mostra que o autoritarismo do PMDB carioca não se expressa só em Eduardo Cunha. Alexandre Sansão está lá, quieto, planejando seu higienismo social através de uma visão ditatorial de mobilidade urbana, com um apetite não muito diferente do presidente da Câmara dos Deputados.
O autoritarismo do PMDB carioca, de impor medidas que contrariam as leis e o interesse público - só a pintura padronizada nas empresas de ônibus vai contra artigos da Lei de Licitações, do Código de Defesa do Consumidor e até da Constituição Federal - e depois mentir que age a favor dos mesmos, é uma praxe em todo o grupo político de Eduardo Paes.
É um autoritarismo que não se observa somente em "pautas-bombas", mas também na especulação imobiliária que derruba áreas de proteção ambiental e patrimonial para construir pomposos condomínios de luxo ou hotéis imponentes, deixando as populações desalojadas à própria sorte e dando a elas indenizações precárias e residências desconfortáveis.
CIDADE SEM LEI
Pode ser Eduardo Cunha, mas também pode ser Eduardo Paes, Sérgio Cabral Filho e Luiz Fernando Pezão. Como são também Carlos Roberto Osório e o citado Alexandre Sansão. É usar o poder acima da responsabilidade, mandar usando a desculpa da disciplina e da organização, mas deixando as coisas se desorganizarem e criarem desordens piores do que aquelas que eles dizem combater.
É o caso do secretário de Segurança Pública da Prefeitura do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, que prometeu "revolucionar a segurança" com as tais Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Sem adotar um projeto que combata de verdade a criminalidade, a UPP, na verdade guaritas policiais instaladas na entrada de favelas, demonstraram seu grande fracasso e grave risco.
As áreas "pacificadas" tornaram-se, nos últimos meses, cenários de muita violência, com policiais sendo assassinados e cidadãos também, estes geralmente por balas perdidas. O lado dramático é que o "grosso" da violência ocorre nos complexos do Alemão e da Maré, localizados no entorno de Bonsucesso e Ramos, no caminho entre o Aeroporto Tom Jobim (antigo Galeão) e o Centro.
Um grande campus universitário se encontra na área, assim como um viaduto direto entre o Centro carioca e a Baixada Fluminense, a Linha Vermelha, que frequentemente é fechada por causa de ações do crime organizado, com bandidos tomando a área, ou devido a tiroteios entre estes e os policiais que tentam reprimir tais ações.
O Rio de Janeiro tornou-se uma cidade sem lei, decadente, que pode fazer ruir todas as tentativas feitas para ela se tornar uma cidade moderna e justa. A antiga capital do país chegou perto disso, daí o título de Cidade Maravilhosa que se popularizou em 1958, quando o município tornou-se o símbolo dos "Anos Dourados", nome dado a uma onda de otimismos e esperanças de progresso no Brasil.
O Rio de Janeiro só sofreu tardiamente com a perda de condição de capital do país, em 1960. Da mesma forma que sua vizinha Niterói também perdeu, de forma tardia, a condição de capital do Estado do Rio de Janeiro, "roubada" pela ex-Cidade Maravilhosa devido a manobras políticas da ditadura militar e seus aliados civis.
Dessa forma, o Rio de Janeiro vê o extremo de uma decadência que já acontecia há 30 anos, com o crescimento do crime organizado e o caos urbano, hoje totalmente fora de controle. E Niterói se comporta como se fosse uma cidade do interior perdida no Amapá, de tão perdida e autista que faz muitos se esquecerem que ela um dia foi capital de Estado.
A decadência do Rio de Janeiro, que fecha seus espaços culturais e quer transformar o Centro numa paródia sombria de Barcelona, com praças imponentes que viram potenciais redutos de usuários de crack (que na vizinha Niterói já se acomodam na Praia João Caetano, antiga Praia das Flechas), faz sentido até na trilha sonora dos "bons momentos" que hoje vive a cidade e sua região metropolitana.
Se em 1958 o ritmo mais badalado no Rio de Janeiro era a Bossa Nova de riquíssima combinação de samba, baião, música erudita e jazz, hoje o ritmo é o "funk", um engodo sonoro em que não se permite a atuação do músico instrumentista nem do compositor de boas melodias, e, com todo o seu discurso "socializante" em "prol da população pobre e excluída", revela um perverso esquema de exploração profissional de jovens da periferia, a serviço de valores que escondem uma visão caricatural e pejorativa de negros, mulheres e dos favelados em geral.
Se o "funk carioca" é higienista e Eduardo Cunha leva isso às últimas consequências, embora o "discreto" Alexandre Sansão e sua "racionalidade" na mobilidade urbana, restrita à realidade digital de jogos virtuais e computação gráfica, desse sua contribuição dificultando a população da Zona Norte de passearem pela Zona Sul, o Rio de Janeiro se encontra numa decadência que poderá trazer efeitos catastróficos para o país.
E AS PESSOAS "FELIZES DEMAIS", CONVERSANDO BOBAGENS E BRINCANDO COM WHATSAPP
Afinal, aparentemente muitas pessoas estão indiferentes a essa situação, como um doente de câncer que só sabe da doença após um exame médico. Percorrendo praias e ruas do Grande Rio, pessoas parecem "felizes demais" e "bem de vida" jogando conversa fora com bobagens ou brincando com o smartphone curtindo tolices no WhatsApp.
Essa "felicidade" perigosa, a "paz sem voz" da música de O Rappa, é ainda reforçada pela aparente "tranquilidade" do futebol carioca, cujos quatro times (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo) parecem "capazes" de superar suas crises, com uma facilidade que não corresponde à realidade carioca, cujo caos está difícil de se resolver e até se agrava pelas decisões das autoridades.
Chega a ser assustador que pessoas se recusem a enfrentar os problemas e o fanatismo do futebol - em que o esporte se torna praticamente uma "moeda corrente" exigida nas relações sociais - torna-se o ópio de cariocas e fluminenses para abafar os problemas e aceitar os arbítrios das autoridades, da mídia e do mercado, vistos como se fossem "decisões divinas".
A situação é tão grave que muitos cariocas, quando conhecem alguém, perguntam se ela torce por algum dos times cariocas antes de perguntar o nome. E a submissão as "decisões superiores" da política, da mídia e do mercado chegam a gerar uma anedota, em que um carioca atingido por fezes de pombo é capaz de agradecê-lo se a ave tiver diploma de doutorado e grande prestígio na mídia.
É terrível. E o pior é que o conformismo bovino dos cariocas que não sabem os problemas em sua volta, mesmo com gente atingida por bueiros explosivos, balas perdidas ou ônibus desgovernados - fora ainda a ação de sociopatas na Internet a defender tudo que é "decidido do alto" no Rio - pode iludir o resto do país.
Afinal, mesmo com o despertar que começa a haver no Norte e Nordeste, em que mesmo o recreio debiloide da axé-music, do "forró eletrônico" e do tecnobrega começam a ser duramente contestados pela sociedade, ainda há o risco do Rio de Janeiro ser ainda considerado "referência" para a implantação de valores a prevalecerem na vida social, cultural e administrativa.
Daí os ônibus de pintura padronizada que foram empurrados até para Recife. Ou os derivados caricatos que se faz, na Bahia e em Minas Gerais, do "funk carioca". Sem falar das decisões de Eduardo Cunha, ele mesmo controlando o Legislativo federal com o mesmo apetite autoritário com que o grupo de seu amigo Eduardo Paes comanda o Estado do Rio de Janeiro.
Isso pode trazer efeitos devastadores para o Brasil. Talvez seja hora das pessoas evitarem boicotar os textos "desagradáveis" que encontram na Internet e parassem de ser "felizes demais" e deixassem a brincadeira do WhatsApp para encarar os problemas de frente e sem medo.
Afinal, de que adianta Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo poderem dar a volta por cima - às vezes de forma corrupta - nos campeonatos de futebol se o Rio de Janeiro sofre o BRT do retrocesso sem freio e o bonde da violência sem controle? A condenação de Eduardo Cunha, após as investigações, apesar de essencial para o país, é apenas uma pequena parte do que se deve fazer.
O Rio de Janeiro passa por intensos retrocessos que causa muita preocupação para o país. Afinal, o eixo Rio-São Paulo é considerado referência para a prevalência de valores e práticas no país, e os retrocessos vividos pelos dois Estados, sobretudo o Rio, podem levar o Brasil a uma situação catastrófica.
É extremamente grave a atuação do PMDB carioca, tanto no âmbito regional, quanto no âmbito federal. Este último é bastante conhecido pela atuação arbitrária do deputado Eduardo Cunha que, como chefe da Câmara Federal, tem ainda o direito de exercer a Presidência da República se a titular Dilma Rousseff e seu vice Michel Temer estiverem fora do país ou sob algum impedimento.
Cunha é famoso por diversas pautas que comprometem ou simplesmente eliminam conquistas sociais. Vão desde a terceirização no mercado de trabalho, em que uma profissão retrocede aos padrões do começo da Revolução Industrial, quando pessoas trabalhavam com baixos salários e sem garantias sociais, até a redução da maioridade penal.
A redução, neste caso, praticamente inocenta os verdadeiros responsáveis pela criminalidade feita por adolescentes, que são os programas policialescos de televisão e apresentadores como José Luiz Datena e Marcelo Rezende, que "põem coisa" nas cabeças das crianças com seus "jornalísticos" transmitidos de tarde, abertamente expostos a todos, sobretudo o público infanto-juvenil.
Seria longo demais comentar uma a uma das propostas reacionárias e antissociais de Eduardo Cunha, mas elas seguem a pauta autoritária do PMDB carioca, um "frankenstein" partidário que mistura um brizolismo deturpado com um tucanato acanhado trazidos por "caciques" como os falecidos Marcello Alencar e Luiz Paulo Conde e o hoje oposicionista César Maia.
Eduardo Cunha começa a ser investigado pela sua participação no esquema de corrupção que envolve a Petrobras, vendo para si o começo de seu declínio político ele que, ligado a movimentos neo-pentecostais, é famoso por "governar com o estômago" suas "pautas-bombas" e por ser comparado pelos analistas políticos ao famoso senador estadunidense Joseph McCarthy (1908-1957).
De brevíssima mas bombástica trajetória, Joe McCarthy, como era conhecido, era um senador ultrarreacionário do Partido Republicano que se empenhava em promover as denúncias contra qualquer personalidade, que vivesse nos EUA, que se demonstrasse simpatizante do esquerdismo.
A partir de McCarthy, os especialistas passaram a denominar "macartismo" toda a fúria direitista de combater os movimentos sociais e defender práticas autoritárias que fossem feitas sob o pretexto de "manter a ordem" e "evitar a subversão".
McCarthy exagerou tanto no seu reacionarismo que nem a direita, sobretudo seus colegas de partido, aguentou ele, que depois sofreu um declínio político após sua breve campanha - que durou de 1950 a 1955 - e, já decadente, faleceu prematuramente, aos 49 anos.
No Brasil, Cunha já começa também a receber oposição de parte da direita, como as Organizações Globo, pelo fato do deputado, por representar grupos neo-pentecostais, estar, desta forma, próximo do "bispo" Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, dona da Rede Record, principal concorrente da Rede Globo de Televisão.
"MOBILIDADE URBANA" COM APARTHEID SOCIAL
O que muitos esquecem é que, se Eduardo Cunha sofre um ocaso político, sua metodologia autoritária é compartilhada até mesmo pelo discreto subsecretário de Planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, Alexandre Sansão, que na ironia de seu sobrenome, não possui os "atributos bíblicos" do famoso guerreiro dos imaginários católico e protestante. Sansão é careca.
Responsável por implantar medidas impopulares e nocivas para o sistema de ônibus do Rio de Janeiro, como a pintura padronizada em diferentes empresas de ônibus - que confunde os passageiros e estimula a corrupção político-empresarial - e a dupla função do motorista-cobrador - causadora de muitos acidentes, dos quais a queda num viaduto de Bonsucesso foi o mais trágico, com oito mortos, motivado por uma briga por causa de um troco de passagem - , Sansão está desenvolvendo um projeto que pode representar um apartheid social para os cariocas.
Extinguindo longos trajetos de linhas e criando uma farra de "linhas alimentadoras" e "linhas troncais" Sansão promete, a partir de outubro, extinguir a ligação direta Zona Norte-Zona Sul, agravando ainda mais a discriminação das classes populares que terão dificuldades para se deslocarem dos subúrbios para as praias da Zona Sul.
Sansão já eliminou várias linhas tradicionais e bastante funcionais: 676 Méier / Penha, 910 Bananal / Madureira, 952 Penha / Praça Seca, entre tantas outras, substituídas por "alimentadoras" que apenas reproduzem parcialmente os itinerários, hoje "esquartejados", para forçar o uso do Bilhete Único, que nem sempre funciona e, numa cidade congestionada, se esgota facilmente em duas horas.
Ele pretende fazer isso com as linhas da Zona Sul com destino ao Centro e à Barra da Tijuca, o que irá aumentar ainda mais o apartheid, já que, a exemplo do que fez para "cobrir" as estações de BRT em Madureira e no Fundão, ele irá ceifar linhas de ônibus funcionais e com grande frota (cada uma com uma média de 25 ônibus) para substituir por corredores de BRT que só comportam 10% da demanda das linhas desativadas. Daí os BRTs superlotados.
Os moradores dos subúrbios não poderão mais ir às praias cariocas de maneira confortável, havendo ainda o grande risco do Bilhete Único se esgotar em pouco tempo. O deslocamento de Copacabana para o Centro é longo e com trânsito congestionado e, frequentemente, dura mais de duas horas, tempo de validade do cartão eletrônico. O passageiro chega ao Centro já sendo obrigado a pagar mais uma tarifa, na volta para o subúrbio.
Os pobres vão "torrar" seus salários, já baixos. Em certos casos, terão dificuldade até para se deslocarem para o Piscinão de Ramos, no desconforto da baldeação por ônibus. Terão que se contentar em fazer festas na laje e gastar dinheiro com piscinas em suas casas, e forjar um "clima de praia" em suas residências.
A medida torna-se um aberrante caso de higienização social - há até a desculpa de "evitar arrastões", como se não houvessem subúrbios em plena Zona Sul, como Rocinha e Pavãozinho - e mostra que o autoritarismo do PMDB carioca não se expressa só em Eduardo Cunha. Alexandre Sansão está lá, quieto, planejando seu higienismo social através de uma visão ditatorial de mobilidade urbana, com um apetite não muito diferente do presidente da Câmara dos Deputados.
O autoritarismo do PMDB carioca, de impor medidas que contrariam as leis e o interesse público - só a pintura padronizada nas empresas de ônibus vai contra artigos da Lei de Licitações, do Código de Defesa do Consumidor e até da Constituição Federal - e depois mentir que age a favor dos mesmos, é uma praxe em todo o grupo político de Eduardo Paes.
É um autoritarismo que não se observa somente em "pautas-bombas", mas também na especulação imobiliária que derruba áreas de proteção ambiental e patrimonial para construir pomposos condomínios de luxo ou hotéis imponentes, deixando as populações desalojadas à própria sorte e dando a elas indenizações precárias e residências desconfortáveis.
CIDADE SEM LEI
Pode ser Eduardo Cunha, mas também pode ser Eduardo Paes, Sérgio Cabral Filho e Luiz Fernando Pezão. Como são também Carlos Roberto Osório e o citado Alexandre Sansão. É usar o poder acima da responsabilidade, mandar usando a desculpa da disciplina e da organização, mas deixando as coisas se desorganizarem e criarem desordens piores do que aquelas que eles dizem combater.
É o caso do secretário de Segurança Pública da Prefeitura do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, que prometeu "revolucionar a segurança" com as tais Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Sem adotar um projeto que combata de verdade a criminalidade, a UPP, na verdade guaritas policiais instaladas na entrada de favelas, demonstraram seu grande fracasso e grave risco.
As áreas "pacificadas" tornaram-se, nos últimos meses, cenários de muita violência, com policiais sendo assassinados e cidadãos também, estes geralmente por balas perdidas. O lado dramático é que o "grosso" da violência ocorre nos complexos do Alemão e da Maré, localizados no entorno de Bonsucesso e Ramos, no caminho entre o Aeroporto Tom Jobim (antigo Galeão) e o Centro.
Um grande campus universitário se encontra na área, assim como um viaduto direto entre o Centro carioca e a Baixada Fluminense, a Linha Vermelha, que frequentemente é fechada por causa de ações do crime organizado, com bandidos tomando a área, ou devido a tiroteios entre estes e os policiais que tentam reprimir tais ações.
O Rio de Janeiro tornou-se uma cidade sem lei, decadente, que pode fazer ruir todas as tentativas feitas para ela se tornar uma cidade moderna e justa. A antiga capital do país chegou perto disso, daí o título de Cidade Maravilhosa que se popularizou em 1958, quando o município tornou-se o símbolo dos "Anos Dourados", nome dado a uma onda de otimismos e esperanças de progresso no Brasil.
O Rio de Janeiro só sofreu tardiamente com a perda de condição de capital do país, em 1960. Da mesma forma que sua vizinha Niterói também perdeu, de forma tardia, a condição de capital do Estado do Rio de Janeiro, "roubada" pela ex-Cidade Maravilhosa devido a manobras políticas da ditadura militar e seus aliados civis.
Dessa forma, o Rio de Janeiro vê o extremo de uma decadência que já acontecia há 30 anos, com o crescimento do crime organizado e o caos urbano, hoje totalmente fora de controle. E Niterói se comporta como se fosse uma cidade do interior perdida no Amapá, de tão perdida e autista que faz muitos se esquecerem que ela um dia foi capital de Estado.
A decadência do Rio de Janeiro, que fecha seus espaços culturais e quer transformar o Centro numa paródia sombria de Barcelona, com praças imponentes que viram potenciais redutos de usuários de crack (que na vizinha Niterói já se acomodam na Praia João Caetano, antiga Praia das Flechas), faz sentido até na trilha sonora dos "bons momentos" que hoje vive a cidade e sua região metropolitana.
Se em 1958 o ritmo mais badalado no Rio de Janeiro era a Bossa Nova de riquíssima combinação de samba, baião, música erudita e jazz, hoje o ritmo é o "funk", um engodo sonoro em que não se permite a atuação do músico instrumentista nem do compositor de boas melodias, e, com todo o seu discurso "socializante" em "prol da população pobre e excluída", revela um perverso esquema de exploração profissional de jovens da periferia, a serviço de valores que escondem uma visão caricatural e pejorativa de negros, mulheres e dos favelados em geral.
Se o "funk carioca" é higienista e Eduardo Cunha leva isso às últimas consequências, embora o "discreto" Alexandre Sansão e sua "racionalidade" na mobilidade urbana, restrita à realidade digital de jogos virtuais e computação gráfica, desse sua contribuição dificultando a população da Zona Norte de passearem pela Zona Sul, o Rio de Janeiro se encontra numa decadência que poderá trazer efeitos catastróficos para o país.
E AS PESSOAS "FELIZES DEMAIS", CONVERSANDO BOBAGENS E BRINCANDO COM WHATSAPP
Afinal, aparentemente muitas pessoas estão indiferentes a essa situação, como um doente de câncer que só sabe da doença após um exame médico. Percorrendo praias e ruas do Grande Rio, pessoas parecem "felizes demais" e "bem de vida" jogando conversa fora com bobagens ou brincando com o smartphone curtindo tolices no WhatsApp.
Essa "felicidade" perigosa, a "paz sem voz" da música de O Rappa, é ainda reforçada pela aparente "tranquilidade" do futebol carioca, cujos quatro times (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo) parecem "capazes" de superar suas crises, com uma facilidade que não corresponde à realidade carioca, cujo caos está difícil de se resolver e até se agrava pelas decisões das autoridades.
Chega a ser assustador que pessoas se recusem a enfrentar os problemas e o fanatismo do futebol - em que o esporte se torna praticamente uma "moeda corrente" exigida nas relações sociais - torna-se o ópio de cariocas e fluminenses para abafar os problemas e aceitar os arbítrios das autoridades, da mídia e do mercado, vistos como se fossem "decisões divinas".
A situação é tão grave que muitos cariocas, quando conhecem alguém, perguntam se ela torce por algum dos times cariocas antes de perguntar o nome. E a submissão as "decisões superiores" da política, da mídia e do mercado chegam a gerar uma anedota, em que um carioca atingido por fezes de pombo é capaz de agradecê-lo se a ave tiver diploma de doutorado e grande prestígio na mídia.
É terrível. E o pior é que o conformismo bovino dos cariocas que não sabem os problemas em sua volta, mesmo com gente atingida por bueiros explosivos, balas perdidas ou ônibus desgovernados - fora ainda a ação de sociopatas na Internet a defender tudo que é "decidido do alto" no Rio - pode iludir o resto do país.
Afinal, mesmo com o despertar que começa a haver no Norte e Nordeste, em que mesmo o recreio debiloide da axé-music, do "forró eletrônico" e do tecnobrega começam a ser duramente contestados pela sociedade, ainda há o risco do Rio de Janeiro ser ainda considerado "referência" para a implantação de valores a prevalecerem na vida social, cultural e administrativa.
Daí os ônibus de pintura padronizada que foram empurrados até para Recife. Ou os derivados caricatos que se faz, na Bahia e em Minas Gerais, do "funk carioca". Sem falar das decisões de Eduardo Cunha, ele mesmo controlando o Legislativo federal com o mesmo apetite autoritário com que o grupo de seu amigo Eduardo Paes comanda o Estado do Rio de Janeiro.
Isso pode trazer efeitos devastadores para o Brasil. Talvez seja hora das pessoas evitarem boicotar os textos "desagradáveis" que encontram na Internet e parassem de ser "felizes demais" e deixassem a brincadeira do WhatsApp para encarar os problemas de frente e sem medo.
Afinal, de que adianta Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo poderem dar a volta por cima - às vezes de forma corrupta - nos campeonatos de futebol se o Rio de Janeiro sofre o BRT do retrocesso sem freio e o bonde da violência sem controle? A condenação de Eduardo Cunha, após as investigações, apesar de essencial para o país, é apenas uma pequena parte do que se deve fazer.
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
Criança Esperança e a banalização da ideia de caridade
No último fim de semana, o projeto Criança Esperança, da Rede Globo de Televisão, promovido em parceria com a UNESCO - entidade da Organização das Nações Unidas dedicada à Cultura e à Educação - , completou 30 anos de existência, celebrado de forma triunfante com um resultado que, do contrário que se alardeia, nunca foi além do medíocre.
Comemora-se demais por poucos feitos. A solidariedade e a filantropia, banalizadas por ações como montar escolas e fazer doações de roupas e outros objetos ou oferecer sopas para a população carente, até chegam a acontecer e beneficiar pessoas, mas o resultado é muitíssimo aquém do que deveria ser.
Nota-se, hoje, que a violência e o ódio crescem e isso se observa em diversos aspectos. As manifestações anti-PT chegam a atribuir ao partido o monopólio de uma corrupção que corre até no sangue dos próprios direitistas. A criminalidade age cada vez mais à luz do dia, deixando para trás os tempos em que ela agia mais nos fins de semana, feriados e períodos noturnos.
O Brasil vive uma grave crise econômica, política e institucional, o que indica que os projetos filantrópicos, na melhor das hipóteses, não passam de iniciativas pontuais, das quais, mediante uma observação mais cautelosa, são muito mais raros do que se imagina.
Afinal, boa parte dos projetos que se autoproclamam "caridosos", na verdade, escondem processos perversos de controle ideológico e proselitismo religioso, e destes, infelizmente, estão entidades "espíritas", que sempre ensinam a linha religiosista popularizada pelo católico Francisco Cândido Xavier.
Se retirar esses projetos que usam a caridade como forma de dominação e controle social, os projetos de caridade sincera tornam-se ainda muito mais raros, tão poucos que parecem ilhas de ativismo social que disputam credibilidade com projetos traiçoeiros que se passam pela mesma causa.
A banalização da ideia e do paradigma de caridade, para ações ligadas às doações, sopas, escolas, seja de forma paliativa ou, quando muito, com menor grau de transformação social possível - a pessoa aprende a ler, escrever, fazer contas, trabalhar e ser bonzinho com os outros, mas não a enxergar o mundo de forma criativa e questionadora - , é um grande problema para o Brasil.
Pois se passaram 30 anos do "poderoso projeto" da Rede Globo e, de lá, do Brasil da chamada Nova República, passando por Era Collor, Era FHC, Era Lula, pelos governos de Dilma Rousseff, e o que vimos foi uma sucessão de retrocessos sociais, em que pese alguns avanços pontuais conquistados, principalmente nos últimos 12 anos.
Como fazer de conta que os projetos "filantrópicos" estão causando uma "revolução social sem precedentes", contradizendo o discurso "admitindo" que "muito se está ainda por fazer, mas conseguimos bastante", sem se decidir se realmente mudou a sociedade ou se ainda pretende mudar?
É um discurso confuso, que faz um Divaldo Franco querer ser "o maior filantropo do planeta" com uma caridade, através de sua Mansão do Caminho, que em seis décadas não conseguiu beneficiar mais de 0,08% da população de Salvador, com seus grandes bolsões de pobreza e miséria? É muita ostentação para pouca caridade.
Um aspecto a se questionar é até que ponto são válidas as doações? Se doar cestas básicas e roupas para a população carente, assim que essas doações terminarem, a pobreza volta. Cria-se um ciclo vicioso de termos que dar alguma coisa sem resolver realmente o problema, quando o melhor é "ensinar a pescar" do que "dar o peixe".
Além disso, existe a questão de que valor é aplicado na caridade? O risco de extravios, seja de objetos ou de quantias financeiras, é notório, Até que ponto uma instituição pode aplicar o que arrecadou para ajudar os pobres? Não seria ela capaz também de desviar as roupas doadas para os brechós e gerar renda por fora? Ou usar o dinheiro doado para beneficiar fortunas de seus líderes e colaboradores?
A própria Rede Globo de Televisão foi denunciada por sonegação fiscal, não bastasse outros males que a corporação midiática realizou em sua trajetória, muitas vezes prejudicial à sociedade brasileira, supostamente beneficiada, em parte, pelo Criança Esperança.
Por tantos aspectos acima mostrados, ficamos perguntando: para que servem esses paradigmas de caridade que não vão além de medidas paliativas, ou de projetos de relativa integração social que não vão muito longe do que trazer pequenos benefícios para a população, sem comprometer as estruturas dominantes que promovem desigualdades e injustiças?
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
Sociedade começa a discutir encrenqueiros na Internet
A situação é conhecida. Em determinado espaço nas mídias sociais, podendo ser uma comunidade virtual ou um fórum, determinado internauta expõe algum questionamento contra o que é estabelecido pela mídia, pela política e pelo mercado. De repente, uma série de comentários, dotados de alguma ironia, ou então de ofensas, gozações e ameaças, é enviada em curtíssimo espaço de tempo contra o internauta questionador.
Os comentários se seguem desqualificando de alguma forma o questionamento apresentado, e os "patrulheiros" do "estabelecido" geralmente seguem a orientação de algum líder mais atrevido que, em casos extremos, começa a produzir páginas de ofensas pessoais contra o internauta questionador, se valendo de arquivos e textos pessoalmente escritos por este, reproduzidos de maneira caluniosa e difamatória.
Encrencas assim acontecem há muito tempo nas chamadas redes sociais da Internet e revelam uma parcela da juventude que, desprovida de educação moral e intelectual e acomodada com os valores e ídolos dominantes, não medem escrúpulos para expor seus ódios e preconceitos. Eles se tornaram notáveis depois que comentários racistas foram feitos em série, no Facebook, contra várias mulheres negras, entre elas a jornalista da Rede Globo, Maria Júlia Coutinho, a Maju.
Hoje a imprensa começa a discutir esse vandalismo virtual que, embora seja geralmente sem qualquer caráter ideológico, em muitos momentos se sinaliza como simpatizante à direita, até pelos valores que são defendidos, que variam de "rádios de rock" impostas pelo mercado até a pintura padronizada nos ônibus imposta por políticos cariocas, passando por valores eugenistas (que apelam "cientificamente" para a suposta superioridade racial dos brancos) e até por gírias e ídolos musicais da moda.
Muitos desses encrenqueiros digitais escrevem mal, despejam sua raiva de qualquer jeito e, se contam com algum dinheiro na mão, são capazes de ir às cidades de seus desafetos para "intimidar", como no caso de um busólogo (admirador de ônibus) da Baixada Fluminense, que, há cerca de cinco anos, começou a brigar com vários busólogos. Outros, que defendiam a linha "roqueira" da emissora carioca Rádio Cidade, teriam armado uma emboscada mandando uma mensagem irônica para um internauta discordante convidando-o para uma festa na Barra da Tijuca, reduto das elites conservadoras do Rio de Janeiro.
A maioria desses internautas varia entre a classe média e a classe alta. Defendem os valores estabelecidos pelo mercado, pela mídia e pela política. Acham que tudo que prevalece no momento é sempre valioso e benéfico e agem de forma agressiva contra quem pensa diferente deles. São geralmente racistas e homofóbicos mas, no caso dos internautas masculinos, acham uma frescura os homens rejeitarem as "musas" siliconadas.
Uns usam pseudônimos do nível de "Mestre Kim", "Noquia Megatrendius", "Lili Alucinada", "Clô do Pânico", "Crítico" ou mesmo nomes reais como "Papa Bento", "Michael Jackson" ou "Barack Obama". Outros se arriscam a usar nomes reais, sem qualquer medo de se esconderem. Para piorar, eles se julgam triunfantes mesmo diante dos riscos que assumem com seu vandalismo virtual.
Um exemplo disso está no caso dos comentários racistas, em que verdadeiras baixarias como dizer que "fita isolante é band-aid de negro" são livremente publicadas com total desconhecimento de que o racismo é crime inafiancável. Pior: quando alguém tenta argumentar que os encrenqueiros digitais poderão ir para a cadeia por tais mensagens, estes ainda reagem com gracejos irônicos como "huahuahuahuah" ou o simplório "kkkkkkkkkkkkk".
Muitos desses internautas são adolescentes. Outros, adultos com algum problema psicológico ou uma raiva latente. Alguns usam Internet sob o sustento de seus pais. Outros são adultos emancipados que, em alguns casos, chegam a usar cocaína antes de entrarem nas mídias sociais. A cocaína é uma droga que torna a pessoa mais "animada", fazendo ela ficar presunçosa, arrogante e potencialmente mais agressiva sob a menor adversidade.
A imprensa começa a questionar esse vandalismo, até pelos danos morais que eles podem causar. Sejam esses encrenqueiros simples trolls (ou "troleiros"), "zoeiros" ou cyberbullies, eles são a expressão de retrocessos sociais que ocorreram nos últimos 25 anos. Esses agressivos internautas são "filhos" de um tempo cujos valores começam a ser derrubados um a um e, por isso, eles reagem com essa "irreverência" que, só para usar jargões por eles usados, não passa de meras "raivinhas" e "medinhos" da mudança dos tempos.
Eles são pessoas que não receberam a afeição dos pais, e não tiveram noção do que é respeito humano. Em contrapartida, os pais que não lhes eram amigos sempre lhes arrumavam festinhas em todo sábado e lhe davam presentes, o que significa que essa geração também não aprendeu a aceitar um "não". Em alguns casos, os internautas encrenqueiros eram agredidos por pais ou babás e descontam suas "raivinhas" contra o primeiro internauta que não pensar igual a ele.
Potencialmente, eles agem como se fossem grupos fascistas, de extrema-direita, que não temem ir longe com seus ódios que surgem numa "inocente" zoada. De chamar colegas para esculhambar algum discordante nas mídias sociais até produzir blogues ou fotologues de calúnias e difamação, eles podem chegar ao ponto de ir para as ruas e cometer represálias contra suas vítimas.
Históricos de jovens reacionários já tiveram na História do Brasil contemporânea, através do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), grupo composto por jovens agressivos que são capazes de causar incêndios, como a destruição da sede da União Nacional dos Estudantes pouco após o golpe civil-militar de abril de 1964, no Rio de Janeiro, e de provocar, armados de revólver, grupos ideologicamente opostos, como houve no conflito de estudantes da Universidade Mackenzie, ligados ao CCC, e socialistas ligados à USP, em 1968, cujo tiroteio causou a morte de um secundarista atingido por bala perdida.
Os internautas encrenqueiros de hoje, mesmo os ideologicamente "neutros", expressam sua admiração para figuras como Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino, Tatola Godas, Emílio Surita, Luciano Huck e Danilo Gentili. Houve caso de defensores da gíria "balada" causarem vandalismo no Orkut, que demonstravam sutil admiração a Luciano Huck. Em certos casos, eles fingem esculhambar seus ídolos como "provocação" ou forma de impressionar alguém.
A imprudência desses internautas é tanta que eles não só apelam para comentários racistas ignorando o risco de serem presos em regime fechado ou, no caso de piadas preconceituosas contra homens que ficam solteiros durante muito tempo, desconhecerem que homens que "zoam" com a solteirice dos outros irrita as namoradas e esposas dos encrenqueiros que poderiam muito bem romper com seus companheiros, condenados a experimentar o mesmo "encalhe" contra o qual gozam dos outros.
Em outros casos, no entanto, as gozações violentas contra a solteirice de alguém podem indicar que os mesmos encrenqueiros digitais escondem uma frustração sexual e amorosa. Muitos desses encrenqueiros podem ter sofrido impotência na relação sexual da véspera, ou levado um "fora" na tentativa de conquistar uma mulher, e ficam "descontando" ao humilharem a solteirice de outros homens.
Dessa forma, os próprios encrenqueiros virtuais, que parecem triunfantes nos seus atos, podem ser surpreendidos pela encrenca que desprezam. Sua agressividade também irrita outras pessoas e há casos de encrenqueiros mais atrevidos que sofrem risco de sofrer algum atentado. De um lado, as leis, de outro, as represálias sociais, podem transformar em trauma, prisão e até em tragédia a "irreverência" daqueles que só querem "zoar nas redes sociais".